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3. LINDA ROCATTI

Linda Rocatti sempre fora conhecida por sua força de espírito e determinação. Desde que se formou em direito, seu caminho no mundo jurídico havia sido meteórico. Ela tinha uma habilidade especial de usar as palavras como ninguém, sabia argumentar e manipular os fatos com uma precisão que deixava os adversários atônitos. Além do talento, sua aparência era inegavelmente marcante: os cabelos loiros e os olhos azuis, herdados de suas raízes holandesas, chamavam atenção em qualquer ambiente, mas era sua confiança que realmente fazia diferença. A maneira como andava, falava e tomava decisões transparecia uma autoridade natural.

— Linda, você tem uma presença imponente, sabia? — comentava um de seus colegas de trabalho após mais uma vitória no tribunal.

— Aprendi a usar isso a meu favor — respondia ela com um meio sorriso, sempre consciente do impacto que causava.

Contudo, após meses imersa na rotina agitada da cidade grande, com pilhas de processos e salas de audiências, Linda sentia que algo estava faltando. Seus dias eram tomados por negociações exaustivas e noites em claro preparando defesas, o que, pouco a pouco, a estava esgotando. Certo dia, enquanto analisava mais um contrato interminável, parou por um momento e olhou pela janela de seu escritório.

— Acho que preciso de uma pausa... — murmurou para si mesma, sentindo uma pontada de cansaço que ia além do físico.

Foi então que decidiu que era hora de fazer algo diferente. Deixaria o ritmo frenético da cidade para trás e se aventuraria de volta às suas origens no Rio Grande do Sul. Havia anos que não visitava seu pai, em Porto Alegre e nem seu primo em São José dos Ausentes, com suas paisagens montanhosas e ar puro.

A serra gaúcha parecia o refúgio ideal para se desligar do trabalho e se reconectar consigo mesma. Além disso, ela passaria um tempo com seu primo, de quem sentia saudades.

Ao chegar, foi imediatamente envolvida por uma paz que há muito não sentia. A tranquilidade da serra contrastava fortemente com o ritmo acelerado de sua vida em São Paulo. Pela primeira vez em anos, ela acordou sem a pressão de prazos ou a necessidade de impressionar clientes.

— Você está tão diferente, prima. — comentou seu primo durante um café da manhã típico, enquanto colocava mais pão caseiro na mesa. — Parece que deixou metade de você na cidade grande.

— Talvez eu tenha deixado mesmo. E honestamente, não sinto falta dessa parte. — Linda sorriu, contemplando o aroma do café recém passado e o silêncio ao redor.

Naquela noite fria da serra gaúcha, Linda decidiu se juntar aos amigos em um rodeio local. A cidade estava gelada, mas o calor humano daquele evento, com suas tradições vibrantes e a energia das pessoas, preenchia o ar de uma forma acolhedora. Linda, ao lado de seu primo Arthur Hoffmann e de seu amigo de infância Bernardo Santana, riu e se divertiu, absorvendo cada detalhe daquela experiência tão diferente de seu cotidiano na cidade grande.

— Não é incrível? — comentou Arthur, olhando ao redor. — O rodeio é mais do que uma competição, é quase um ritual aqui. Todo mundo vem se encontrar, ver os amigos, viver a tradição.

Linda, embora inicialmente estivesse ali apenas pela companhia e pela curiosidade, começou a perceber que havia algo de especial naquela atmosfera. A agitação, as risadas, o cheiro de churrasco no ar e o som das botas batendo no chão de terra criavam uma experiência que mexia com ela de uma forma inesperada.

— Eu nunca imaginei que me sentiria tão conectada a esse lugar — disse Linda, observando a multidão animada. — É como se houvesse uma energia aqui que eu não sentia há tempos.

Enquanto seus olhos vagavam pela arena e pelas arquibancadas, ela se viu afastada de Arthur e Bernardo, que se envolveram em uma conversa com conhecidos. Decidiu dar uma volta sozinha, movendo-se por entre a multidão, imersa naquele cenário encantador.

Foi então que, no meio de toda aquela agitação, algo lhe chamou a atenção. Uma garotinha, não mais que nove anos, estava em pé, visivelmente perdida, os olhos marejados de lágrimas, vestindo apenas um pijama leve, totalmente inadequado para o frio cortante daquela noite. Linda, sempre atenta e sensível às situações ao seu redor, imediatamente sentiu que algo estava errado.

Linda, agora agachada na frente da menina, sorriu gentilmente, tentando fazer com que a garotinha se sentisse segura. O frio da noite começava a incomodá-la, mas sua prioridade naquele momento era entender por que uma criança tão pequena estava ali, em um rodeio, e vestida apenas com pijamas.

— Ei, está tudo bem? — perguntou com uma voz suave, tentando acalmar a criança.

A garotinha olhou para ela com os olhos arregalados e trêmulos de frio.

— Eu... eu não sei onde está meu irmão — respondeu entre soluços.

Linda franziu a testa. "Como uma criança tão pequena acabou sozinha aqui?", pensou. O rodeio estava lotado, cheio de adultos, e aquele claramente não era o lugar para uma menina tão nova.

— Qual é o seu nome? — perguntou Linda, tentando acalmar a criança enquanto tirava o casaco que usava e colocava sobre os ombros dela.

— Emma — respondeu a menina, ainda confusa e com os olhos cheios de lágrimas.

— Emma, me conta, o que você está fazendo aqui? Não acha que deveria estar em casa, quentinha, talvez já dormindo? — perguntou Linda, com um tom acolhedor, para não assustar ainda mais a menina.

Emma olhou para baixo, mexendo nervosamente nos dedos. — É que... meu bichinho está doente — respondeu a menina, a voz embargada. — Ele... ele precisava de ajuda e eu pensei que talvez meu irmão soubesse o que fazer.

Linda franziu a testa, sentindo uma onda de compaixão por aquela criança assustada e preocupada.

— Seu bichinho? Você tem um animal de estimação, é isso? O que aconteceu com ele?

Emma assentiu, fungando levemente, tentando conter as lágrimas.

— É ela, a minha égua Arizona. Ela está doente, quase não se mexe... Eu fiquei com medo de que ela... — a menina hesitou, sentindo a tristeza tomar conta, mas respirou fundo e continuou. — Eu queria que meu irmão me ajudasse a cuidar dele, mas não consegui achá-lo.

Linda sentiu o coração apertar. A preocupação de Emma com seu gato era tão genuína e, de certa forma, desesperada. Ela segurou a mãozinha da menina, apertando-a suavemente, tentando transmitir conforto.

— Oh, querida, eu entendo. Deve ser assustador ver seu bichinho assim. Mas, olha, a gente vai encontrar seu irmão, e depois vamos ver como podemos ajudar a sua égua, tá bom? — Linda disse, mantendo um tom firme e protetor, ao mesmo tempo em que tentava acalmar a garotinha.

Emma olhou para Linda com olhos esperançosos, como se aquela mulher que acabara de conhecer fosse sua última esperança.

— Você acha que ele vai ficar bem? — perguntou Emma, com a voz fraca.

Linda sorriu e assentiu com a cabeça, tentando trazer uma dose de otimismo à situação. — Eu acho que com sua coragem de vir aqui procurar ajuda, ele tem grandes chances, Emma. Agora vamos nos concentrar em encontrar seu irmão primeiro, e então tudo vai se resolver.

A pequena Emma respirou aliviada com as palavras de Linda, que a puxou mais para perto, colocando seu casaco ao redor da menina para protegê-la do frio. A determinação de Linda crescia a cada minuto. Ela sentia que estava ali por um motivo maior, e agora, ajudar Emma e seu gatinho era tudo o que importava.

Enquanto elas caminhavam pela multidão, Linda continuava conversando, tentando manter Emma distraída e calma. — Sabe, eu também tinha um bichinho quando era pequena. Não era um gato, mas um cachorro chamado Max. Ele sempre ficava doente quando comia coisas que não devia — contou Linda, tentando arrancar um sorriso da garotinha.

— O Zeca é diferente. Ele nunca come nada estranho... Só acho que ele ficou doente de repente — respondeu Emma, pensativa, mas agora um pouco mais relaxada.

Linda sabia que encontrar o irmão de Emma era a prioridade, mas também estava disposta a fazer o que fosse necessário para ajudar o pobre Zeca. O que ela não imaginava era que esse simples ato de bondade a levaria a se cruzar com algo muito maior naquela noite do que apenas um rodeio ou uma busca por diversão.

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