À procura da banana, quando eu preferia o sal.
Há alguns ingredientes na culinária que são considerados indispensáveis para qualquer cozinheiro que se preze. Afinal, uma comida salgada sem sal ou dependendo do doce sem açúcar é algo inadmissível até mesmo de se pensar a respeito.
A grande verdade é que antes mesmo de eu ter que pensar em um noivo de mentira, eu já havia procurado encontrar um possível pretendente a vista. Por isso, havia elencado os tipos de garoto e o que eles seriam caso eu pudesse compará-los a algum tipo de ingrediente.
Existiam homens que eram essenciais na vida, tipo o sal e açúcar na comida. Ou o limão. Outros homens, não se destacavam muito, mas davam para o gasto. Tipo arroz e feijão. Contudo, haviam outros homens que poderíamos dizer que eram tão terríveis e nada convencionais de serem usados como sei lá, pera numa comida salgada ou bacon numa comida doce. Mas o pior mesmo eram aqueles ingredientes que ninguém fazia a mínima ideia do que fazer com eles, ou melhor, aqueles homens que a gente não queria pintados nem de ouro na nossa frente, como melões ou fígado! Não são mesmo a primeira e quase sempre nem a última das nossas escolhas!
Os homens tipo sal certamente eram os que eu – e talvez metade da humanidade feminina – mais preferíssemos, mas, por esse mesmo motivo, eles eram tão disputados e quase sempre já estavam casados antes mesmo que pudéssemos pensar em cortejá-los. Era tipo o caso de Zac, marido da minha amiga. Praticamente impossível para uma reles mortal como eu.
Tudo bem, eu preferia ingredientes (ou homens) como sal, mas não ficaria desapontada se acabasse ganhando um arroz com feijão. Como prato de grande parte da população brasileira e meu também, um arrozinho com feijão fresquinho dava uma boa forrada no estômago. Não negaria um homem que não se destacasse muito, mas que eu conhecer, eu não conseguisse ficar sem. Tipo como não consigo ficar sem arroz e feijão. A gente acha que não consegue ficar sem sal e açúcar, mas feijão com arroz também acaba se tornando essencial.
Contudo, esse tipo de homem também não era o tipo que existia na minha mesquita. E olha que eu tinha olhado bastante a procura de um e olha que minha irmã já tinha me ajudado a stalkear todos os homens que porventura pudessem se encaixar nessa linha. Nenhum deles estava disponível ao que indicava as redes sociais.
Não seria a minha escolha ideal um homem bacon ou um homem pera como futuro marido e parceiro, ainda mais agora como parceiro de mentiras, mas nem esses mais estranhos apareciam. Parecia que toda a mesquita estava comprometida!
E eu não apelaria para um homem melão ou fígado. Isso porque eles atrapalhariam os meus planos de mentira. Afinal, nesse tipo de homem estava incluso os homens casados já com uma esposa – e eu teria que ser a próxima e teria que lidar com uma situação muito difícil que seria ter que contar meu plano mirabolante não só para o candidato a esposo, como também para a primeira esposa – ou os homens muito velhos e já viúvos, que certamente não me ajudariam e nem colaborariam quando eu fosse pedir divórcio deles. Nenhuma dessas opções era possível. Estavam descartadas desde já!
Eu estava quase chorando, pois não sabia realmente como podia ter sido tão burra!
Nur até estava tentando me ajudar stalkeando os meninos nas redes sociais e já cogitando até mesmo procurar outros possíveis pretendentes em outras mesquitas que não a que frequentávamos na grande São Paulo, mas a verdade é que a sorte não estava mesmo ao meu favor.
Para ser bem sincera, nem mesmo o tempo!
― Achou alguma coisa hoje? ― Perguntei quando Nur entrou na cozinha.
Eu estava terminando de preparar alguns recheios para os salgados quando Nur entrou com seu laptop na cozinha. Mamãe já tinha subido para tomar um banho e a pastelaria já estava fechada, de modo que eu só preparava os recheios que seriam usados nos salgados para o dia seguinte.
― Achei duas peras no salgado ou um bacon no doce. ― Disse Nur e eu sorri. Aquela era a nossa forma de comentar sobre sem que mamãe soubesse do que estávamos falando.
― Perfeito. Mostra as fotos. ― Disse e Nur concordou.
Um dos rapazes da foto tinha colocado fotos de perfil com ele lateralizado. Não era feio. Os cabelos negros caindo acima da sobrancelha, o nariz afilado. O outro, também de cabelo castanho escuro e barba no rosto.
― Vamos tentar então. Vamos marcar com eles. Você vem comigo. Não quero ficar mal falada por estar saindo sozinha com um futuro noivo. ― Nur concordou.
― Eu vou com você, maninha. ― E estávamos decididas.
Foi assim que fizemos para sair com o primeiro de nome Faruk. Acabamos chegando um pouco atrasadas, porque marcamos para almoçar, mas a minha faculdade atrasou e eu ainda tive que esperar Nur chegar na frente do shopping onde havíamos marcado encontro. Foi com grande surpresa que ao reconhecer Faruk de lado, eu percebi o motivo pelo qual ele costumava tirar fotos de perfil.
Ele tinha uma verruga enorme ao lado da boca. Não somente uma verruga enooorme ao lado da boca, para a qual eu não conseguia parar de olhar, mais uma verruga enooorme ao lado da boca que continha pelinhos sobressalentes para completar.
Eu olhei para Nur quase como se dizendo mentalmente o quanto eu a queria matar por não ter olhado as coisas com mais atenção antes de marcar um encontro meu com aquele cara.
Ela deu de ombros e eu já estava pronta para me despedir, já com a desculpa perfeita na ponta da língua de que havia surgido um imprevisto, quando Faruk decidiu abrir a boca e começou a falar:
― Se vocês não se importam, eu fiz uma reserva para nós no outback. Estava só esperando que vocês chegassem. ― Eu e Nur nos olhamos de olhos arregalados. Eu podia falar por mim mesma, não estava acostumada – na verdade nunca tinha saído em um encontro de possíveis futuros noivos – mas não sabia que o primeiro restaurante do primeiro encontro da minha vida poderia ser um outback.
Que mal faria aproveitar um pouco de comida boa, não é mesmo? Eu não poderia comer a carne deles, mas tinha ouvido falar muito bem das batatas fritas.
Como se Nur estivesse lendo os meus pensamentos, ela assentiu concordando com a minha linha de pensamento. Sorri. Perfeito.
Depois eu fingia algum problema de ordem imediata. Eu conseguia.
Seguimos Faruk calmamente e eu comecei a olhar para o chão, porque era incrível, todas as vezes que eu olhava para o rosto dele, eu simplesmente não conseguia! Eu tinha que encarar aquela verruga sobressalente! Ela parecia me chamar, sério!
― E o que você faz da vida, Dyzi? ― Ele perguntou assim que apertamos o elevador para subir para o outback.
― Eu… Faço gastronomia e… cuido da pastelaria da minha família. ― Faruk concordou com a cabeça.
― Nesse caso, passaria a pastelaria para sua irmã? ― Ele perguntou de supetão me pegando de surpresa. O elevador abriu e ele saiu na minha frente.
Ainda completamente sem fala e piscando muito, ainda paralisada, precisei de alguns segundos para me recompor.
― Como é que é?
― Como? ― Ele perguntou estranhando a minha pergunta. Eu que não entendia daquele cara com verruga já mostrando asinha no primeiro encontro. Tudo bem que precisávamos ser bem sinceros um com o outro e que eu faria uma proposta bem indecorosa para ele (não mais), mas ele realmente cogitava a ideia de que eu ficaria o dia inteiro em casa sem trabalhar?
― Você… ― Comecei, mas fui interrompida antes disso.
― Faruk! Trouxe então a amiga que você queria que considerássemos como noiva! ― Só não arregalei os lábios de surpresa, porque estava mais surpresa tentando entender quem estava tentando enganar quem naquela história toda. Faruk havia mentido para a família dele, quando sequer me conhecia?
Com um sorriso amarelo, ele me apresentou.
― Essa é Dyzi, mamãe. ― A senhora veio me cumprimentar e puxou eu e Nur para fora do elevador.
Ok. Já tinha dado. Eu tinha que fugir do encontro o mais urgente possível. Não estava rolando, eu precisava partir para o outro da lista. Com Faruk, a gente se mataria antes mesmo de eu conseguir convencer tio Samir ou qualquer um do mundo de que a gente se amava e se casaria por amor.
Aquele papo não rolava nem para mim!
― Faruk, eu não me lembro de você ter me dito que eu teria que parar de trabalhar para me casar com você. Mas agora que você tocou no assunto, não gostei não. ― A mãe dele me encarou como se eu estivesse cometendo um ultraje falando com Faruk de igual para igual. Revirei os olhos.
Hello, senhora, Maomé veio para isso, para que não fôssemos rebaixadas nesse mundo machista que existe por aí.
― Oh, você está aqui! ― Apareceu outra mulher para me cumprimentar. Eu realmente não sabia quem era aquela gente toda e na real estava ficando com muito medo.
Aquilo era uma festa de família particular e Faruk não tinha me contado nada? Na certa, ele ia me apresentar como noiva para a família sem sequer ter pedido o meu consentimento! Que canalha!
Olhei para Nur quase a fuzilando com o olhar. Ela tinha me dito que Faruk era uma pera e não um maldito de um melão!
― Essa é minha irmã, Dyzi. Isso que você disse de trabalhar não é preciso na nossa família, somos muito ricos.
― Não tanto se não conseguem tirar uma verruga. ― Murmurou Nur baixinho o suficiente para que somente eu conseguisse ouvir. Engasguei com a saliva tentando segurar o riso enquanto voltava a missão sair dali o mais rápido possível. Tinha certeza de que Nur já estava chamando um uber. A gente tinha essa conexão.
― A questão, senhora…?
― Yolanda.
― A questão senhora Yolanda é que eu não quero trabalhar por conta do dinheiro, mas porque estar na pastelaria da minha família é algo que eu realmente gosto de fazer. Eu espero que a senhora me entenda o quanto sou grata por tudo, mas realmente preciso partir, pois surgiu um imprevisto na pastelaria e preciso ajudar minha família a resolver. ― Senhora Yolanda tinha cara de quem tinha engolido um limão inteiro.
Eu sinceramente não me importava. Só queria me mandar.
Mas como eu já desconfiava, Faruk tinha decidido me colocar numa enroscada total! Quando pisquei, mais meia dúzia de pessoas apareciam na minha frente e na frente de Nur me cumprimentando e perguntando se eu estava ali para oficializar o noivado com Faruk.
― O que!? Não! Eu não estou aqui para oficializar noivado com ninguém, se não minha mãe estaria aqui! Olha, eu vou embora agora, ok?
― E porquê não o seu pai? Teria vergonha de me apresentar como seu noivo para ele? ― O que aquele Faruk tinha na cabeça? Por acaso ele tinha noção do que estava falando? Por acaso ele tinha comido cocô?
― Porque o meu pai está morto e a não ser que você fosse Deus e revivesse os mortos, você não teria como ser apresentado para ele. ― E eu tinha falado em voz alta o que eu não admitia nem para mim mesma.
Tipo aquelas fases de luto que as pessoas vivem nos primeiros dias de luto. Só que no meu caso eu estava vivendo um pouco tardiamente. E como não queria prolongar o sofrimento que eu já estava sentindo só de ter explanado em voz alta, decidi que já tinha prolongado aquele encontro mais do que ele merecia ser prolongado.
― Eu sinto muito, Dyzi. ― Disse Faruk, o que só foi pior porque fazia eu sentir raiva e com raiva meus olhos se enchiam facilmente de água.
― Que futuro noivo não sabe que a noiva perdeu o pai? ― Perguntou a irmã de Yolanda para ela, como se eu não fosse capaz de ouvir.
― Eu preciso ir. ― E nem esperei que eles concordassem. Na verdade, nem ligava. Puxei Nur pelo braço e aproveitando que tinha gente saindo do elevador, entrei avoada com ela para fugir dali o mais rápido que podia.
― Eu espero que o próximo encontro que você marcar, você cheque bem antes se não será um melão assim, maninha! ― Nur concordou enfaticamente com a cabeça. ― Estou com raiva dele, fez eu explanar em voz alta que papai morreu.
― Eu sei. ― Disse Nur que também compartilhava da dor de admitir isso em voz alta.
Algumas coisas podiam ter se passado cinco meses que ainda se tornariam difíceis de serem faladas. Ou até mesmo sentidas.
Ainda bem que papai tinha me criado forte, pois assim eu conseguia ter ânimo para lidar com as próximas adversidades que viriam pela frente.