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Capítulo 3

Derrota. De alguma forma Amir havia sido derrotado. Ele encarou a garota sorridente à sua frente. A estrangeira de olhos azuis. 

—Você roubou.

Porque essa era a única explicação. Ele havia feito os cálculos, havia contado as cartas e era impossível ela ganhar essa partida. A estrangeira sorriu. 

— Aceite. Você perdeu… por favor, sua espada. 

Ao inferno com essa aposta. Ela havia trapaceado e Amir tinha certeza disso. Não iria pagar uma trapaceira. 

— Não vou te entregar minha espada. Você trapaceou.

A garota soltou um longo suspiro, revirando os olhos. 

— Por que machos nunca aceitam perder? - Ela perguntou ironicamente, para ninguém em especial. Amir sentiu uma veia em sua testa latejar. - Escuta, Aziz, você apostou e perdeu. Aceite a derrota. 

A garota falou cinicamente estendendo a mão. Amir conteve o impulso de estrangulá-la. Trapaceirazinha duas caras. Ele inspirou profundamente, lançando um olhar cortante na direção da garota. 

— Não tinha como você ganhar. Eu contei as cartas e você estava em desvantagem.  

O tom que usou faria metade de seus homens recuarem pedindo perdão. Mas a garota apenas sorriu, como se estivesse se divertindo com o estresse que estava causando. 

— Então você contou? Até onde eu saiba, isso é trapaça. - Amir piscou. Ele não sabia disso. Antes que ele pudesse abrir a boca para se justificar, foi interrompido. - A sua sorte é que foi burro e não aprendeu matemática básica. Agora cumpra sua parte da aposta. 

Burro? Burro?! Ele era uma das pessoas mais inteligentes de toda Aljanub. Apesar de ser um bastardo, filho apenas de uma das esposas do sultão com outro homem, o sultão o aceitou e o nomeou como príncipe. Não por amor, mas graças a todas as conquistas de Amir. 

Ele tinha apenas vinte e quatro anos e já havia ganhado o título de executor, apesar de odiar tal título. Já possuía a marca de tiav desde os dezesseis. Já havia conquistado todo o lado leste em nome do Sultão e derrotado a maioria de seus inimigos. Isso em três anos. Mesmo que agora estivesse se juntando a eles na rebelião. Ele não aceitaria uma ladrazinha vigarista o chamando de burro. 

— Em primeiro lugar… - Ele falou em um tom cortante e frio. O meseiro se encolheu e algumas pessoas se afastaram, como se estivessem esperando um banho de sangue. - Eu não cometo erros. Em segundo lugar, não vou te entregar minha espada. Você roubou. 

A jovem estreitou os olhos e Amir se preparou, mas então ela ergueu a cabeça, como se estivesse ouvindo algo. Provavelmente seu sūdus, dado a marca vermelha que ela apresentava na parte superior de sua sobrancelha. 

Embora não admitisse, Amir invejava aquilo. Pessoas que conseguiam encontrar alguém que realmente se importasse com elas, que se importavam ao ponto de conseguir entrelaçar alma e mente um com o outro. Sua irmã mais nova, Hadia, tinha um sūdus. E apesar de Amir amar a irmã, ela e o sūdus dela eram insuportáveis com qualquer um que não fosse o outro. Ele nunca entendeu como os dois conseguiram a marca, simplesmente haviam voltado de uma viagem com ela falando que fizeram o ritual. E encerraram o assunto. 

— Está com sorte, senhor Aziz. Preciso sair, mas vou voltar para cobrar a aposta. 

Amir cruzou os braços a encarando. 

— Te desejo boa sorte. Ninguém consegue invadir o lugar que eu moro e todas as minhas coisas são altamente bem guardadas. 

A estrangeira sorriu. 

— Sempre gostei de um bom desafio. 

Ela ronronou, antes de sair. Amir revirou os olhos, pegando a bolsa de dinheiro na mesa de jogos e jogando para um garotinho que passava por ali com uma bandeja. 

— Sua gorjeta. 

Ele falou pro garoto, que agradeceu quase saindo correndo. Uma risada baixa soou atrás de Amir e ele se virou a tempo de ver Calleb quase cair da cadeira de tanto rir. O drakin bufou, observando seu amigo, talvez único. 

Amir possuía vinte e quatro anos, já Calleb, um dralekin de pele preta, alto e magro, possuía cento e oitenta e dois anos. Os cabelos azulados passavam pelas orelhas pontiagudas, presos em dreads, arrumados em torno do rosto longo e anguloso. A pele retinta refletia levemente o dourado iluminado pelas lamparinas ao redor das tendas e seus olhos castanhos pareciam brilhar com diversão.

Amir bufou. 

— Quer parar de rir? 

O mais jovem perguntou cruzando os braços com irritação e inclinando o rosto observando o amigo. Amir jamais tentou fazer algum amigo. O esforço constante de estabelecer, e diante disso, manter relações sociais, parecia no mínimo exaustivo. Porém, Calleb, desde que Amir fez quinze anos, vinha se esforçando a fim de ter sua amizade, e aquela altura, definitivamente já a possuía. Por mais que nunca o tivesse chamado assim em voz alta, aquele macho era seu primeiro amigo. E o único também, se não contasse June, a meia irmã mais nova de Calleb, que estava viajando em uma missão em Veldrien. 

Amir a amava como sua própria irmã. June e ele haviam se dado imediatamente bem. A idade próxima com certeza foi um grande fator, já que ambos se juntavam para aporturnar Calleb, constantemente lembrando ao ajudante da cozinha real que ele era um velho de cento e oitenta anos. 

Calleb se levantou, se espreguiçando. Os olhos castanhos brilhando com diversão e otimismo esmagador. O dralekin é uma daquelas pessoas tão boas, que você gostaria de esmagar quem quer que sonhasse em tratá-lo mal. Esse era seu melhor amigo. Amir não o merecia. Não o mereceria jamais. Mas se sentia grato mesmo assim e aceitava ser egoísta o suficiente para aceitar tal presente de Lig. 

— Foi um belo show. Ela definitivamente te deu um golpe. E eu definitivamente vou contar isso na próxima carta que eu mandar para June. 

Calleb falou com diversão, fazendo Amir revirar os olhos verdes. June era como Amir, não como Calleb. Ambos eram assassinos e não se importavam de ter as mãos sujas de sangue. O pai de June a vendeu para o líder dos assassinos do Sultão quando ela ainda era criança. Ele a culpou pela morte da esposa. Calleb foi contra o pai e foi atrás da irmã, conseguindo o trabalho na cozinha.

Ele viu de perto June ser forjada em fogo e sangue. E sempre esteve ali para ela, tentando juntar dinheiro para a comprar de volta. Amir treinava com ela algumas vezes, foi como ambos se conheceram, June e ele. 

E Calleb guardava comida escondida e cuidava dos ferimentos da irmã mais nova. Às vezes até mesmo as de Amir. O dralekin de cabelos azulados não era ruim. Ele foi quem mostrou para Amir que algumas pessoas não eram ruins e realmente, algumas pessoas não eram ruins. Mas também não eram como Calleb. Porque Amir confiava nele, e Amir, não confiava em ninguém, além de sua irmã mais nova e si mesmo.

— Vamos logo, cabelo de blueberry. - Amir resmungou empurrando o amigo de leve. - Vão estranhar se demorarmos demais. 

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