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Evan
O sol da manhã filtrava-se pelas amplas janelas do meu escritório, iluminando o espaço de maneira quase cruel.
A claridade destacava cada detalhe do ambiente: os documentos meticulosamente organizados sobre a mesa, a prateleira de livros alinhados por títulos e a poltrona vazia diante de mim.
Era um lugar feito para transmitir ordem e controle, mas naquela manhã, senti uma desordem rastejando sob a superfície.
A porta se abriu com um leve rangido, e minha mãe entrou, carregando o mesmo ar de elegância fria que sempre a acompanhava. Obviamente que meu secretário tentou intervir a entrada abrupta, mas não adiantou, pela expressão assustada, deduzi que ele havia tentado dialogar mas, que nada no final adiantou.
Ela estava impecável como de costume, vestindo um tailleur bege que parecia escolhido para combinar com o tom de sua preocupação, assim como os cabelos curtos rente ao queixo extremamente alinhados. Seus olhos encontraram os meus e, por um breve momento, vi algo que raramente estava ali: hesitação.
— Evan — Sua voz era baixa, mas carregava o peso de um comando — Acredito que já saiba o motivo da minha visita.
— Bom dia para você também, mãe. — Inclinei-me para trás na cadeira, cruzando as mãos sobre o estômago enquanto observava sua aproximação. Ela não sorriu. Não era uma visita social, e ambos sabíamos disso. Algo a incomodava e já tinha em mente o quê.
Ela se sentou na poltrona à minha frente, ajeitando a saia com um gesto mecânico. Ficou em silêncio por alguns segundos, seus olhos percorrendo o espaço antes de finalmente pousarem em mim mais uma vez, a expressão sem transparecer os pensamentos que deveriam estar rodeando sua mente.
— Você tem certeza de que esse casamento deve continuar? — A pergunta veio sem rodeios, como se ela precisasse arrancá-la da garganta.
— Absoluta. — A resposta saiu mais rápida do que pretendia, mas não tentei suavizá-la. Encarei-a de volta, mantendo meu tom firme. Já havia tomado uma decisão e só tinham que aceitá-la — Não podemos permitir que a decisão impulsiva de Sophia comprometa tudo o que foi planejado.
Minha mãe suspirou, os ombros relaxando por um instante antes de se retesarem novamente, como se esforçasse para entender aonde queria chegar afinal.
— Evan, você sabe o quanto essa união importa. Eu fui a primeira a apoiar essa aliança quando ela foi proposta. Mas substituir Sophia por Olivia assim... Eu me pergunto se você realmente entende as implicações disso.
A diferença entre Sophia e Olivia era gritante, tinha que admitir, tanto fisicamente, quanto psicologicamente e é óbvio que para ocupar o lugar de esposa ao meu lado, ela optaria por alguém como Sophia, uma mulher que chamava atenção sem ao menos abrir a boca, entretanto, não era exatamente o que eu queria.
— Olivia é a escolha óbvia, considerando as circunstâncias. — Inclinei-me para frente, apoiando os cotovelos sobre a mesa. — Nós dois sabemos que esse casamento nunca foi sobre amor ou afinidade pessoal. Trata-se de consolidar alianças. Olivia pode cumprir esse papel tão bem quanto Sophia, talvez até melhor.
Ela arqueou uma sobrancelha, como se duvidasse.
— Melhor? Ela é muda, Evan. Já imaginou como isso será interpretado pela mídia? Pelas pessoas??
Eu fechei os olhos por um momento, reprimindo a irritação que crescia em meu peito. Quando os abri, meu tom era mais contido, mas ainda firme.
— Olivia é mais capaz do que você imagina. Ela entende o peso dessa decisão. E não subestime o impacto que sua história pode ter. Uma noiva que supera as adversidades para cumprir um dever maior... é exatamente o tipo de narrativa que as pessoas adoram.
Minha mãe riu, mas não havia humor em seu riso.
— Você sempre pensa em termos de narrativas e estratégias. Mas e quanto à própria Olivia? Você sequer perguntou o que ela quer?
— Ela entende que isso é necessário. — Minha resposta foi firme, mas a imagem dos olhos dela na noite anterior me assombrou. Havia algo ali, algo que eu não consegui decifrar.
Minha mãe inclinou-se para frente, seus olhos fixos nos meus.
— Evan, você é um homem inteligente, mas não cometa o erro de pensar que pode controlar tudo. Uma mulher como Olivia pode surpreendê-lo.
— E eu estarei pronto para isso. — Minha voz era um pouco mais fria agora. — Mas este casamento vai acontecer. Acima de tudo, ele precisa acontecer.
Por um momento, ela apenas me encarou, como se estivesse tentando ler algo em meu rosto. Finalmente, ela suspirou e recostou-se na cadeira.
— Espero que você saiba o que está fazendo.
— Eu sei. — E sabia mesmo. Pelo menos, era o que dizia a mim mesmo.
Ela se levantou, ajeitando a bolsa no ombro.
— Não vou interferir mais. Mas lembre-se, Evan: uma escolha feita por conveniência pode custar caro mais tarde.
Não respondi. Apenas a observei sair do escritório, a porta fechando-se com um clique suave. O silêncio que se seguiu foi quase ensurdecedor. Fiquei ali por um momento, encarando a madeira escura da porta, antes de desviar o olhar para a janela.
“Uma escolha feita por conveniência pode custar caro mais tarde.”
As palavras dela ecoaram em minha mente enquanto eu fitava a paisagem da cidade, os arranha-céus se erguendo como monumentos ao poder e à ambição. Eu sabia que ela estava certa. Sempre esteve, de certa forma. Mas este casamento não era uma questão de desejo ou felicidade. Era uma questão de necessidade. E, acima de tudo, eu precisava garantir que tudo permanecesse sob controle.
Peguei o telefone na mesa e disquei um número familiar. A voz de um dos meus assessores atendeu do outro lado.
— Senhor Blake, em que posso ajudar?
— Organize uma coletiva para a próxima semana. Quero que tudo esteja pronto para anunciar oficialmente o casamento. Não deixe escapar nenhum detalhe.
— Entendido, senhor.
Desliguei o telefone e recostei-me na cadeira novamente. O peso da decisão já não era novidade. Eu o carregava como uma armadura, pesada, mas necessária. Olivia e eu encontraríamos uma maneira de fazer isso funcionar. Porque falhar não era uma opção.
A final, algumas batalhas não eram vencidas com sentimentos ou escolhas livres. Eram vencidas com determinação. E eu estava determinado a vencer essa.
