CAPÍTULO 4
Capítulo 4
CLOE SMITH
-Você soube, Marie Smith, que há um novo morador na casa em frente a sua do outro lado da rua? O homem que comprou o casarão, que estava a venda já há muitos anos, você sabe, se mudou para lá ontem à tarde.
É um horário cedo da manhã, acho que entre as oito ou as nove horas, quando escuto o som de vozes femininas conversando em voz alta no primeiro andar de casa, e de forma exaltada, o que faz com que eu acorde em um pulo sobre a cama com o susto da gritaria que as mulheres estão fazendo lá embaixo. Pelos céus, o que é que está havendo justamente em um horário como esse? Por que essas senhoras estão tão agitadas hoje? É o que me pergunto, ao mesmo tempo em que coloco os pés para fora da cama e sigo em direção ao meu pequeno guarda-roupas ao lado do espelho.
-É mesmo, Martha? E quem te contou isso? Porque eu já sabia que aquela casa tinha sido comprada na semana passada ainda. Você está meio atrasada em saber das notícias pelo visto.
Uma outra voz alfineta com um comentário desdenhoso, e pelo timbre de voz, reconheço ser a senhora Sara Willows, a irmã mais velha de Martha, sua principal concorrente na vizinhança desde que as duas haviam saído da casa dos pais após se casarem, e que vivem em pé de guerra uma com a outra acerca de tudo, e de qualquer assunto banal sem sentido. As duas estão sempre disputando entre si para ver quem é a melhor e mais bem sucedida entre elas, querem ser a mais populares do bairro, da rua e da vizinhança.
Elas desejam tanto ser as mais sabidas e as primeiras a saberem de todas as fofocas que acontecem na nossa comunidade, que não se importam em passar tanto vexame quando vez ou outra protagonizam vergonhosos episódios em que já chegaram até a sair na mão, com brigas físicas muito além das verbais, publicamente, apenas para "saírem na frente". Ou seja, Martha e Sara Willows morrem de invejam do próprio sangue, da própria família, da pessoa mais próximas que existem delas, quando na verdade elas deveriam ser unidas e tentarem viver em paz como seria considerado normal e saudável.
Entretanto, o maior e mais terrível problema que existe entre as duas mulheres é a questão de suas filhas. Cada uma delas tem uma filha adulta em idade de se casar, porém que ainda permanecem solteiras até hoje. É quase como explodir o inferno quando algum corajoso toca nesse tópico sensível para as irmãs Willows. É uma questão de vida ou morte para ver qual delas, Martha ou Sara, irá conseguir o melhor partido para tomarem suas meninas em casamento. É a briga do século, um verdadeiro espetáculo entre duas mulheres velhas. Quem irá arranjar primeiro um homem mais trabalhador, rico e bonito, o genro ideal para suas proles. É uma briga de cachorro grande, porém, a qual eu não quero saber e também jamais espero me envolver algum dia, pois serei a única a sair perdendo no fim das contas.
-E ainda te conto mais Marie, pelas informações que recebi em primeira mão de uma amiga próxima, que tem um marido que trabalha na polícia, o homem da casa da frente é uma pessoa bem competente, que tem um trabalho que lhe dá muito dinheiro, e que foi por isso que ele conseguiu comprar um imóvel tão caro quanto o casarão do outro lado da rua à vista.
Ela exclama a novidade com empolgação, como se fosse certo ficar especulando sobre a vida das pessoas dessa maneira.
-É mesmo? Verdade, Sara? E o que mais você sabe sobre ele? Me conte tudo, mulher!
Vovó pergunta cheia de curiosidade, louca para saber mais sobre a fofoca que as irmãs Willows estão lhe trazendo logo pela manhã, e eu me pergunto o que ela faria se fosse eu que estivesse tendo a mesma atitude com alguma amiga minha. Certamente eu estaria recebendo uns bons tapas na bunda para aprender a parar de falar da vida alheia. Contudo, como não sou eu que estou fazendo isso então está tudo bem, né? Enfim... eu não posso discutir quanto a isso e nem a confrontar a respeito. Dessa forma, eu apenas continuo ouvindo a conversa das mulheres no andar de baixo enquanto me visto com roupas simples para mais um dia de trabalho normal em casa.
-Ele é um homem bastante reservado que não cede muitas informações pessoais sobre sua vida para os outros a sua volta, e por isso é bastante difícil saber tudo ao seu respeito. Contudo, eu o vi pessoalmente ontem a alguns metros de distância quando se mudou para o casarão e só posso dizer uma coisa para vocês, senhoras, o homem é maravilhoso. Alto e bonito, com certeza vai arranjar muitas pretendentes para se casar em breve.
-A minha menina com certeza vai conseguir laçar o coração desse homem e o arrastar para o casamento, nem que seja a última coisa que faça nessa vida. Anotem aí o que eu estou dizendo a vocês no dia de hoje.
Martha jura com convicção e fé de que sua filha realmente irá conquistar o novo vizinho, ao que sua irmã solta uma grande gargalhada em deboche.
-Nem nos seus mais loucos e desvairados sonhos, minha querida irmãzinha. Sua filha precisaria nascer de novo para fisgar um partidão como esse.
Sara zomba da própria sobrinha, sem nem um pingo de consideração e continua a ofender a família da irmã mais nova. Eu meneio a cabeça em negação diante da briga, enquanto sigo para o banheiro do quarto para escovar os dentes e pentear os cabelos, para parecer minimamente apresentável quando descer para o primeiro andar e dar de cara com as duas visitas indesejáveis e extremante fofoqueiras, receosa de levar uma bronca de vovó caso apareça desgrenhada na frente delas.
-Só a minha princesinha será capaz de fisgar um homem tão bom e competente como aquele. Afinal de contas ela nasceu para isso, para brilhar e fazer um casamento de grande sucesso.
-Sua filha da...
Vejo que Martha está prestes a xingar Sara no momento em deixo meu quarto e começo a descer as escadas, já me preparando mentalmente para ter que cumprimentá-las em meio ao clima de uma guerra explosiva.
-Minha menina tem tudo o que precisa para tomá-lo para si. Ela é alta, habilidosa nos afazeres domésticos, realiza trabalhos sociais e além de tudo, o mais importante que uma mulher precisa ter para pegar um homem como esse: ela é muito bonita.
Ela se gaba, cheia de orgulho da filha, ao que eu tenho vontade de revirar os olhos ao escutar tal comentário, por saber muito bem o tipo de pessoa que a garota é... uma mimadinha e moralista que gosta de mandar em todo mundo, assim como a própria mãe. Do que adianta ser uma pessoa linda por fora e possuir uma personalidade tão irritante como a dela?
-E ela nem tem que se preocupar com nenhum problema de concorrência em nossa vizinhança, pois minha sobrinha não tem chance alguma e... aí está você Cloe Smith.
Sara diz quando se vira de repente e se depara com a minha presença na sala de estar, onde elas estão fofocando sem parar há vários minutos.
-Bom dia senhora Martha Willows e Sara Willows. Como estão as senhoras?
Eu cumprimento as duas mulheres com cordialidade, apenas por educação e medo de ser duramente repreendida por vovó se passar de fininho em direção a cozinha para preparar o café da manhã para ela e suas amigas de papo.
-Bom dia, Cloe. Como eu estava falando agora mesmo, foi até bom você aparecer bem nessa parte do assunto, menina, por que faz parte dele também.
A irmã de Martha comenta abanando a mão no ar em um gesto para me chamar para mais perto de onde o grupinho está reunido. Mesmo a contragosto eu vou, de cabeça baixa sem saber o que eu tenho a ver com a conversa fiada delas, e paro ao lado de vovó, na tentativa de me esconder atrás dela sentada em sua cadeira de rodas, para me proteger de qualquer ataque ou ofensa que possa surgir da desmiolada da amiga dela.
-Eu? Mas o que...
- Para ser sincera eu tenho um pouco de pena de você, Marie Smith.
Ela começa a dizer.
-Coitadinha, sua menina é totalmente desprovida de quaisquer qualidades que uma moça deve ter para conseguir arranjar um casamento. Então ela sequer é uma ameaça para minha filha, que vai se casar com o novo partido da vizinhança.
Sem se importar de estar sendo rude e mal educada, Sara conversa com minha avó como se eu não estivesse bem ali a sua frente, com ela denegrindo minha aparência na frente de outras pessoas.
-Pobrezinha, tão simplória, magrinha e sem beleza que eu duvido muito que você encontre um homem disposto a querê-la como mulher algum dia. Será um sacrifício se conseguir esse milagre por misericórdia e piedade divina, minha amiga.
Sara acrescenta ferina e cruel. Eu engulo a saliva com dificuldade em minha garganta e pisco os olhos para segurar as lágrimas dentro do meu peito que querem sair.
-Nossa, você teve bastante azar para uma vida inteira hein, Marie? Acredito que deva ter cometido muitos pecados em sua juventude para ter tido uma filha tão desvirtuada no mundão, e ainda agora, uma neta que jamais irá se casar porque é feia.