♥ quatro ♥
HELENA
Despedir de Diogo foi difícil, estar com ele me fazia lembrar de nossa temporada longe de nossos pais, consequentemente de nossas interações, apesar de todos os seus trejeitos irritantes, ele era alguém fácil de conviver, podia ser tão sério quanto nosso pai, mas motivacional como nossa mãe, e compartilhava o senso de humor torto como o meu, nos dávamos bem. Ele perguntou se eu pretendia voltar para a faculdade, eu me limitei a um “não sei”, perguntas novas surgiram sobre isso, me esquivei, ainda precisando ter uma reunião comigo mesma para saber de meus próximos passos.
Era fato que a faculdade de letras e talvez uma pós em Escrita e Criação eram um sonho meu, assim como poder lançar uma das minhas inúmeras histórias no mercado editorial, mas tudo havia virado de cabeça para baixo, e agora esse tudo voltando aos eixos, eu sentia que deveria avaliar alguns aspectos, principalmente agora tendo o conhecimento das finanças da fazenda, já bastava um filho distante, e mais… eu tinha uma dívida a pagar com meus pais, não poderia jogar todas as obviedades para o ar.
O caminho de volta para a fazenda foi mais agradável do que a ida, até mesmo deixamos que uma música tocasse no rádio do carro. Eu não queria destruir o clima agradável, mas sentia que esse era o meu momento de abordar o assunto que mesmo vez e outra fugindo de minha mente, eventualmente voltava.
— Por que papai está tão relutante em vender uma parte das nossas terras, mesmo que signifique salvá-la? — Questionei, apesar de ter conhecimento das razões de meu pai, eu precisava iniciar essa conversa em um terreno mais neutro, e seria citar algo que ouvi, não que o advogado compartilhou comigo.
— Helena… — O tom de voz de minha mãe soou em repreensão, sua mão apertou um pouco mais o volante.
— Apesar de eu ainda não me sentir uma adulta por completo, não sou mais criança mãe. —Alertei, ela suspirou.
— Eu sei, querida, só… tente focar naquilo que você pode fazer algo a respeito. Os negócios de seu pai está fora de sua alçada.
— Não é negócio dele, mãe, é da família…
— Você me entendeu, Helena, então…
— Mãe… — Massageei minha testa, ela suspirou — Sei que todo o negócio é… quase um bicho de sete cabeças para nós, mas, realmente quer que papai tenha tamanha preocupação se recuperando de um mini infarto? — Pergunto em um tom dramático, odeio chantagem emocional, mas preciso ajudar de alguma forma, assim, tenho que encontrar uma maneira de fazê-la abrir-se comigo.
— Céus, mas o que podemos fazer, Lena? — Afastou as mãos do volante por um segundo, arregalei os olhos, segurei o mesmo.
— Mãe! — A repreendi quando o carro deu uma leve tremida.
— Desculpa, só… — Suspirou, franzi os lábios — Estou cansada, querida, são tantas coisas em curto período… — Segredou, e embora meu peito tenha ardido em culpa, me senti vitoriosa, pois, ela começou a falar.
— Encontrarei algo, mamãe, se papai está inflexível com a ideia de vender, acharei novos caminhos. — Garanto, ela me olha com pouca expectativa, mas não me desestimula.
— Apenas… não confronte seu pai. — Pede, eu lhe garanto que não o farei, não até ter um plano viável.
♥♥♥
Os próximos dias que sucederam minha ida a São Paulo com minha mãe foram baseados em suposições, em “e se’s” que poderia tirar minha família do negativo financeiro, mas eu sinceramente por mais que tentasse “entrar na alma do negócio”, tudo parecia desconhecido demais para supor uma maneira de salvá-lo.
— Talvez devesse pedir ajuda para o seu irmão… — Celina aconselhou através do telefonema que estávamos envoltas. Ela era minha única amiga que não havia mudado de cidade para fazer faculdade, não era porque não desejava o fazer, ou pelo simples fato de odiar a vida rural como muitos conhecidos nossos do ensino médio, mas o curso que ela queria, só uma bolsa integral, poderia arcar com os custos, suspirei.
— Fora de cogitação, mamãe quer mantê-lo focado na faculdade, é seu último ano. — Informo, mesmo que saiba que ela já tenha conhecimento, já que desde sempre teve uma queda por ele.
— Mas não se trata de apenas um probleminha, Le, vocês podem perder tudo… — Diz o óbvio, reviro os olhos.
— Pense comigo, querida, o que ele poderia fazer aqui? — Questionei, ela arfou.
— Ele não está fazendo Engenharia Agronômica?
— Sim, mas amiga, seu curso não pode mudar nossa situação, exceto se tenha um dinheiro escondido, um bom dinheiro! — Arfo cansada dos becos sem saídas, a linha torna-se silenciosa por alguns segundos, até minha amiga afobar-se outra vez.
— Já sei! — Gritou, fazendo-me afastar o telefone da orelha abruptamente.
— Cel! — Repreendi ouvindo meus ouvidos zumbir, ela deu uma risadinha meiga.
— Desculpa! Mas pensei, e se pedisse um empréstimo com algum fazendeiro vizinho? — Propôs, por um segundo ponderei, até negar por fim.
— Acredito que já tenham pensado nisso, e sei que papai provavelmente declinou. É orgulhoso, da mesma forma que vender parte da fazenda corte um membro seu, pedir ajuda a um conhecido é como socar várias vezes o seu ego. — Comento, papai não era o tipo de homem machista, longe disso, muito mesmo… mas por vezes ele agia que precisasse lutar contra o mundo sozinho, mesmo tendo pessoas para unir-se a ele, mesmo que significasse uma derrota… não poderia julgar, por vezes, herdei alguns de seus traços.
— O amiga, meu cérebro está atrofiando já! — Resmungou frustrada, não a recriminei, compartilhava o mesmo sentimento — Tente encontrar uma forma que seja… aceitável para ele.
— Mesmo que encontre, nossa fazenda é maior que a maioria da redondeza, Cel…
— É grande, mas tem uma maior, Le. — Me corta, franzo o cenho ponderando, e ela tem razão. Alpes Garcia na verdade é a segundo maior fazenda de Recanto, possuindo uma extensão ampla de plantação de soja, uma pequena plantação de uvas e espaços para produção de vinhos, licores e até mesmo vinagre, tínhamos muito potencial, mas havia outra fazenda que nos sobrepunha… a Sol Nascente.
— Nem ouse cogitar… — Alerto, ela bufa.
— Por quê? Céus, se há uma fazenda que poderia emprestar essa grana para vocês seria ela. — Minha amiga tinha razão, Sol Nascente era referência de exportação de gado e trigo do estado até mesmo fora dele, no entanto, seu atual administrador não era a pessoa mais amigável, embora estivesse sempre para cima e para baixo, ele não era como os outros fazendeiros…
— Não finja que não saiba, todos de Recanto sabe, até mesmo as crianças! — Bufo, e posso jurar que Celina revira os olhos.
— Pouco importa o quão mal-humorado, antissocial e misterioso seja o gostosão tenebroso, ele pode ajudar! — Eu ri com o apelido distorcido, controverso dela para com o nosso vizinho, ela criava apelidos para todos a sua volta, mas julgo que o menos favorecido era o dono da Sol Nascente.
— Me diga, por que ele o faria? Estamos praticamente pedindo que alguém seja um bom samaritano, sem muito a oferecer, mas muito a pedir… — Questiono, ela blasfema do outro lado da linha.
— Meu bem, já lhe dei o bolo, arranje uma cereja para completá-lo! — Resmungou em um tom zombeteiro, sorri, mesmo achando sua ideia inviável, agradecida por poder contar com ela, eu sempre poderia, assim como ela poderia contar comigo.