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Capítulo 9

— Sou muito desajeitado — justifico-me enquanto o médico desinfeta meu ferimento e dá pontos.

Já costurei tantas vezes que quase me habituei a tê-los e à sensação de ser uma camisola de lã numa alfaiataria.

“A perna também”, diz o traseiro dolorido ao médico e me olha atentamente.

— Eu disse a ele que sou desajeitado — continuo me justificando.

“Tem vidro”, ressalta o médico, sem dar importância às minhas palavras.

— Sim, mas fiquei com uma placa presa na perna. Ah, e antes que você pergunte: sim, tomei a vacina antitetânica. Esses acidentes acontecem com frequência e é natural, com quem nunca aconteceu isso? -

Connor balança a cabeça como se fosse um caso perdido e conversa com a enfermeira para lhe dar uma desculpa plausível.

- Perfeito! Você terá que voltar... —

— Dentro de três semanas para verificar a ferida e retirar os pontos. Eu sei. — Interrompo-o vestindo novamente o moletom e observando a expressão de surpresa do médico.

— Assine aqui, enviaremos um número de contato para sua família — murmura a secretária, trocando olhares com o colega.

- Me leve pra casa! — ordenei, olhando para o curativo em seu braço e abaixando a manga do moletom.

"Não sou seu motorista de táxi, fiz isso porque sou amigo do seu primo", ele aponta com uma piscadela e eu balanço a cabeça.

- Ainda? —pergunto, só mais tarde me lembrando do inesperado ocorrido hoje no supermercado.

— Sim, aliás todos temos que nos encontrar hoje na casa do Axel, você está me fazendo perder tempo —

"Eu não pedi para você me ajudar." Eu bufo, esperando que ele não repita seu nome novamente.

— Vou me justificar para ele e para o resto do grupo explicando o que aconteceu — ele finalmente responde, me fazendo hiperventilar.

- Que? Não, absolutamente não. Você inventará outra desculpa e não dirá nada. -

—Se você for para a mesma escola que Tyler então você vai nos encontrar todos os dias—ele finaliza o discurso, me fazendo entender que nada mudaria.

Eu sei que ele disse essas palavras de propósito.

Ele sabe. Ele sabe que abandonei seu melhor amigo sem lhe contar nada, sem me despedir ou deixar-lhe uma única carta.

Ele sabe.

Posso sentir isso em seu olhar duro e em sua voz irritante.

A viagem transcorre em silêncio absoluto e não faço nada além de rezar para sair do carro o mais rápido possível.

"Vou ter que dizer a Jason para pegar o que sobrou do carro dele", penso em voz alta quando estou a caminho de casa.

— Espere... aquele era o carro do Jason? Seu tio Jason? - Connor me pergunta surpreso.

— Você achou que era meu? Eu nunca me permitiria destruir minha garotinha. - digo imediatamente olhando para ele como se ele tivesse acabado de xingar.

—Desculpe, Tigre—

— Com todos os apelidos que tenho vou acabar esquecendo meu nome —

Coloquei o moletom de Connor e pendurei minha mochila no ombro, pronta para sair de casa.

“Bom dia, querido”, tia Christine me cumprimenta, tomando um gole de café, vestida com um roupão de seda que deve ter custado uma fortuna.

"Bom dia", murmuro, nem um pouco de bom humor.

Axel voltou ontem à noite e passei a noite inteira chafurdando em desespero.

É incrível o quanto essa notícia me incomoda, afinal é normal eu morar aqui.

Saí, então já sabia o risco que correria ao voltar para este lugar.

—Tyler? —Pergunto, sentando à mesa com ela e Polly só para perder tempo.

— Ontem à noite ele foi com um amigo dele. Axel, não sei se você se lembra... bem, você deveria. “Ela dormiu em casa de qualquer maneira”, minha tia responde, bebendo mais um pouco de café para escapar do meu olhar.

Ela também sabe disso.

Ele deve ter entendido alguma coisa, ele me conhece muito bem.

Mais do que tudo ele conhece a nossa família, somos todos mais ou menos do mesmo grupo.

—Seu tio, por outro lado, está procurando desesperadamente pelo carro desde ontem à noite. Você sabe algo sobre isso? Ele voltou bem tarde”, observa minha tia, olhando furtivamente para mim.

Dou de ombros com um sorriso travesso e ela balança a cabeça repetidamente.

"Carmen..." ela começa, mas eu a interrompo imediatamente.

- Tenho que ir à escola -

Levanto-me da mesa e vou em direção à porta da frente ouvindo seus passos atrás de mim.

— Você será capaz de perdoá-lo um dia por não estar ao seu lado? — ele me pergunta, segurando seu pequeno copo nas mãos.

- Você sabe a resposta. Você conhece meu pai, você conhece minha mãe, sua irmã. — Sussurro as últimas palavras, vendo sua expressão se quebrar — Então você sabe a resposta — continuo, abrindo a porta da frente e batendo-a atrás de mim.

Desço a avenida e abro a porta da villa que dá para a estrada principal.

— Quer que eu te leve, senhorita? —George me pergunta com um sorriso amigável.

“Só se você prometer me chamar pelo meu nome e se dirigir a mim informalmente”, digo brincando, estendendo a mão.

“Hum, ok,” ele suspira, sacudindo-o e eu sento no assento ao lado dele.

- O que você está fazendo aqui, Signo? Quero dizer, o que você está fazendo aqui, Carmen? Você não vai atrás? -

— Não, estou aqui, não quero mais ficar sozinho comigo aqui, é muito estressante. Por pelo menos dez minutos quero me desconectar. — respondo, deixando-o sem palavras.

George assente, fecha a porta da limusine em que entrei e se senta no banco ao meu lado.

- Tudo está bem? — ele me pergunta, enquanto o motor ganha vida.

— Hum, pergunta alternativa? Você sabe como é. — Dou de ombros e olho pela janela para a cidade que um dia chamei de lar, mas que agora considero apenas uma linda e distante lembrança.

Uma linda lembrança transformada em um lugar onde tudo foi destruído. Toda a minha vida desmoronou aqui.

— Pelo que vale, eu sei como é a sua família, os conheço toda a minha vida e conheço você também. Você sempre foi forte, Carmem. Os acontecimentos mudaram você, mas você sempre foi: seletivo, forte, corajoso, independente e sempre com resposta pronta. Mas você perdeu a felicidade que já teve, a despreocupação, o sorriso nos lábios para tudo, o perdão...— ele diz, me surpreendendo muito.

Não falo durante o resto da viagem pensando nas palavras dele.

George não é apenas o motorista da família, ele também é um amigo e sabe disso. Ele sabe tudo ou pelo menos a maioria das coisas.

“Você também vai superar isso”, ele me diz antes de parar na frente da escola.

— É mais uma cicatriz no meu coração, na minha pele e na minha alma — respondo, recuperando o uso das palavras e recebendo dele um olhar completamente neutro.

Saio da limusine, fecho um pouco a porta e passo por todos os olhares curiosos dos alunos.

—O que você nunca viu sobre os filhos do papai? —Pergunto a alguns nerds espumantes.

Por favor, não, que horrível.

Ando entre aquelas pessoas e sinto um leve toque em meu ombro.

Viro-me para ver quem é a fonte e encontro o cabelo loiro de Summer na minha frente.

— Olá — cumprimento-a um pouco sem jeito e ela responde com um gesto de mão.

—Posso ir para a escola com você? -

“Sim, claro”, respondo, um pouco atordoado com essas palavras tímidas.

—Quem você tem no primeiro período? —Pergunto a ela, caminhando em direção ao meu armário com ela no colo.

“Física”, ele responde, verificando a hora no telefone e indo até a caixa numerada ao lado da minha.

"Eu também, e estou na segunda série de ciências e depois de educação física", digo, fechando o armário com força e fazendo várias pessoas se virarem.

— No meu terceiro ano, em vez disso, tenho inglês. Olha, temos horários muito parecidos – ele me aponta, colocando seu celular ao lado da minha agenda pendurada no armário.

"Na verdade, nas últimas duas horas antes do almoço nós dois temos duas horas de matemática, é uma tortura", ele ressalta com uma bufada e eu bati a cabeça no armário.

— Vamos, a primeira aula é no segundo andar — ele me ordena, fechando também o armário e colocando a mochila no ombro.

“O cara da física me irrita, ele não me suporta”, ele me diz depois de passarmos os dois lances de escada.

Digitamos o número da turma e sentamos no último banco do fundo da sala, perto da janela.

—Por que eles estão olhando para você desse jeito? —Pergunto a Summer, notando os olhares que as vadias lançam para ela ao passarem.

“Eles me odeiam e inventam histórias sobre mim todos os dias”, ele suspira, desabando sobre a mesa.

Evito a pergunta que surge espontaneamente após sua declaração e bato o lápis na mesa pelo resto da hora, conseguindo até fazer algumas anotações.

Geralmente não consigo porque sempre me perco pensando.

— Da próxima vez você terá que fazer os exercícios do capítulo e se preparar para a prova oral — anuncia a professora, olhando para Sum e provocando um mau humor geral.

Summer e eu nos levantamos e saímos para o corredor e entramos na próxima sala de aula, ainda localizada no mesmo andar.

"Professor Williams está desaparecido, temos uma hora perdida", anuncia uma garota com longos cabelos azuis e eu suspiro de alívio.

—Você me acompanhará para procurar alguém? —Pergunto imediatamente a Summer que sorri feito uma idiota com a notícia que acabou de dar.

— Sim, claro — ela murmura um pouco confusa e me segue para fora da sala de aula.

—Você conhece Connor?

Hastings? —Pergunto a ele, descendo as escadas de dois em dois, arriscando quebrar meu sacro e olhando com alegria para o corredor vazio.

— Sim, ele é amigo do meu primo e joga no time de futebol, por quê? —ele me pergunta com uma nota discordante no rosto.

— Tenho que ir com ele, você sabe onde ele pode estar? —Pergunto a ele, guardando minha mochila no armário.

— Não faço ideia, ele pode estar treinando. Acho que minha prima comeu hoje, mas não me lembro que horas e que horas - ela responde pensativa, desabafando sua estranha agitação tocando nos cabelos.

—Você quer me dizer o que há de errado? -

"Eu simplesmente não me dou muito bem com meu primo... bem, ele realmente me odeia", ele murmura, descendo o andar térreo para abrir caminho.

Passamos pela sala de jantar e seguimos até o final do corredor, abrindo uma porta de vidro com uma bandeira do time colocada bem ao lado.

- Qual é o seu nome? Talvez eu o conheça – pergunto, olhando para a bandeira do Norte e sentindo na pele o calor deste dia.

O moletom está ficando irritante.

"Ah, claro", ele sussurra, andando por um pequeno caminho fora da escola e chegando a outra estrutura conectada a ela.

“Só espero que você não mude de ideia sobre mim”, acrescenta antes de abrir a porta daquele estranho compartimento.

Abro a boca surpresa ao ver o enorme campo de futebol na minha frente.

“Este é o estádio da escola”, ele ri da minha expressão.

—Mas é enorme! —exclamo olhando para o mar de assentos espalhados pelo campo.

— Eu sei, estamos bem equipados. As competições e treinos da nossa escola são realizados aqui, mas às vezes também emprestamos o estádio a outras escolas para as suas competições. Bem, aqueles que não têm assentos suficientes. - ele me informa, gesticulando para que eu passe pelo pequeno corredor que leva aos vestiários e entre em campo.

— E eu, que queria ser rápida e passar despercebida, vou demorar uma eternidade para alcançá-los — bufo, olhando as jogadoras de longe, mais focada em observar o traseiro das Cheerleaders do que em treinar.

—Eu irei com você se quiser—

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