VII - A noite - Parte 2
—É incrível – sussurrou Louise ainda de olhos fechados – Posso ouvir tanta coisa, tantos sons. É como se pudesse ouvir as músicas de dentro do clube sem precisar entrar. Posso ouvir as pessoas falando ao longe e entender o que muitas delas conversam. O som dos motores e das buzinas dos carros me incomoda, posso ouvir até mesmo suas freadas. Isso tudo é incrível, é tão… diferente, não tem como imaginar algo assim, apenas sonhar…
O garoto esboçou um sorriso e piscou. Não usava óculos agora, provavelmente estava com lentes de contato. Em seguida o mesmo olhou para o prédio do outro lado da rua.
—Um clube de Hip Hop. Eu não adivinharia – disse ele.
—Você disse que eu poderia escolher onde irmos. Pois bem, eu sempre quis vir aqui, mas a entrada é cara e não entra qualquer um, mas você está pagando, não é? – respondeu Louise balançando a cabeça e os ombros ao ritmo da música.
—Dinheiro não é problema – respondeu o acompanhante da mulata – E creio que você não tenha problemas para entrar, espero que não decidam que eu não sou o tipo.
Não fora preciso que ele dissesse mais para que a mulher entendesse. Em frente à casa noturna a maioria das pessoas que entravam e saíam ou ficavam em frente esperando por uma chance de entrar eram negros. Havia alguns poucos brancos, mas claramente eram latinos. Parecia haver membros de gangues pelas tatuagens, outros pareciam cafetões e prostitutas, mas não havia nenhum com cara de japonês.
—Não se preocupe. Eu posso te ensinar uma ou duas coisas sobre a noite também – disse ela agora sorrindo mais do que antes – Eles entendem dois idiomas, o primeiro se chama dólar e o segundo respeito. Se ficar nessa linha dá até para fazer alguns amigos.
Ken olhou para ela diretamente nos olhos. Só agora Louise se dera conta que com os saltos das botas que usava eles tinham a mesma altura. O mesmo lhe sorriu de volta.
—Certo, acho que, enfim, podemos aprender coisas um com o outro. Não se assuste com o que eu vou lhe dizer agora, ok? Observe bem no canto esquerdo do clube, no prédio ao lado, logo após a esquina. Não encare – disse ressaltando as palavras – Memorize a pichação tribal em vermelho na parede.
Louise fizera o que ele pedira, parecia uma letra em japonês, chinês, coreano ou alguma coisa nesse estilo, ela não entendia bem aquilo. Havia um grupo de seis pessoas próximos, mas não notaram seus olhares. Vestiam jaquetas de couro pretas, tinham tatuagens nos braços expostos e a julgar pelas motos estacionadas bem perto eram membros de alguma gangue.
—Certo, memorizada. Espero não me esquecer. São o símbolo daquela gangue? Acredito que deva ter mais membros que só aqueles, estou certa?
Quando virara para o lado o rapaz estava com o corpo colado ao dela, tão próximos que pareciam íntimos. Podia sentir o hálito quente do mesmo em meio ao ar frio da noite. Sentia seu coração pulsar como se fosse sair pela boca.
—Aquele símbolo é de uma gangue de lobisomens. Aqueles sujeitos com certeza fazem parte de uma alcateia. Esse é um território de lobisomens. Acredito que o clube seja neutro, mas aqui fora é domínio deles. Não precisa se preocupar, não mexa com eles e eles não mexem com você, mas com certeza já nos notaram desde a hora que chegamos aqui.
A mulher sentiu um calafrio lhe subir pela espinha e teve vontade de abraçar o rapaz. Como assim lobisomens? Ele estava se referindo à lobisomens do tipo criaturas enormes, peludas, com presas afiadas, músculos e cabeças de lobo?
—Lobisomens existem? – perguntou tentando não arregalar os olhos tanto quanto pensava que estivesse fazendo.
—Jura que vai fazer essa pergunta todas as vezes? Vampiros existem, certo? Por que o resto seria fantasia? Não se preocupe. Há uma lei antiga, vampiros e lobisomens coexistem e não lutam entre si. Ambos precisam do território humano e uma guerra entre ambos apenas iria expor suas naturezas e lhes tirar o que é mais valioso, territórios. Entretanto, há lugares onde eles são maioria e lugares onde vampiros são mais influentes. Esse é um território deles, mas somos livres para andar se não nos metermos em seus negócios.
—É fácil para você dizer, você não é um vampiro. Como eles sabem que sou uma vampira agora? Está assim estampado na minha cara? – perguntou tentando manter a calma.
—Não exatamente. Não tem como eles saberem há quanto tempo foi transformada, apenas que é uma vampira. Eles têm audição desenvolvida, assim como a sua. É provável que algum tenha percebido seus batimentos fracos e como os meus são normais podem pensar que eu sou um serviçal. Em palavras simples, eles devem achar que eu sou um brinquedinho seu, entende? E mesmo que nenhum tenha passado perto o suficiente para atentar-se aos nossos batimentos, eles têm o olfato muito melhor que qualquer criatura da noite. Identificariam você pelo cheiro natural do seu corpo a dezenas de metros.
—Legal, eu estou fedendo a vampiro – disse a mulher com descaso – Não seria nada mal se tivesse me contado tudo isso antes de sairmos.
Ken olhou para baixo e suspirou. Então voltou a encarar a mulata, ainda de perto.
—Você não está fedendo a nada. Para qualquer pessoa você tem o mesmo cheiro de uma mulher humana. E em especial eu adoro o perfume que escolheu para essa noite – comentou aproximando-se mais para sentir a fragrância do perfume no pescoço da mulher. Louise sentira o nariz do rapaz lhe tocar a pele e se arrepiara. Além disso, ouvir os batimentos do mesmo tão próximo era estranho, fazia com que ela sentisse vontade de agarrá-lo e mordê-lo. O mesmo continuara – Apenas fique calma. Eu lhe disse, a noite não é mais como você conhecia. Há muito o que aprender, mas se manter a calma e se concentrar, lhe prometo que ensinarei tudo que sei.
Me sentir segura? É claro que não me sinto.
Lobisomens!
Lobisomens existem!