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3

Maurício

Droga.

Porque eu sempre tenho que fazer merda na vida? Porque?

Essa noite foi de longe o que eu esperava que fosse. Sei que deveria estar contente com a felicidade da minha melhor amiga, mas um gosto amargo invade meu paladar toda vez que relembro as palavras que ouvi vindas daquela boca.

Confesso que mereço cada segundo de dor e sofrimento, cada palavra que me atingira como golpe, o tratamento frio como as calotas polares, eu merecia tudo isso.... mas nem por isso deixou de doer.

Contudo não devo continuar me lamentando, eu provoquei essa situação em que vivemos, então só me resta aceitar.

Jogo o terno do smoking sobre a cama e me sento retirando os sapatos.

Você perdeu o direito de se importar a muito tempo, Ferraz. -ela dissera uma vez.

E o pior foi constatar a verdade que foi escancarada em minha cara quando ela terminou aquela conversa, a última que tivemos, com a sentença que destruiu-me por completo.

Você partiu meu coração no dia em que me abri para você, no dia em que eu mais precisei. Mas não tem problema não. -ela enxugou com violência uma lágrima que escorria. -Não precisa se preocupar com a garotinha aqui. Sabe por que? Ela não existe mais, e o mais importante, também deixou de te amar nesse exato momento.

Fecho os olhos e me deixo cair sobre o colchão da cama king size. Eu não gostava de me lembrar dessas coisas, fazia tanto tempo.... mais precisamente há dois anos atrás.

Termino de me despir e me jogo debaixo dos lençóis. Não demora muito e logo o sono vem. Em algum momento entre um sonho ou pesadelo, tenho a sensação de ouvir um celular tocando. E cada vez o som ia ficando mais alto até que salto da cama e me deparo com uma luz vindo do travesseiro ao meu lado.

Meu celular.

Franzi o cenho enquanto meus olhos machucados pela luminosidade tentavam focar na parte escrita. Deslizei o dedo pela tela do aparelho atendendo a ligação.

-Alô? Quem tá falando? -perguntei ainda grogue.

A pessoa respondeu e eu imediatamente fiquei alerta.

-Pai? Por que está me ligando a essa hora? São... -conferi no relógio. - três e dezessete da manhã. -resmunguei.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos o que acabou por me deixar mais nervoso.

-O que há, pai? O está acontecendo? É alguma coisa com a mamãe? Vamos, diga de uma vez. -exigi ansioso.

Só que eu não estava pronto para ouvir o que veio a seguir. Ele me conhecia o suficiente para isso, e talvez tenha sido por esse fato que demorou a começar a falar.

Eu sentia meus próprios batimentos cardíacos ecoando até meus ouvidos, enquanto corria pelo quarto em busca de minhas roupas.

Vesti a primeira coisa que encontrei pela frente, jeans, uma camisa simples e jaqueta de couro.

Peguei as chaves do carro sobre o aparador e saí trancando o apartamento.

Provavelmente devo ter quebrado muitas leis de trânsito e no futuro receberia as consequências dos meus atos em formas de multas. Mas eu não me importava com nada disso agora, eu só queria chegar a maldita delegacia de polícia.

Mal havia estacionado e já estava saltando para fora do carro deixando o veículo em uma posição estranha no estacionamento dos funcionários.

Dane-se, todos ali conheciam o filho do delegado .

Ao passar pelas portas de correr de vidro na entrada, ignorei a policial que estava na recepção e segui direto pelo corredor leste abarrotado de policiais excessivamente agitados e falantes.

Estava tão atordoado tentando me lembrar onde ficava as salas de interrogatório que não percebi alguém chamar meu nome pela segunda vez.

-Maurício. -na terceira chamada é que me dei conta.

-Estou com pressa Ted. Outra hora... -continuei a caminhar.

Ele seguiu-me insistente.

-...onde é que fica essa merda mesmo? -murmurei mais para mim do que para alguém em específico.

-Seu pai me mandou. -ele disse. -Venha comigo, ele o aguarda lá embaixo.

Ah, sim. Como eu pude me esquecer? As salas de interrogatório ficavam no sub-um.

O temível andar que me era proibido quando criança ao passar um tempo no trabalho do meu pai.

Descemos de escada sem esperar pelo elevador que estava ocupado, e Ted me deixou depois de indicar a sala.

Entrei sem bater e dei de cara com ele, que mantinha o olhar fixo na parede de vidro que separava os espaços onde normalmente ocorriam os interrogatórios aos suspeitos.

Dei alguns passos apressados e olhei para o mesmo ponto em que ele olhava por sabe-se lá quanto tempo.

Então eu a vi. Ela estava encolhida do outro lado do vidro, seus braços estavam sujos e com alguns arranhões. O vestido que usara na festa e tanto havia ressaltado sua beleza, agora estava imundo e rasgado.

Avancei em direção a porta mas fui parado pela mão do meu pai que se espalmou em meu peito detendo-me.

-O que é? -indaguei transtornado.

-Tenha cuidado com ela, filho. Sei que gosta muito dessa moça, mas ela parece... eu não sei. -suspirou. -Vá com calma, tá bom? Ela mal consegue falar.

Assenti com a cabeça e entrei sendo seguido por ele de longe.

Aproximei de Isadora e seus olhos azuis e expressivos agora vermelhos e opacos, arregalaram-se ao me observar. Me abaixei para ficar na altura de seus olhos e capturei suas mãos prendendo-as entre as minhas.

-Ei, princesa. O que houve? -disse baixinho.

Uma lágrima solitária escorreu por sua face e antes que caísse eu a enxuguei.

-Fala comigo, Isi. Eu estou bem aqui, por você, com você. -passei a mão por seu rosto macio ao que seus olhos se fecharam por alguns segundos antes de abri-los novamente.

-O que faz aqui? E-eu... a gente brigou lá na festa. -disse com a voz quase inaudível e desviou o olhar para a mesa a sua frente.

Virei o rosto em direção ao meu pai que entendendo a deixa saiu logo em seguida.

-Ei. -chamei segurando seu queixo fazendo-a olhar para mim.

-Não há nada nesse mundo que eu não faça por você, pequena. E não importa se estamos brigados ou até mesmo se eu estiver morto, eu ressuscito nem que seja só para livrar essa bunda bonita de uma encrenca. -ela deu um sorriso fraco que não chegou aos olhos.

Quando Isadora levantou o braço esquerdo para retirar minha mão de seu rosto notei um grande corte na parte interior do mesmo.

-Merda, Isi. -resmunguei levantando-me.

Ela me olhou sem entender e eu apontei para o machucado.

Fui até a porta e confrontei com indignação o delegado.

-Por que raios ela não foi levada ao hospital se está machucada? Ela pode pegar alguma infecção com esse corte aberto. -gritei raivoso.

-Maurício.... -ele começou mas eu estava muito irritado para ouvir qualquer coisa.

-QUE TIPO DE TRATAMENTO É ESSE? NÃO PODEM FAZER ISSO NEM COM UM... -trinquei o maxilar e coloquei a mão em punho sobre a boca para não dizer toda a merda que estava entalada em minha garganta.

Ouvi Isadora chamando meu nome e voltei para perto dela mais uma vez.

-Está doendo, querida? Deixe -me olhar isso. -pedi brandamente.

-Eu é que não quis, Maurício. -ela disse enquanto eu examinava o ferimento.

-Não quis o que, Isadora. -perguntei sem prestar muita atenção ao que dizia.

-Que me levassem ao hospital. -levantei os olhos para seu rosto incrédulo.

-Você está louca, garota? Por que faria isso? -questionei ao solta-la.

-É meio óbvio, Maurício. Se eu desse entrada lá, qualquer um me reconheceria e iria... ligar para alguém da minha família.

-E é exatamente isso que você deveria ter feito. Por que não ligou nem para mim? -perguntei ofendido. -Foi preciso o meu pai avisar... -suspirei cansado.

-Você não entende? -exclamou com a voz embargada pelo choro que ameaçava recomeçar.

-Hoje... ontem, foi o dia mais... minha irmã acaba de se casar e você acha que eu seria capaz de destruir o momento mais importante da vida dela com os meus problemas? Eu prefiro morrer de uma infecção qualquer, do que arruinar a felicidade dela.

Jesus Cristo me ajude a não fazer nenhuma besteira. -pensei comigo mesmo.

-Então o que você pretende fazer? -eu disse de uma maneira que deve ter soado mais ríspida do que pretendia, pois Isadora encolheu-se minimamente ao som da minha voz.

-Chame Nicolas, ele vai dar um jeito nisso. Ligue para ele, por favor. -pediu.

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