1
Evan
Alguns dias antes.
A sala estava quase escura, iluminada apenas pela luz suave que vinha da rua através das persianas semiabertas.
O ar carregava um leve cheiro de tabaco, misturado ao perfume amadeirado que parecia impregnado no ambiente. Eu estava sentado em uma poltrona de couro preto, o copo de uísque na mão refletindo a luz com um brilho âmbar, enquanto segurava o copo com firmeza, tentando organizar os pensamentos que se misturavam em minha mente.
À minha frente, uma figura se mantinha de pé, encostada à parede. Era difícil discernir os traços exatos naquele momento. Naquele momento não importavam. A presença era o suficiente. Uma presença que eu sabia que poderia manipular as coisas para que tudo fosse resolvido.
— Isso precisa acabar — digo, quebrando o silêncio. Minha voz saiu baixa, mas firme. Cada palavra carregava o peso do descontentamento que vinha crescendo em mim, assim como a necessidade de enfim me ver livre do que estava me aborrecendo.
A figura inclinou levemente a cabeça, um gesto quase imperceptível, mas que denunciava um interesse cauteloso. Não houve resposta imediata, apenas aquele olhar invisível que parecia me avaliar, esperando que eu continuasse.
— Você sabe do que estou falando — acrescentei, virando o copo de uísque e sentindo o líquido queimar minha garganta. Coloquei o copo sobre a mesa ao meu lado com um pouco mais de força do que pretendia. O som ecoou pela sala.
— Tem certeza disso? — perguntou a voz, baixa e controlada. Era uma pergunta simples, mas cheia de implicações.
— Sempre tive. — Minha resposta veio rápida, quase cortante. Me inclinei para frente, apoiando os braços nos joelhos. — Isso não deveria ter acontecido. Foi um erro desde o início. Você sabe tanto quanto eu que isso não é uma solução.
A figura não se moveu. Não havia expressão visível para eu interpretar, mas a ausência de reação era quase pior. Eu sabia que eles estavam processando o que eu dizia, ponderando as implicações.
— Eles acharam que poderiam forçar isso em mim. Que eu simplesmente aceitaria e fingiria que estava tudo bem. — Respirei fundo, tentando conter a amargura que ameaçava transbordar. — Mas não está. Nunca esteve.
— E qual é a alternativa? — a voz questionou. Havia uma leve provocação ali, como se estivesse me testando.
Me recostei na poltrona, deixando minha cabeça cair para trás por um momento antes de falar. O teto parecia um bom lugar para concentrar meu olhar enquanto formulava as palavras certas.
— Você faz o que for necessário. — Minha voz estava mais controlada agora, quase fria. Virei a cabeça para encarar a figura novamente. — Isso precisa desaparecer. De uma vez por todas.
Houve um silêncio prolongado, interrompido apenas pelo tique-taque distante de um relógio em algum canto da sala. Podia sentir a tensão no ar, uma corda esticada ao máximo, prestes a romper.
— Isso pode trazer conseqüências — veio a resposta finalmente. As palavras eram medidas, calculadas. — Você está preparado para lidar com elas?
— As consequências já existem — rebati. Me levantei, caminhando até o bar no canto da sala e enchendo o copo novamente. O movimento me ajudava a conter a impaciência que crescia dentro de mim. — Cada dia que isso continua, as coisas pioram. Para mim, para eles... para todos.
Eu sabia que estava me expondo, mas não importava. Aquela pessoa estava ali porque entendia o que precisava ser feito. Porque era eficiente. Porque não faria perguntas desnecessárias.
— Certo — a voz disse, finalmente. Havia uma aceitação relutante ali. — Mas você entende que, uma vez feito, não há como voltar atrás?
— Sim. — Respondi sem hesitar. — Não quero voltar atrás. Quero isso resolvido.
— Muito bem. Vou cuidar disso. Mas preciso de instruções claras. Nada pode ser deixado ao acaso.
Eu me virei para encarar a figura diretamente. Pela primeira vez naquela noite, senti que estava no controle.
— Certifique-se de que seja discreto. Que não haja ligações. Eu não quero ouvir mais nada sobre isso depois que for feito.
A figura assentiu levemente. Um gesto quase imperceptível, mas suficiente para me garantir que eles entenderam.
— Alguma preferência sobre... como isso deve ser tratado? — perguntou a voz, cuidadosa.
— Faça parecer... natural. Um acidente, talvez. Algo que não levante suspeitas, que faça parecer que não teve como evitar. Sei que pode fazer.
A figura não respondeu de imediato. Em vez disso, houve um leve movimento, como se estivesse ajustando a postura. Finalmente, ouvi um murmúrio de concordância.
— Vou precisar de algum tempo para organizar tudo. Nada pode ser apressado.
— Leve o tempo que precisar — respondi, me sentando novamente e observando a forma nebulosa à minha frente. — Mas não demore demais. Quero isso fora da minha vida o mais rápido possível.
O silêncio voltou a dominar a sala, mas agora era diferente. Havia um entendimento mútuo entre nós, uma concordância implícita de que aquilo estava decidido. O problema seria resolvido. Não importava como.
A figura se afastou da parede, dando um passo em direção à porta. Antes de sair, virou-se ligeiramente para mim, deixando escapar uma última observação:
— Se certifique de que isso é o que você realmente quer. Algumas coisas não podem ser desfeitas.
Não respondi. Apenas observei enquanto eles saíam, a porta se fechando suavemente atrás deles. O som do clique ecoou na sala, deixando-me sozinho com meus pensamentos. Peguei o copo de uísque novamente, girando o líquido no fundo antes de tomá-lo de uma vez.
O que eu realmente quero?
A pergunta pairava na minha mente, mas a resposta parecia cada vez mais clara. Eu não queria isso. Nunca quis. E agora estava prestes a me livrar do problema de uma vez por todas.
Queria me livrar dela e seria exatamente isto que iria acontecer. Aquele casamento nunca era para ter existido e estava na hora de concertar isso.
O uísque queimava na garganta, mas eu não me importava. Naquele momento, tudo o que importava era o silêncio que restava na sala — um silêncio que, em breve, se estenderia para muito mais longe.
