A amiga de Kasumi
As aulas começavam.
Era uma casa feita de madeira, onde as crianças não tinham mesas ou cadeiras. Normalmente, elas acompanhavam as aulas sentadas no chão ou em pé, conforme vai variando. Normalmente, como Pagã era a única mentora e também a que mais rendeu bom treinamento à tribo, ela costumava levá-los para o lado de fora, onde começavam a treinar suas habilidades físicas.
A aula começava com Pagã cobrando exercícios de respiração. Isto era importante para que se concentrassem nas suas energias vitais. Em seguida, ela explicava como funcionava tal habilidade e depois, iriam todos meditar. A meditação durava uma hora e depois, iriam treinar as habilidades físicas. O treino durava duas horas, com intervalos de dez minutos, sendo considerados dois. Por último, ela passava alguns conhecimentos sobre diversos assuntos e depois, iriam venerar ao deus que eles adoram e que acreditam serem o criador de tudo e de todos, Abanenga.
- Bom dia, Kasumi.- dizia Pagã, que esperava pelos seus discípulos na frente da porta da casa de madeira, que podemos dizer que é uma sala de aula.
-- Bom dia, professora.-- responde a pequena ruiva.
Pagã sorri para ela e a deixava entrar. Kasumi se surpreende por ser uma das primeiras pessoas a chegarem. O que teria acontecido que estava ela e mais alguns outros índios? Ela decide se sentar na frente. Não gostaria de se socializar, até porque tem medo de que possam discriminá-la por sua etnia.
-- Olha ali, não é a cabelo de fogo?-- cochichavam um dos meninos.
-- Ih, é ela mesma. A cara de vampiro.
-- Cara de vampiro. Essa foi boa.
Eles estavam dando risadinhas e isso chama atenção de Pagã, que esperava pelos outros alunos.
-- Meninos, silêncio, por favor.-- dizia a mentora da tribo.
Ela nunca defendia Kasumi diretamente, mas pedidos como esse davam a entender que ela não aprovava essa atitude de discrimarem ela por ser branca e ter cabelos vermelhos. Por outro lado, Kasumi estava triste.
--"Que ótimo. Agora eu ganhei um novo apelido. Cara de vampiro."-- pensava a pequena ruiva e ela queria chorar, quando escuta uma voz. Aquela voz que era espontânea nas aulas e inteligentes nos argumentos.
-- Desculpa o atraso, professora.-- dizia ela, Jaciara.
-- Não tem problema.-- disse Pagã.-- Estamos perto de começar. Faltam mais alguns alunos para chegarem. Onde está o Guarana? Vocês vêm sempre juntos.
-- Cheguei. -- aparecia ele, Guarana Potira. Um menino que aparentava ser bem espontâneo, mas era muito ruim nas aulas teóricas, entretanto era excelente nas aulas práticas.-- Começaram a aula sem mim? Não acredito.
-- Não, Guarana, não começamos a aula sem você.-- dizia Pagã. Nas aulas, o garoto era muito bagunceiro, mas era prestativo nas aulas práticas, o que deixava a desejar.
Ele e Jaciara iam se sentar, mas se separavam. Normalmente, Guarana se sentava com ela para que pudesse receber ajuda na teórica, entretanto, ele se certificou de que iria se dar bem nesse momento e pediu para que ela se sentasse aonde quisesse.
Kasumi estava com lágrimas em seus olhos, mas não soluçava. Não queria que ninguém notasse isso nela, para ter que chamar atenção. Porém, enquanto Jaciara caminhava pela sala, à procura de um lugar para se sentar, nota que Kasumi estava chorando.
--"Aquela é Kasumi."- pensava a garota. Diferente dos outros, Jaciara nunca repreendeu Kasumi, por ser branca e ter cabelos vermelhos. Ela sempre a respeitava, tanto que achava que era algo de especial que ela tinha. Não pensando duas vezes, ela decide se sentar ao seu lado. Isso deixa Kasumi com vergonha. Ninguém nunca havia sentado do lado dela, a não ser Pagã, para conversar com ela nas aulas livres.
-- O que a Jaciara está fazendo ao lado dos olhos de coelho?-- cochicham os meninos entre si.
Jaciara, ouvindo isso, ficava irritada e olhava feio para eles, que apresentavam emoções de estarem com medo.
-- Por que você está do meu lado?-- indaga Kasumi.
Jaciara sorri para ela e fala:
-- Porque a partir de agora, seremos amigas. Topa? Vou lhe defender desses valentões que fazem brincadeiras horríveis com você.
Kasumi abaixa a cabeça triste e fala:
-- O problema não são eles e sim toda a tribo, que me discrimina pela minha etnia, que até eu acho estranha. Eu sou feia. Não sei por que nasci aqui, sem contar que tenho alguns sonhos estranhos.
-- Sonhos estranhos? Que sonhos são esses?-- indaga Jaciara.
Alguns alunos apareciam aos poucos e estavam as duas meninas conversando ainda.
-- Eu sonho que estou em um lugar totalmente diferente daqui, onde os moradores possuem uma etnia parecida com a minha. Mas eu vejo duas pessoas de cabelo vermelho serem mortas por uma outra pessoa, que não me é familiar, mas não consigo me lembrar muito bem.
-- E essa pessoa? Como ela é?
Kasumi fazia a descrição dela, detalhadamente. Jaciara se impressiona com o grau de inteligência da ruiva. Consegue descrever de forma clara e objetiva algo ou alguém. Não é à toa que Kasumi é a mais inteligente.
-- Já comentou com a professora?-- indaga Jaciara.
-- Nem ela, nem meu pai, nem o pajé sabem o que pode ser.-- disse a ruiva.
-- Isso é muito estranho.-- dizia Jaciara.
As aulas começavam.
Depois de durarem algumas horas, Jaciara e Kasumi caminhavam para casa. Guarana havia passado mal e saíra mais cedo.
-- E então? Que tal passar a noite na minha tenda?-- indaga Jaciara.
-- Não posso.-- responde Kasumi.-- Meu pai não deixa.
Jaciara olhava sério e preocupado para ela e depois, dizia:
-- Então eu irei visitá-la. Que tal?
Kasumi aceita a ideia e ambas se deram as mãos.
-- Seremos amigas para sempre.-- disse Jaciara.
-- Sim.-- confirma Kasumi.
Elas caminhavam para a casa delas, se separando. Jaciara iria mais tarde para a casa de sua nova amiga.
Enquanto que Kasumi caminhava, algumas pessoas olhavam feio para ela. Estavam dentre cochichos:
-- Aberração.
-- Olha quem está aparecendo.
-- Não merece ser a filha do cacique.
-- Não acredito. Aquela é a "cabelo de fogo"?
-- Sai daqui, seu demônio!
Kasumi não pôde com os cochichos. Por seus poderes estarem evoluindo muito rápido, conseguia escutar até o que não queria. Era característica dos Potira também serem munidos de sentidos aguçados. Ela então decide correr até à sua tenda e as pessoas, conforme a viam, a negligenciavam.
Tupi havia terminado de meditar. Iria para a sua tenda, quando vê Kasumi correndo.
-- Filha?-- indaga o cacique para si.
Ela pula na direção dele e o abraça.
-- Filha, tudo bem? Como foi na aula?-- indaga Tupi.
De repente, ela começa a chorar. Tupi percebe isso e era o de sempre. Discriminaram ela novamente.
-- Eu não quero mais voltar para lá.-- dizia Kasumi.-- Todos me odeiam.
-- Calma, filha, está tudo bem.-- disse Tupi.-- Eu sei que você ainda vai fazer uma excelente amizade, da mais sincera que tiver.
Veio Jaciara em sua mente e ela ficava vermelha. Dizia:
-- Teve uma pessoa que se sentou ao meu lado.
-- Quem?-- Tupi a tira do abraço e olhava em seus olhos.
-- Jaciara.
-- Mesmo? Soube que ela é uma das mais inteligentes da sala de aula. Pagã me falou que ela pode até mesmo ser da tribo.
-- Sim, ela é muito inteligente e também, demonstrou compaixão à mim.
Tupi sorri e fala:
-- Nem tudo está perdido. Se anime. As coisas vão melhorar. Todos ainda irão lhe respeitar e até mesmo, querer que fique conosco, nos protegendo, quem sabe.
-- Pode ser que sim.-- disse Kasumi. Ambos voltaram a se abraçar.
Naquela noite, Jaciara havia visitado sua nova amiga, como prometido. Elas conversavam, brincavam e se divertiam. Olhavam para o céu logo acima e viam as estrelas.
-- São lindas, não é?-- indaga Jaciara.
-- São sim.-- disse Kasumi, que do nada fala em um um tom triste.
A garota percebe isso e fala:
-- Eu sei que está preocupada com o dia de amanhã, mas não se preocupe. Se alguém lhe incomodar, eu darei um jeito nessa pessoa. Ninguém mais vai lhe incomodar, Kasumi.
A ruiva agradece e ainda olhava para as estrelas.
-- Quem sabe o que o futuro nos aguarda.-- disse a ruiva.
-- Garanto que ele vai nos reservar coisas boas. Você vai ver.-- disse Jaciara.
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Seis anos se passavam.
O ano agora é 2015. Kasumi agora tem 16 anos de idade.
Tupi estava com Pagã e Jê. Estes têm, respectivamente, 56 anos, 62 anos e 96 anos.
-- Já se passaram seis anos e minha filha já fez 16 na semana passada. -- disse Tupi.-- Queria saber quanto tempo mais tenho para revelar sua origem.
-- Tem razão, Tupi. Pajé, estamos guardando esse segredo dela, faz muito tempo. Precisamos fazer algo sobre.
Jê nada dizia. Estava perdido em seus pensamentos, até que finalmente anuncia:
-- Tragam a menina.
Tupi vai até a sua tenda, pois os três se encontravam perto desta e chamava por Kasumi.
-- Ela disse que já vem.-- dizia o cacique.
-- Estou saindo.-- Dizia uma voz séria e direta ao mesmo tempo.
Kasumi estava bonita. Jê e Pagã ficaram um tempo sem vê-la porque ela estava ocupada treinando com Jaciara, além de não ter muito tempo para vê-los. Kasumi mantinha as mesmas vestes, mas o que muda é que seu cabelo estava mais comprido e mais bonito. Seus olhos estavam mais radiantes e mais belos. Sua pele estava saudável e cada vez mais macia e rejuvenescida. Suas roupas cabiam perfeitamente em seu corpo.
-- Kasumi, você está... Linda...-- disse Pagã.
-- Magnífica.-- disse Jê.
-- Esta é a minha filha.-- Tupi sorri.-- Kasumi, queremos falar com você.
-- Está bem. Podem falar.-- disse a bela ruiva, que também conservava uma aparência gótica.
Tupi, Pagã e Jê decidem revelar a verdade para Kasumi. Qual será a reação de nossa bela ruiva?