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Maurício
-Chego aí em vinte minutos. -Nicolas falou.
-Esteja aqui no máximo em dez, Nicolas. -eu avisei com o semblante sério mesmo que ele não pudesse ver do outro lado da linha.
-Eu vou ignorar essa sua atitude porque, primeiro, eu estou indo fazer um favor em plena madrugada e de graça. Segundo, porque Isadora é como uma irmã para mim. -retrucou e logo em seguida desligou a chamada sem se despedir.
Bufei irritado e guardei o celular de volta no bolso. Caminhei de volta para a sala de interrogatório e parei na porta, antes de entrar.
-Assim que Isadora for atendida pelo primo com primeiros socorros, eu irei leva-la embora no mesmo instante. -dei o aviso ao delegado.
Meu pai assentiu em silêncio e me fitou com algo estranho no olhar, que eu não soube identificar. Abri a porta e a vi ainda sentada no mesmo lugar, em uma posição encurvada.
Isadora parecia tão frágil nesse momento, diferentemente de algumas horas atrás, onde ela se mostrou uma mulher forte e independente, que apesar de tudo tinha o brilho da determinação, era obstinada e orgulhosa.
Uma pontada era sentida em meu coração, toda vez que me lembrava que eu não tinha o direito de conhecer essa Isadora diferente, forte. Que eu não fazia mais parte da sua história e não teria um lugar reservado em sua vida no futuro. Era uma droga tudo isso.
-Você ligou para ele? -sua pergunta me tirou do transe e eu voltei a prestar atenção em Isadora.
-Liguei e ele já está vindo. -dei alguns passos até uma cadeira abandonada no canto da sala, próxima a parede de vidro.
-Isadora. -a chamei.
Ela se virou em minha direção e me observou com os olhos mais tristes, que eu já havia visto em todo o tempo em que nos conhecíamos. E aquilo... aquilo acabava comigo. Eu sabia o motivo de sua tristeza, era horrível estar naquela situação miserável.
-Eu... -nesse instante a porta da sala se abriu e Nicolas entrou vestindo calça e casaco moletom escuros e na mão esquerda tinha uma maleta prateada, onde provavelmente continha seu quite de primeiros socorros.
-E aí, Isa? O que temos aqui. -ele se aproximou de sua prima fazendo uma rápida inspeção, conferindo se havia machucados mais sérios ou lesões superficiais sobre a pele agora pálida e suja do seu corpo.
-Valeu, Nic. -ela o agradeceu.
-Em outra situação eu diria relaxa, mas não vou fazer isso agora. -ele disse limpando os ferimentos com um algodão embebido em antisséptico.
-Quer me contar o que aconteceu? -perguntou ainda concentrado na tarefa que realizava.
-Não, eu... -ela começou a dizer. -Eu não estou pronta para falar sobre isso... por enquanto. -disse e desviou o olhar.
-Olha, se fosse qualquer outra pessoa, ficaria bem chateada com a sua recusa e todo esse segredo, quando tudo que está fazendo é ajuda-la. Porém, como não sou qualquer pessoa, irei relevar. Principalmente porque você tem Maurício. -Nicolas comentou sem dar muita importância.
-Você tem sorte. -ele disse olhando dessa vez nos olhos de Isadora.
Nicolas só podia ser muito louco, se considerava aquilo ter sorte.
-Porque esse cara é muito idiota e faz de tudo por você, só falta se jogar no chão para você passar por cima. -ele desdenhou.
Ele estava falando de mim? -pensei incrédulo.
-Nic... -Isadora protestou.
-É a verdade Isa, e todo mundo vê isso. -ele continuou sem se abalar.
-Você está falando de quem, Nicolas? -perguntei porque detestava indiretas.
-De você é óbvio, de quem mais seria? -ele riu como se eu fosse um imbecil.
-Não é bem assim. -rebati.
-É claro que é. E é por isso que eu não me preocupo em deixa-la nesse lugar e a essa hora, seja lá por qual for o motivo. Sei que você vai cuidar dela com sua vida, eu confio em você. Assim como Isadora também. -ele terminou de dar os pontos no corte do antebraço de sua prima e colocou um curativo sobre o local.
-Bom, acho que já terminei por aqui. -ele jogou a gaze suja na lixeira e guardou seu material de volta na maleta.
-Obrigado por ter vindo tão prontamente, Nicolas. E me desculpe por ter sido...
-Humano? Sem problema. É bom saber que Isadora está em boas mãos. -ele me cortou.
-Agora eu vou indo. Precisam de mais coisa? -indagou recolhendo seus pertences.
-Não. Obrigada, Nic. -Isadora deu um beijo no rosto dele.
-Tchau Isa, tchau Maurício. -Nicolas se despediu de nós e logo sumiu pela porta em poucos segundos.
Isadora permaneceu por algum tempo de cabeça baixa fitando o tampo da mesa e quando seu olhar se voltou para mim, ela pareceu indecisa antes de dizer qualquer coisa.
-Você... eu... -ela titubeou, e com apenas um olhar eu entendi.
-Vamos para casa. -eu disse por fim.
***
-Você sabe onde fica o banheiro, fique a vontade. Eu vou arrumar uma roupa para você. -eu avisei abrindo as portas do guarda-roupas e procurando por uma roupa confortável para Isadora vestir.
Acabei por escolher um conjunto moletom de dormir e o deixei sobre a cama. Busquei meu celular no bolso, digitei uma rápida mensagem de texto avisando Kaile sobre o paradeiro de sua irmã, para que sua família não ficasse louca de preocupação com o sumiço da caçulinha.
Mal sabiam eles que tinham todo o motivo do mundo, para ficarem de cabelo em pé com a garota.
Ao terminar de enviar a mensagem, coloco o aparelho no modo silencioso e o deixo sobre o criado mudo. Caminho de volta para a sala onde havia deixado Isadora há segundos atrás.
-Me ouviu, Isadora? -perguntei, mas logo em seguida percebi que ela não estava mais ali.
Ela deveria estar tomando banho. Segui rumo ao banheiro e estava prestes a bater na porta, porém parei com a mão no alto ao ouvir um barulho estranho. Era muito baixinho para que alguém conseguisse escutar, mas eu escutei.
Isadora estava chorando.
Era um som estrangulado, engasgando, como se ela estivesse se sufocando de tanta dor. Certamente eu nunca mais esqueceria esse som da minha memória, era de rasgar o coração.
Acho que doía mais em mim o seu sofrimento, do que nela mesma. Eu preferiria arrancar um braço a vê-la sofrer daquela maneira e não poder fazer nada para amenizar sua dor, acalmar seus medos. Eu me sentia o mais impotente dos homens naquela noite.