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V - Outras faces da natureza - Parte 2

—Eu diria que o efeito é mais psicológico que físico. Assim como outras substâncias seu organismo o elimina rapidamente. Seria necessário muito mais que doses como essa para lhe deixar embriagada. Apenas para constar, há bebidas nunca imaginadas por humanos capazes de deixar um vampiro embriagado, então não se aflija, aprenderá sobre isso com o tempo.

Louise sentia-se faminta. Talvez as palavras do rapaz a tivessem afetado, mas agora lhe parecia que aquela refeição não a satisfazia. Mesmo assim ela se dizia que era apenas seu psicológico tocado pelas novas ideias. Seria mesmo uma vampira? Não fazia sentido. Mas quem perderia todo aquele tempo lhe pregando uma peça daquelas?

—Você sentiu as mudanças em seus sentidos depois que veio para o jantar? – perguntou o rapaz, entre uma garfada e outra sem nem mesmo olhar para a mulher.

—O quê? – a pergunta inusitada a fizera pensar. Do que ele estava falando? – Não entendi o que quer dizer.

—Depois que veio para cá e comeu seus sentidos se ampliaram. Você conseguiu ouvir os meus batimentos cardíacos, não foi? – explicou – Isso porque quando você ingere qualquer soma de sangue seu metabolismo acelera. Não apenas sua audição, mas a visão, olfato, força. Nunca se esqueça disso, seu novo metabolismo lhe confere habilidades muito superiores à dos seres humanos, mas da mesma forma você consome essa energia muito mais rápido também.

—Não precisa ser sangue humano?

—Qualquer tipo de sangue, no entanto, o sangue humano é muito mais poderoso. Nenhum vampiro consegue viver apenas do sangue de animais. Aqueles que vivem exclusivamente de sangue humano são muito mais fortes e nesse mundo, força é a sua maior arma.

—Entendo, quer dizer, em algum momento é necessário matar alguém… Não é possível apenas roubarmos o sangue de algum banco de doação ou usarmos de influência para comandar alguns desses bancos como nos filmes? – Louise sentia que precisava entender tudo.

—Sim, é possível. De fato, muitos vampiros mantém o controle de bancos de sangue, além de terem acesso à laboratórios e outras atividades clandestinas. Mas é preciso que entenda uma coisa antes que seja tarde, você agora pertence à uma classe privilegiada de predadores. Não se iluda, nem se engane, vampiros são predadores, são assassinos frios em meio à uma vasta selva de outros assassinos iguais. E não pense que essa é uma exclusividade da sua nova natureza, seres humanos são semelhantes, eles apenas não têm todas as habilidades que você possui. Mas eles sabem como ferir a sua espécie e não medem esforços para isso.

Era estranho ver aquele garoto diante de si falando com ela usando expressões como “sua espécie”. Ela se sentia uma aberração, um monstro. Era impossível não pensar que em algum momento perderia o controle e iria assassinar alguém. Além disso, as palavras de Ken eram fortes, ele era objetivo.

Aquele era um mundo de predadores e ela só tinha duas opções, estar entre os que caçam ou entre os que são caçados.

A verdade é que ela não havia pedido por aquilo. Havia? Suas memórias ainda eram como borrões e seu cérebro ficava como algodão molhado quando pensava nisso. Não conseguia se lembrar o que havia acontecido antes dali. Sabia que as respostas para aquelas perguntas só seriam obtidas com uma pessoa: Stanley. Onde ele estaria e quando voltaria? O pior de tudo era o fato de ser uma prisioneira naquele lugar e seu carcereiro ser um garoto que provavelmente tinha menos da metade de sua idade.

—Quando falarei com Stanley novamente? – indagou ela calmamente enquanto limpava os lábios com um guardanapo branco – Preciso ser sincera, estou enlouquecendo com a ideia de ficar presa aqui por muito tempo. Sei que, considerando tudo que disse, não vai me permitir sair, mas preciso falar com ele. Preciso pensar no que fazer com minha vida agora.

O rapaz apanhou também um guardanapo e limpou a boca, então a encarou.

—Sobre sua vida, há algo que devo lhe dizer. Pensei que já lhe fosse óbvio, mas talvez não tenha compreendido bem. Você morreu em sua antiga vida. Seu trabalho, amigos, família, nada disso faz mais parte do seu presente agora. Se os procurar estará condenando-os à morte.

Louise havia cogitado esse cenário em sua mente, mas recusava-se a crer que aquilo fosse acontecer daquela forma. Agora, ouvindo dos lábios do rapaz, fora como uma facada profunda em seu coração. Daquele momento em diante não faria diferença se ela se lembrasse ou não de seu passado, o que já havia vivido era como um livro de folhas rasgadas naquele momento.

—Porém, irá anoitecer em poucas horas. Se desejar, o Mestre me disse que poderia lhe levar para sair. Posso lhe mostrar algumas curiosidades e você poderá entender um pouco mais da nova realidade em que vive.

—Pode me levar para sair? Como se eu fosse um cachorro? – retrucou a mulher torcendo os lábios, claramente ofendida.

—Claro que não. Não leve pelo lado pessoal – respondeu Ken – Apenas pense que muitas coisas agora estarão diferentes. E eu não me importaria em lhe mostrar essas coisas, contudo, preciso me certificar que estará de volta antes de amanhecer e por isso, devo acompanhá-la todo o tempo. Você pode aceitar ou escolher ficar aqui.

—Quais as chances de eu escapar de você aqui dentro ou fora daqui? – indagou ela.

—Eu não recomendaria que tentasse…

Não foi preciso que ele continuasse. Louise concordara com a cabeça. Já que não tinha escolhas – dissera ela – era melhor sair com ele que ficar ali presa. Precisava “respirar” um pouco de ar fresco, se é que ainda podia fazer isso – acrescentou com deboche. Tomara mais quatro taças do vinho apenas degustando, uma vez que entendia que daquele momento em diante não ficaria mais bêbada. Era irônico pensar que até mesmo sua fuga no álcool havia sido retirada de seus prazeres. Quais outros prazeres teria agora?

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