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2

Isadora

Eu estava tremendo. Minha respiração era dificultada pelo medo e o odor pútrido que predominava o local. Minhas mãos apertavam a barra do meu casaco com tamanha força que os nós dos meus dedos estavam embranquecidos como de um cadáver de muitos dias.

Minha cabeça parecia estar sendo esmagada por um trator enquanto eu concentrava em manter-me em silêncio e escutar o barulho do lado de fora.

-Gāisǐ, jǐngchá dōu láile! (Maldição, a polícia está vindo!) -a mulher gritou algo em sua língua.

Os passos que cada vez mais estavam próximos silenciaram-se por alguns segundos e eu prendi a respiração com angústia.

-Lái ba, huǒjìmen, nàme wǒmen huì fāxiàn rùqīn zhě hé xiāochú. (Vamos embora, rapazes, depois descobriremos o intruso e o eliminaremos.)

Não entendi droga nenhuma do que ela dissera, mas senti um pequeno alivio ao notar que agora os sons estavam distanciando-se rapidamente de mim. Suspirei ao enxugar uma lágrima que escapuliu do olho, sentindo meu peito subir e descer em um ritmo acelerado.

Já não se ouvia mais nenhum ruído na rua deserta, entretanto não tive coragem ou forças para me mover ou sair do meio de todo aquele lixo mal cheiroso.

Pouco tempo depois, não sei ao certo se foram minutos, segundos ou horas, devido ao meu estado de torpor, o som de sirenes atingiu meus tímpanos em cheio como uma bomba, alto, confuso e assustador.

Algo diferente estava acontecendo do lado de fora....

Muitas vozes falavam ao mesmo tempo, roncos de motores de carros e principalmente o barulho de vários rádios de comunicação preenchiam a rua que outrora estava silenciosa e vazia.

Me remexi entre os sacos de lixos, restos de alimentos e alguns objetos pontiagudos, estendendo os braços para em seguida alçar a tampa da caçamba que se abriu com o impulso, resultando em um baque contra a parede.

Botas negras e lustrosas como a noite foram a primeira coisa que vi surgir a minha frente, seguido pelo complemento de um homem uniformizado com farda de policial. Ele segurava a arma em punho na minha direção com o dedo no gatilho.

-Parada, é a polícia! Mãos na cabeça, agora! -ele gritou chamando atenção de outros policiais que se juntaram a ele em posição de alerta.

-Não se mova ou eu atiro. -ordenou ríspido.

Sem muita firmeza dos meus próprios membros, fiz o que ele mandava colocando as mãos na cabeça em sinal de rendição.

-Algemem ela. -disse aos outros dois oficiais que logo obedeceram.

-Não... v-vocês n-não e-entendem. -gaguejei sentindo as lágrimas encharcarem meu rosto.

-Você tem o direito de permanecer calada. Tudo o que disser poderá e será usado contra você. -um deles leu os meus direitos enquanto me guiava até uma das várias viaturas que estavam no local.

Havia muitas pessoas, na verdade policiais ali, e até um rabecão estava estacionado próximo ao meio fio de prontidão.

Uma mulher, também uniformizada, encerrou a conversa pelo rádio da polícia e virou-se em nossa direção quando nos aproximamos.

-O que é isso? -perguntou se referindo a mim.

Ela aparentava estar na casa dos cinquenta anos de idade, mas seus cabelos escuros presos em um rabo de cavalo firme não deixavam a mostra um fio grisalho sequer.

-Encontramos a garota na esquina com a padaria. Estava dentro de uma caçamba de lixo. -respondeu o primeiro homem que havia me encontrado.

-O que estava fazendo na caçamba, garota? Com o vestido que está usando duvido que seja uma sem-teto. -ela disse com a mão sobre a arma que carregava na cintura.

-E-eu.... -minha voz tremulou e eu engoli a saliva sentindo um nó na garganta. -e-estava v-voltando de um c-casa...m-mento e-e.... -não consegui continuar a explicação pois as palavras se embaralhavam em minha mente e eu não tinha capacidade de formar uma frase coerente.

-Coloquem ela na viatura. Na delegacia a gente dá uma prensa nela. -prosseguiu sem se importar com meu estado de pânico.

-Inspetora a suspeita tem ferimentos, devo encaminha-la ao hospital primeiro? -o policial perguntou.

-É grave? -ela quis saber.

-Não, apenas alguns cortes e arranhões.

-Então leve-a direto para a D.P. -deu a ordem.

-Sim, senhora. -ele concordou prontamente.

***

[Algumas horas depois em uma sala de interrogatório]

-Vamos. Quero saber o que uma moça como você estava fazendo em um beco àquela hora da noite, próximo a cena de um crime. Porque eu não consigo entender, como alguém que acaba de sair de um casamento não pega um táxi e vai para casa depois de uma longa noite, ao invés de ir caminhando com saltos altos desse tamanho. Isso não acaba com seus pés? Pois com os meus são sempre assim... -a tal investigadora interrogava-me algum tempo após minha chegada a esse lugar.

-E-eu já disse.

-Isso não faz sentido. Acha mesmo que vou acreditar em uma única palavra sua? Não sou idiota, garota, e é melhor você começar a falar. -ela deu um soco na mesa e eu pulei assustada na cadeira.

Mordi os lábios prendendo o início de um novo choro, o que pareceu a irritar ainda mais.

-Vou perguntar só mais uma vez. Qual é o seu nome?

Pisquei os olhos por alguns segundos tentando conter as lágrimas que se acumulavam na linha d'água dos meus olhos.

-RESPONDA! -ela rugiu nervosa.

-É I-Isadora. -respondi no mesmo momento em que alguém entrou na sala fechando a porta atrás de si.

Ao ouvir minha voz, a mesma pessoa virou-se de imediato e seus olhos castanhos fitaram-me espantados.

-Isadora? -perguntou certificando-se de que eu era pessoa que achava que era.

-Sim, sou eu.

-Desculpe, delegado. Estava apenas conversando com a garota. A suspeita foi achada próxima ao local do crime, onde Laminsk morreu essa madrugada. -a investigadora disse.

-Você está horrível, filha. O que houve com você? -perguntou preocupado ignorando totalmente o que a outra acabara de lhe dizer.

Ele ainda estava de roupa social, provavelmente deve ter saído direto do casamento para a delegacia. Ele era sempre assim, quando se tratava de casos de grande importância no trabalho.

Alexandre Ferraz olhava-me com compaixão no olhar, e aquilo me deu ainda mais vontade de chorar.

-E-eu... estava voltando da festa, senhor Alexandre. Eu... eu resolvi ir a pé para casa, não queria atrapalhar ninguém, todo mundo estava curtindo, eu estava cansada e só... -funguei. -só queria chegar em casa. Mas então tudo a-aconteceu rápido demais e eu fiquei... fiquei com tanto medo de morrer. -fechei os olhos com as lembranças.

-Tire as algemas dela agora, inspetora! -ele ordenou e ela obedeceu relutante. -Saia, eu quero falar a sós com ela.

Sem emitir um único protesto, a mulher se encaminhou para a porta e instantes depois havia sumido das nossas vistas.

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