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Capítulo 5

Rosalie

Inventar um alguém era algo fácil. O difícil seria interpretar, ser convincente. Continuei encarando senhora Lia como se ela tivesse acabado de me pedir para peregrinar setenta dias no deserto.

–– Como irei fazer isso?

–– Irei passar tudo que o rei pediu para você. Pegue caneta e papel. Precisa anotar.

Assinto e faço exatamente como ela pede. Assim que começo a ouvir a história, me pego criando um cenário imaginário. Acredito que vá me ajudar. Mas não é algo fácil.

Terei que mentir, interpretar e ser extremamente convincente. O rei não quer que saibam que sou um presente. Dou razão a ele. Mas por que quis casar comigo?

Era tão mais fácil permanecer com sua esposa. É permitido ele separar-se de sua esposa? Não sei como será isso. Eu serei a amante dele? De forma pública?

–– Rosalie Mcfield... Gostaria que esse fosse o meu nome. –– Divago em voz alta. –– Deve ser bom saber onde você pertence, ter uma história para seu sobrenome. Não acha, senhora Lia?

–– Não sou tão diferente de você, menina. Não tenho lá uma bela história com que me orgulhar. –– Seu semblante muda, como se ela estivesse visitando uma memória dolorosa do passado. –– Mas vamos prosseguir, senhorita Rosalie Mcfield.

Será que um dia eu irei preencher o vazio que sinto aqui dentro sobre a minha história?

Isso não são horas para estar pensando sobre isso. Preciso focar agora em alcançar o objetivo que o rei deseja que eu alcance.

Sou apenas um simples presente, sem família ou vontade própria. Minha vida é simplesmente isso que estou experimentando agora. Os deuses quiseram assim, que assim seja.

Depois que a senhora Lia me passou toda a história e os detalhes da mesma, ela me deixou refletindo no quarto e precisou se ausentar. Aproveitei e comecei a ensaiar de frente ao espelho.

E nisso foram-se horas...

Subitamente, quando estava falando pela centésima vez de quem sou filha, caio em um choro sentido. Eu chorava tão forte, tão alto, que senti minha voz indo embora. Cada soluço que eu dava era como se meu corpo estivesse pedindo para que eu encerrasse meu pranto. Mas eu não conseguia.

Sentei no chão, encostei minhas costas na cama e coloquei minhas mãos dentro dos meus cabelos claros. Eu estava desesperada. Meu peito começou a doer, o ar parecia não preencher mais meus pulmões... Será que estou morrendo?

Batidas insistentes na porta me fazem recobrar os sentidos. Coloco a máscara por cima do meu rosto choroso e abro a porta. Era Conrado.

–– Eu estava passando e... O que houve, Ivy? –– Seu olhar penoso em minha direção me fez tornar a chorar. –– Posso te oferecer um abraço?

Assinto e, como um sedento que acabou de ver alguém lhe oferecendo água, me lancei nos braços dele. O perfume dele era bom, lembrava capim e limão. Uma de suas mãos estavam acarinhando meus cabelos e a outra me mantinha proxima ao seu corpo.

–– Seja lá qual for seu problema, não desanime. Você é forte. Fale isso sempre que sentir fraqueza, desânimo. –– Afasto-me e encaro seus olhos. –– Você é forte, Ivy.

E só o fato dele dizer um nome que não é o meu verdadeiro, meus ombros caem. Estou imersa em uma lama de mentiras e ilusões. Não sei quem sou, de onde vim, nem sobre meus pais. E agora nem meu nome verdadeiro posso usar. Está se tornando cansativo.

–– Obrigada, Conrado. Você é... Um ótimo amigo.

Ele me olha mais um pouco, assente e vai embora. Ele merece ter uma garota muito legal em sua vida. E eu sei que essa garota jamais poderá ser eu. Ele merece alguém inteira, que vá se doar por completo. Eu me sinto em pedaços, vazia. Não consigo pensar em estar ao lado de alguém, envolvida sentimentalmente.

O rei, com certeza, não está esperando ter o meu amor. Ele quer apenas o meu corpo, isso é um fato, e um filho. Não entendo ele querer ter mais filhos. Já tem o suficiente. Acredito que tenha dois ou é três. Não sei muito sobre a família real. Isso é bem ruim.

O pouco que sei não é absolutamente nada do que preciso verdadeiramente saber para ser rainha e entrar na família.

Família...

Será que vão me aceitar? Isso ainda é tão confuso.

Já era tarde da noite quando olhei no relógio. Resolvo dormir, pois sei que passar muito tempo acordada deixa a pele debaixo dos olhos escurecidas. Toda mulher tem horror a isso.

Assim que me levantei, vi uma carta jogada para debaixo da minha porta. Peguei o papel rapidamente e tratei de lê-lo.

Preciso conversar com você novamente. Encontre-me no mesmo local no início da tarde. Erick B.

Rasgo o papel em pedaços minúsculos e jogo na lixeira. O que o príncipe deseja? Eu não posso me arriscar dessa forma. Se a senhora Lia souber ela pode ficar extremamente decepcionada comigo. Não quero e nem posso aborrecê-la.

Será que Erick não tem nenhum amigo para escutá-lo? Pode ser exatamente esse o motivo dele viver tanto na cozinha. Além de galantear as donzelas daqui, ele também é ouvido por elas.

Lavo o rosto e sigo para a cozinha. Todos já estão com as mãos ocupadas preparando o almoço. Sento na mesa e me sirvo de pão. Opto por comer em silêncio. A historinha que ensaiei a noite toda ainda está girando na minha cabeça.

–– Ivy é temporária, porém não ajuda em nada. Não acho isso justo. –– Rânia coloca em cima da mesa um grande cesto cheio de verduras e legumes. –– Nem do jardim ela cuida. Senhora Lia é muito boazinha com ela.

Um burburinho se instalou na cozinha e eu mal conseguia engolir o pão. Tive que me servir rapidamente de um pouco de água.

–– Eu... posso cuidar do jardim hoje de tarde. –– Sugiro, acanhada. Não há motivo nenhum para Rânia me perseguir, mas ela assim o faz. –– Só alguém me dizer exatamente o que fazer.

–– Não sabe podar as flores? Regá-las? Adubá-las? –– Ela gesticula e geral sorri. –– Sei que você consegue, Ivy. Nos poupe da sua falta de inteligência.

Fiz poucos amigos nesse período que estou aqui. Na verdade, além de Conrado e senhora Lia, apenas mais duas falam comigo palavras de forma respeitosa: Ginne e Dinorá. Mas elas quase sempre estão na área mais ao fundo da cozinha, lavando os pratos.

Não sei ainda se é prudente desejar sair daqui logo. Não sei o que realmente me aguarda depois daqui. Mas, se for pra desejar ir pra algum lugar, que fosse para voltar ao ventre da minha mãe. Acho que lá foi o único local em toda minha existência em que eu era de fato feliz.

Terminei meu café da manhã e disse para mim mesma que iria me dedicar ao jardim o dia inteiro. Enquanto eu cuidava das plantas, eu ensaiava a minha história de vida. As flores seriam a minha plateia.

Li em um dos livros que ganhava de Madie que um dos maiores sintomas de solidão é você conversar com objetos inanimados ou animais. Isso reflete a falta que você sente de ter alguém para conversar.

Fiquei dias pensando nisso quando li. Eu sou muito reflexiva também. Principalmente após ler algo impactante.

Senhora Lia veio até mim quando soube onde eu estava. Ela não brigou e nem nada do tipo. Apenas perguntou se eu estava praticando exatamente tudo que me foi passado e depois me questionou se eu estava confortável em mexer com o jardim.

Depois de ouvir minha resposta positiva, ela me pediu para descansar. Pedi para continuar mexendo com a terra e ela me autorizou. Antes de ir, avisou que logo iríamos fazer uma pequena viagem. Eu iria dar um jeito em minha aparência para o dia em que serei apresentada a todos.

Peguei a tesoura e comecei a podar algumas flores. Eu estava tão entretida que não percebi que estava sendo observada. E de bem perto.

–– Você corta as folhas parecendo que está sentindo a dor da flor. –– Príncipe Erick está bem atrás de mim. Acabo espetando o dedo no espinho da rosa.

–– Ai! –– Solto a tesoura e seguro meu dedo com a outra mão.

–– Estabanada. –– Ele se aproxima de mim com um lenço nas mãos. –– Deixa eu pressionar e limpar. Suas mãos estão sujas de terra.

–– Não, não precisa...

–– Faço questão. Agora me mostre esse dedo, por favor. Você não quer que entre terra nesse pequeno furo.

Ele, delicadamente, limpa o sangue do meu dedo e depois pressiona um pouco. Era muito desconcertante estar perto dele. Muito mesmo. Ele era bonito como Conrado. Será que o pai dele também é?

Ele rasga uma tira do seu lenço e envolve no meu dedo. Permaneço encarando suas mãos ágeis dando um nó perfeito.

–– Obrigada, Vossa Alteza. –– Reverencio com a cabeça. –– Recebi sua carta. O que tens de tão urgente para falar?

–– Prefiro o uso do meu nome quando estivermos à sós. –– Ele senta e pega um pouco do adubo. –– Logo haverá um evento importante no castelo. Moças serão analisadas e apenas uma será escolhida para futuramente ser rainha. Estava pensando em aproveitar o evento e escolher uma também. Meu pai não me deixará em paz se eu não me casar logo.

–– Seu pai parece casca grossa, Erick. –– Ensino a ele a quantidade exata de adubo para as flores. Ele aprende rapidamente. –– Não deveria casar se não há desejo de realizar tal coisa. Imagino que casar sem ao menos conhecer a pessoa deve ser angustiante. Acaba sendo um casamento fracassado.

–– Tens razão. –– Me oferece um meio sorriso. –– Mas a família real tem regimentos diferentes, Ivy. Queria ter autonomia para sair por aí, sem destino fixo. Apenas eu e o cavalo.

Não é possível que eu esteja me compadecendo de um príncipe... Devo ter um coração muito mole mesmo.

Mas, nessa situação que estamos agora, ele que aparenta ser um simples plebeu sofredor. Como um jovem que cresceu com tanto aparenta não ter exatamente nada em sua vida a não ser um grande desejo de abandonar isso tudo?

Chega a ser curioso o fato de Erick ser um príncipe, poder ter o que almejar em bens materiais, as mais belas mulheres aos seus pés para que uma delas possam ser sua esposa, chegar e dizer que deseja sair sem destino apenas na companhia do seu cavalo. Ou preferir se deitar com as moças da cozinha que cedem mais do que seus corpos, mas também seus ouvidos. Ou escolher desabafar com uma mulher mascarada do que com seus pais.

Será que o dinheiro, títulos, prestígio preenche de fato todas as lacunas da vida?

Lá vai eu ficar reflefiva mais uma vez...

–– Você está me ouvindo, Ivy?

–– Sim, sim –– Volto a me dedicar aos cuidados das flores. –– Faça o que seu coração disser. Pare um pouco de escutar a razão ou encontre um equilíbrio.

–– Encontrar o equilíbrio é uma boa sugestão. –– Ele levanta e tira toda sujeira da sua roupa provavelmente cara. –– Não posso ficar muito aqui. Agora terei que ouvir a razão. Meu irmão deve estar precisando de mim.

–– Posso te perguntar algo? –– Ele assente. –– Vocês, digo, sua família é unida? Você parece tão solitário para quem tem família.

–– É difícil dizer se somos unidos ou não. Mas nos respeitamos e tentamos ao máximo conviver em harmonia. Digamos que eu seja o mais problemático aos olhos deles. –– Sorri. –– Preciso ir. Até a próxima, Ivy.

Ele me dá as costas e sai caminhando tranquilamente. Espero não ter uma próxima. Não quero ficar tão próxima dele. Isso é ruim.

Concluo minha tarefa e volto para meu quarto. Eu estava podre de suja e precisava de um banho. Depois de limpa, resolvi caminhar um pouco na área onde ficam os cavalos. Eu vi que ficava depois do jardim. Eu não tinha autorização de ir até lá, mas quem cavalgaria durante a noite? Ou quem iria verificar se os cavalos estão dormindo a essa hora?

Não era tão tarde da noite, mas o céu estava bem escuro. A máscara não me ajudava a ter uma boa visão de tudo, mas continuei com a lamparina na mão.

Quando cheguei no estábulo, pendurei a lamparina e me aproximei de onde estavam os cavalos. Eram extremamente lindos e com os pêlos tão bem cuidados. Alisei a cabeça de um cavalo da pelagem negra com branca e ele parecia reagir a mim. Sorrio.

–– Quem é você e o que faz aqui?

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