IV - Outras faces da natureza - Parte 1
A Seleção Natural é um dos mecanismos básicos da evolução, junto com a mutação, migração e deriva genética. A grande ideia de Darwin sobre a evolução por seleção natural é relativamente simples, porém frequentemente mal compreendida.
Quem poderia compreender melhor esse sistema que aqueles cuja evolução os permite fazer coisas que os humanos apenas podem sonhar?
Louise colocara os talheres cuidadosamente dispostos dos lados do prato e encaixara os dedos das duas mãos cruzando todos ao mesmo tempo. Ficara em silêncio observando o rapaz não muito distante. Milhões de imagens passavam em sua mente.
—Você está falando sério, não é? – comentou a mulata com uma pergunta após alguns segundos. O garoto não respondeu, era preciso deixá-la processar, absorver a informação – Por isso me alertou sobre a luz do sol e as janelas. Eu pensei que estivesse apenas tirando uma com a minha cara, mas agora parece diferente, não me parece que esteja apenas debochando…
Os dois ficaram em silêncio. Agora a mulher tentava entender as coisas de outra perspectiva e sentia a insegurança de não entender nem um por cento do que estava acontecendo. Ken não dava indícios de que diria alguma coisa se ela não perguntasse. Em sua mente a mulher pensava se não deveria se levantar daquela mesa e sair correndo.
—Essa sua calma me assusta – continuou ela, uma vez que ele não se pronunciara – Você está preparado para me conter se eu surtar, não é verdade? – perguntou.
O sujeito por fim esboçou outro sorriso nos lábios.
—Como eu já presumia, você é uma mulher inteligente. O Mestre Silverglade não se atrairia por qualquer tipo de humana. Aliás, nunca imaginei que alguma humana o fosse agradar. Mas lhe respondendo objetivamente à pergunta, digamos que em alguns anos você seria capaz de me subjugar sem qualquer esforço, porém, nesse momento, não seria complicado “acalmá-la”.
E com acalmá-la o garoto queria dizer nocauteá-la – pensou a mulher. Ao menos agora a conversa entre eles estava fluindo melhor.
—Mas… é tão estranho – começou a comentar ela – Vampiros como os conhecemos nas histórias se alimentam de sangue e bem, me parece que você ou alguém preparou uma refeição normal. Não vou fingir que estou entendendo ou acreditando em tudo, estou muito confusa.
Ken aproximou-se e puxando uma das grandes cadeiras – que por sinal pareciam ser muito pesadas – como se esta não pesasse nada, sentou-se à mesa, agora a menos de um metro da convidada. Erguendo a tampa de alumínio de uma bandeja no centro, revelara ali outros bifes como o que fora servido à mulher. O cheiro enchera o ar e ela se deliciara de prazer. O rapaz então apanhou um garfo e uma faca e serviu a si mesmo. Logo em seguida cortou um pequeno pedaço e experimentou.
—Devo dizer que Leon está se superando no tempero – comentou – Tenho de admitir que carnes malpassadas nem sempre saem tão bem assim. Presumi que agradaria seu paladar.
Louise concordara com um aceno de cabeça e provara outro pedaço. Ficara em silêncio por alguns segundos esperando uma explicação mais detalhada, mas o rapaz parecia ter se entretido em comer e esquecido de sua presença ali, embora ela duvidasse que ele fosse desatento.
—Então, falando sobre paladares e alimentação, supondo que sou uma… vampira, como disse, posso me alimentar de outras coisas também? – a palavra vampira ainda não soava bem em seus ouvidos, menos ainda quando ditas por ela mesma.
—Não exatamente. Obviamente parte das crendices está correta. Vampiros precisam de sangue para viver. A carne malpassada que Leon prepara vem de um matadouro do próprio Mestre e vamos dizer que está mais para seu gosto que qualquer outra. Você pode comer o que desejar, mas nenhum alimento contém nutrientes que satisfaçam seu novo metabolismo. Vamos dizer que seu metabolismo agora seja muito mais acelerado que o nosso e, portanto, você elimine quaisquer proteínas tão logo as adquira – explicou o rapaz.
—Você disse que essa carne está mais para meu gosto… você não quer dizer que isso é…
A mulher continha as palavras. Ken não entendera a princípio, mas logo ficara claro.
—Carne humana? Não, claro que não! – ele riu. Parecia estar se divertindo com todas as dúvidas da hóspede – Vampiros são apenas faces da natureza, alguns são bárbaros, outros não, como acontece com os seres humanos também. Esse bife é fígado bovino. O Mestre tem um matadouro onde cria animais para os humanos que conhece e trabalham para ele.
—Sim, então outros humanos além de você sabem da natureza de Stanley?
—Não, a grande maioria só conhece o empresário, o boêmio Johan Silverglade. Digamos que eu seja como um filho, um caso muito particular que você entenderá em breve, quando for a hora para isso. Aproveitando sobre o que falamos de alimentos e sangue, permita-me explicar como certas coisas funcionam. Sangue de animais pode lhe alimentar, um bife como esse é nada mais que um aperitivo. Você pode beber sangue de animais para não definhar, mas querendo ou não o sangue humano é necessário para se fortalecer.
Louise engoliu outro pedaço da carne e fez uma careta.
—Isso parece nojento.
—Há sangue na carne que está comendo e não acha nojento apenas porque o animal que tinha esse sangue não sabia falar ou pensar como os seres humanos. Você entenderá com o tempo que acabou de entrar para um novo mundo onde tudo é como uma selva de predadores e presas – explicou o rapaz – Caçar é inevitável nesse mundo. Matar também é inevitável. Assim como no mundo humano, no mundo das sombras há diversas leis, porém, as leis desse lado são assinadas com sangue e respeitadas ou igualmente pagas com sangue. E não falo do sangue de simples animais.
—Acho que entendi. O álcool ainda tem efeito? – perguntou ela provando o vinho na taça.