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Olivia
Duas semanas antes do casamento.
Os olhos de minha mãe estavam vermelhos, mas secos.
As lágrimas que ela deveria estar derramando por minha irmã já haviam secado, transformadas em uma raiva que agora pairava sobre mim como uma nuvem pesada. Sentada no sofá da sala de estar, sua postura ereta transmitia mais decisão do que conforto.
— Você entende o que está em jogo aqui, não é? — disse, os olhos fixos nos meus. Sua voz era grave, carregada de um peso que eu conhecia bem.
Balancei a cabeça afirmativamente. Claro que entendia. Como não entender? Desde que minha irmã fugira na noite passada, deixando para trás apenas uma carta amassada com desculpas esfarrapadas, meu destino fora selado. Eu seria a substituta.
“Não posso fazer isso”, eu quis gritar, mas minha garganta não emitiu som algum. Minha voz, que nunca existiu, era uma ausência constante que agora parecia mais cruel do que nunca. Em vez disso, peguei o bloquinho de notas que sempre levava comigo e escrevi rapidamente:
Por que eu?
Minha mãe pegou o papel, leu, e suspirou profundamente.
— Porque nós não temos escolha, Olivia. Você sabe o quanto essa aliança é importante para nossa família. O casamento com Evan garantirá nossa estabilidade. Sua irmã foi egoísta o suficiente para nos abandonar, mas você... — Ela hesitou, buscando as palavras certas por alguns momentos, antes de colocar gentilmente uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha. — Você é forte. Sei que pode fazer isso — Devia me sentir segura com as suas palavras, esperançosa de que no final tudo daria certo, mas não conseguia me sentir assim. Pelo contrário.
Forte. Essa palavra sempre foi usada como um tipo de elogio para mim, mas nunca soou como tal. Ser forte significava carregar os fardos dos outros sem reclamar. Significava aceitar a falta de escolhas, o silêncio imposto pelo meu corpo e, agora, um futuro que não era meu.
Evan Blake. O filho do presidente. Renomado político, amado pelo público, respeitado por todo país. Um homem que, de acordo com os jornais, tinha o mundo a seus pés. Também um homem que eu nunca tinha conhecido pessoalmente, até aquele momento.
A porta da sala se abriu, e ele entrou acompanhado por dois assessores. Alto, impecavelmente vestido em um terno sob medida, Evan emanava uma confiança quase sufocante. Seus olhos castanhos examinaram a sala antes de pousarem em mim. Eu me senti exposta, como se ele pudesse enxergar tudo o que eu tentava esconder.
— Olivia, certo? — Ele disse, aproximando-se. Sua voz era suave, mas firme. Um tom que eu suspeitava ser treinado para convencer, para comandar.
Assenti, segurando o bloquinho com tanta força que meus dedos doíam.
Ele me olhou por um momento, avaliando, e depois se virou para minha mãe, sustentando seu olhar ansioso.
— Eu entendo que essa situação é... inesperada para todos nós. — Ele fez uma pausa, ajustando a gravata como se precisasse de um momento para reorganizar seus pensamentos. — Mas posso garantir que cumprirei minha parte no acordo. Olivia terá tudo o que precisar.
“Tudo, menos liberdade”, pensei amargamente.
Minha mãe sorriu, aliviada, acabando por dar um aceno de cabeça de aprovação. Eu, por outro lado, sentia como se estivesse encolhendo dentro de mim mesma. Como se qualquer decisão que tomasse, não significasse nada, pois no final das contas não teria escolha e acabaria fazendo o que queriam.
Evan se virou para mim novamente.
— Gostaria de falar com você em particular, se isso for aceitável.
Minhas mãos congelaram. Eu olhei para minha mãe, procurando por uma saída, mas ela apenas assentiu, incentivando-me a aceitar. Relutante, levantei-me e o segui até a varanda.
O ar frio da noite envolveu minha pele quando nos afastamos da sala. Ele se encostou no parapeito, cruzando os braços, enquanto me observava. Por um momento, nenhum de nós disse nada. Ou melhor, ele não disse nada. Eu não podia.
— Olha, eu não vou fingir que isso é ideal para nenhum de nós, — ele começou, sua voz mais baixa agora, quase confessional. — Mas há coisas que precisamos proteger. Minha reputação. A sua família. Você entende isso, certo?
Não consegui evitar o olhar cético que lancei a ele. Peguei meu bloquinho e escrevi:
E a minha escolha?
Ele leu, e por um momento algo passou por seus olhos. Culpa, talvez? Mas desapareceu rápido demais para eu ter certeza.
— Eu gostaria que houvesse outra forma, mas... — Ele suspirou, passando a mão pelos cabelos. — Estamos aqui agora. Precisamos fazer isso funcionar.
“Fazer isso funcionar.” Como se fosse uma equação simples, com soluções claras e definitivas. Mas minha vida nunca foi simples.
Eu escrevi novamente:
Você vai me obrigar?
Ele hesitou antes de responder, e dessa vez vi a sinceridade em seus olhos, como se ele quisesse manter isto entre nós.
— Não. Mas eu espero que você veja a necessidade disso tanto quanto eu.
“Necessidade.” Outra palavra que me perseguia desde que me entendia por gente. Sempre havia uma necessidade maior do que meus desejos, maior do que minha voz inexistente.
Dei um passo para trás, sentindo o peso daquela noite se intensificar. Ele pareceu entender que eu não diria mais nada — ou melhor, que não escreveria. Ele acenou levemente com a cabeça, como se estivesse reconhecendo uma linha invisível que eu não queria cruzar. E me peguei mentalmente agradecendo por isto, ainda estava tentando digerir tudo, o “sumiço” de Sophia, minha mãe desesperada, pois isto significava mais do que aparentava e eu... sem qualquer alternativa.
— Boa noite, Olivia. Pense nisso. — Com essas palavras, ele se afastou, deixando-me sozinha na varanda.
O vento acariciou meu rosto, trazendo com ele o som distante do trânsito e o murmúrio abafado das vozes vindas da sala. Peguei o bloquinho novamente e, pela primeira vez naquela noite, não escrevi nada. Em vez disso, fechei os olhos e deixei que o silêncio me envolvesse. Mesmo que quisesse, não conseguiria e duvidava que prestariam atenção em mim.
Dentro de mim, havia uma tempestade. Mas por fora, tudo que podia oferecer ao mundo era o mesmo silêncio que sempre exigira de mim.
