Confusão na Praça do Pavão
30/06/2008
Doutora Relógio
Era final de tarde quando estava saindo do trabalho. Até que me dei bem com os meus colegas, mas não quero mostrar nenhum indício de amizade, afinal, assim como o meu eterno rival, Lupa, eu não somente desconfio como também odeio as pessoas. Meu trabalho tende a atendê-los e faço isso com bom gosto, mas não gosto de manter muitas relações, tanto que assim como o Lupa, eu me relacionei poucas vezes e dessas mesmas vezes que me relacionei, só foram abusos, mas não era eu que sofria e sim aqueles que se relacionavam comigo, justamente porque eu odeio as pessoas. Lupa pode amá-las e sempre ajudá-las, mas eu mesmo que ajude, eu as odeio.
Decidi parar na Praça do Pavão, um lugar que sempre tem pessoas fazendo picnic ou crianças correndo por aí brincando. Tem até mesmo alguns universitários que ficam estudando por ali. Enfim, são diversas as atividades, como pessoas brincando com os seus cachorros, um casal de namorados conversando e se beijando ou então um grupo de idosos que ficam jogando xadrez. Sim, em questão de um dia já percebi como funcionam as atividades da Praça do Pavão.
É um lugar bem grande, de fato. A grama sempre está aparada, tem muitos bancos e latas de lixo, há quatro quadras de futebol e de vôlei e tem de fato muitas árvores. Decidi ficar sentada em um banco fumando e bebendo meu café que comprei na lanchonete. Estava cansada no primeiro dia e decidi descansar um pouco e aproveitar aquele pôr-do-sol que me surpreendeu em aparecer mais cedo. Cinco minutos mais adiantado. Pelo visto está mais cansado do que eu, rei da manhã e da tarde.
Fumei um pouco do meu cigarro, enquanto aquelas pessoas que narrei estavam se recolhendo aos poucos, foi quando eu vi uma garota loira de cabelos compridos presos a um coque, usava roupas extravagantes de cores vermelhas, botas da mesma cor e carregava uma bolsa não muito grande pela alça que estava em seu braço esquerdo. Ela estava passando por mim, trocando olhares. Achei aquilo esquisito. O que ela queria? Será que ela notou que não sou daqui?
Ela se sentou em meu lugar sem pedir autorização. Mas que audácia dessa mulher. E pelo visto era uma prostituta. Suas roupas estavam desarrumadas, seu rosto parecia suado e ela estava com uma expressão cansada. De repente ela me olha e eu apenas a olhava também.
— Quem diria que temos gente da cidade grande por aqui. — Ela deu uma risada, enquanto olhava o sol se pôr.
— Por que está sentada do meu lado? Eu não pedi para você ficar aqui. — Respondi com uma voz autoritária, mas parece que ela não deu ouvidos. De repente ela deitou no meu colo e passou a mão em meu rosto.
— Desculpa, prometo não fazer mais isso. — Ela disse com uma voz manhosa. — Eu só queria descansar um pouco nesse banco, porque eu gosto de observar o pôr-do-sol nele, que é lindo. Você deixa, moça?
Levantei-me mesmo que ela estivesse deitada no meu colo e ela ficou dormindo. Que mulher estranha. De repente ela aparece e me expulsa de onde estava observando o pôr-do-sol. Não dei muita importância. Terminei de beber meu café e coloquei o copo no lixo. Eram cinco e meia da tarde e eu queria mesmo era tomar um banho, mesmo que estivesse frio nesse momento.
No entanto, eu não queria deixar aquela mulher sozinha dormindo. Estava anoitecendo e vai saber os perigos que se tem nessa cidade quando está de noite. Olhei para ela e vi ela com os olhos quase fechados, sorrindo, enquanto admirava o pôr-do-sol, que se despedia de nós. Decidi fazer companhia para ela e indaguei:
— Como você se chama?
Ela me olha e faz uma pergunta:
— Por que está aqui? Quer dormir comigo? Bem, com mulheres eu não costumo trabalhar, mas como hoje é segunda e não tive uma boa clientela…
— Entendi. Você é uma prostituta. — Disse, usando das minhas deduções.
— Sim, você acertou. Eu sou muito conhecida aqui em Colina Verde e…
— Sim, eu sei. É uma população muito pequena. Cerca de apenas 500 habitantes. De fato é uma população não muito grande, muito menos é conhecida no país.
Ela sorriu para mim e respondeu:
— Gostei de você, sabia? Qual seu nome?
— Eu não costumo revelar meu nome para os outros. — Joguei meu cigarro no chão e fui pegar dois, oferecendo um para ela. — Você fuma?
— Obrigada. — Ela aceita e acendi meu cigarro e depois o dela.
— Como eu ia dizendo. — Disse, depois de dar uma baforada no meu cigarro. — Eu não costumo revelar meu nome, mas pode me chamar de Relógio.
Ela começou a rir, afogando-se com o cigarro.
— Nossa, já temos o Lupa e agora teremos a Relógio? Insano. Daqui a pouco teremos o Trapézio. — Ela ri e tosse ao mesmo tempo, dando-me vontade de rir. Não gostava de socializar com as pessoas, mas até que eu estava gostando de conversar com aquela prostituta. — Bem, meu nome é Gabriela Asa.
— Muito prazer, Gabriela Asa. — Respondi, depois de mais uma baforada no meu cigarro. — Há quanto tempo está trabalhando como prostituta?
— Bem, eu tenho 37 anos, então faz 10 anos.
Fiquei impressionada com a idade dela. Ela é um ano mais nova que eu, mas parece ser mais jovem.
— Ficou impressionada? Você deve ser bem bonita e ter muita idade. — Disse a Gabriela Asa.
— Eu tenho 38 anos, mas muitos dizem que tenho aparência de homem e jeito de homem.
Ela fez cara de malícia e disse:
— Gostei disso. E o que você é? Uma empresária?
— Sou advogada. Fui transferida para cá.
— Entendi. — Ela dá uma baforada no cigarro e põe no chão, depois que terminou. — Será que pode me fazer um favor?
— O que precisa?
— Queria que você me deixasse em casa. É longe daqui da praça e eu estou cansada.
— Onde fica sua casa? — Dei mais uma baforada no cigarro, após fazer essa pergunta.
Ela apontou para a minha direita e fiquei surpresa. É perto de onde o Lupa trabalha. Confirmei que sim com a cabeça, mas antes, acabei falando:
— Só não quero que faça bagunça no meu carro e vai sentar no banco de trás. — Tive que dar essa última condição porque odeio as pessoas e não quero ninguém perto de mim. Gabriela Asa devia agradecer a minha gentileza, senão nem carona estava dando.
— Você quem manda. — Ela responde e antes de irmos, escutamos um tiro vindo do outro lado da praça.
Várias pessoas estavam correndo, as que restaram na praça eram poucas, mas estavam desesperadas e corriam para o lado oposto de onde estavam.
— Mas o que foi isso? — Indaguei.
— Um tiro. — Respondeu com uma voz irônica a Gabriela Asa.
Nem queria discutir com ela. Decidi averiguar o que estava havendo. Sei que era perigoso, mas o que poderia ter acontecido? A minha curiosidade falava mais alto. Gabriela Asa correu junto comigo. O ruim é que não foi muito rápido, porque nós duas estávamos de sapato de salto e era ruim correr desse jeito.
Vimos uma outra mulher loira correndo desesperada. Ela usava um casaco azul claro, uma calça jeans e um tênis esporte. Ela parecia de fato desesperada, tanto que quando nos viu, jogou-se em meus braços, mas eu me esquivei e ela caiu no chão.
— Perdón! Perdón! — Ela dizia.
Pelo visto ela era estrangeira, por falar assim.
— Tem um hombre ali! Precisamos fugir dele! — Ela grita com as palavras carregadas de sotaque. Pelo modo como ela fala, deve ser argentina.
Olhamos para frente e vimos um homem com uma capa preta e capuz, que lhe cobria o rosto. Ele aponta a arma para nós e eu falei:
— Ele tem 2 segundos para atirar! Precisamos ser ágeis agora! Venham!
Nós três saímos correndo e, nesses dois segundos, ele atira, mas erra o tiro. Decidi atrasá-lo e peguei uma pedra, jogando na direção dele, que teve que se esquivar. Ele continuava atirando, mas a sorte é que ele não nos atingiu, mesmo que eu ouvisse um grito do meu lado.
Depois de muito atirar, o homem desiste de correr atrás de nós e se vira caminhando como se fosse uma alma penada ou um zumbi.
×××
30 de junho de 2008
Gabriela Asa
— Meu Deus! Estamos vivas! Graças a Deus! — Gritou aquela tal de Relógio.
Chegamos no lugar onde ela e eu conversamos e combinamos de me levar para casa. A gringa que estava conosco estava ofegante de tanto correr e então, eu comecei a sentir uma dor na minha cintura, enquanto nós três estávamos comemorando.
— Gabriela Asa! Você está bem? — Indaga a Relógio, preocupada comigo.
Eu comecei a sentir dores naquela região e ela tira minha mão de cima para ver o que era. A bala teria penetrado em mim e rasgado de alguma maneira a minha roupa naquela região.
— Meu Deus, Gabriela Asa! Precisamos salvar você! Eu mesma farei isso! — Disse a Relógio.
A gringa estava olhando para nós e parecia preocupada com o meu atual estado. Puxa vida. Ambas estavam preocupadas comigo, isso não é bom? Ninguém nunca se importou comigo, só se lembrava de mim nos momentos de prazer.
— Você tem algum objeto consigo? — Relógio indagou para a gringa, que tentava encontrar algo em sua bolsa.
— Eu perdi meu brinco. — Disse manhosa para a Relógio.
— Cala boca, menina. Preciso salvar sua vida. — Ela volta a olhar para a gringa, que mexia em sua bolsa.
Depois de muito revirar, a gringa tirou uma lixa. Relógio fez uma expressão de não ter gostado muito do objeto que lhe apresentara, mas não tinha muita opção. Ela pegou a lixa e enfiou em mim (no bom sentido).
— AAAAAAAAI, RELÓGIO! ESTÁ MACHUCANDO! PARE! — Gritei para ela ao sentir aquela coisa dentro de mim.
— Fica quieta. Eu preciso enfiar isso em você. — Respondeu a Relógio.
— Mas já está doendo.
— Segure minha mão então. Mas eu tenho que enfiar.
A gringa se segurava para não rir. Sim, parecia que ela estava enfiando algo em mim, mas era. Uma lixa dentro da parte onde levei um tiro.
— RELÓGIO, NÃO ENFIA TÃO FUNDO!
— Mulher, não grita desse jeito! Vão pensar que estamos fazendo outra coisa!
A gringa começou a rir e eu queria enfiar aquela lixa naquela região dela.
— RELÓGIO! AAAAAHHH! ESTÁ DOENDO! PARA!
— Falta pouco. Aguente.
Vão pensar que estamos loucos em falar este tipo de coisa, mas era verdade. Ela enfiava com vontade aquilo. Eu sei que ela quer me salvar, mas estava machucando.
— Relógio… Eu vou…
Ela acabou tirando algo que estava dentro de mim para fora. Era uma bala e eu estava ofegante.
— Ai meu Deus. Você foi com tudo.
— Pare de dizer essas coisas com duplo sentido! — Responde a Relógio, irritada de como estava me referindo a ela.
Eu fiquei vermelha ao rir pensando nela comigo no ato. Vi a gringa se matando de rir, mas parou ao ver aquela bala dentro de mim.
— Mi Dios. Isto estava dentro de você, mujer? — Ela indaga.
— Sim, estava dentro dela. — Responde a Relógio. — Temos que levar a Gabriela Asa para o hospital e depois passar na delegacia de polícia. Aquele homem é muito perigoso e algo me diz que ele…
— Aquele hombre queria me assediar. — Responde a gringa. — Aliás, não me apresentei. Me llamo Emilia Marenguez. Soy…
— Argentina.
— Como sabes?
— Eu já viajei para a Argentina de férias e confesso que é bem interessante o país de vocês.
A tal de Emília Marenguez sorri e responde:
— Gracias. Me gusta mucho del Brasil.
Relógio sorri para ela e fala seu apelido.
— Eu me chamo Gabriela Asa. — Disse para a gringa.
— Encantada de conocerlas. Pero, por que seu apelido é Reloj?
— Porque eu estou sempre de olho no tempo e isso é um fato. Já faz cinco minutos, quarenta e cinco segundos e dois décimos que pude conhecer duas pessoas ao mesmo tempo aqui nesta cidade.
— Estupendo! — Disse a Emília Marenguez.
— Meninas, eu odeio atrapalhar a conversa de vocês, mas eu acho que preciso ir ao hospital logo.
— Oh sí sí. — Responde Emília.
— Você vem conosco, Emília? Só assim pode conhecer um pouco da cidade. — Sugeriu Relógio.
— Ya la conozco. Vivo aqui en la cuidado faz uns dois meses.
— Interessante. Eu mesmo que esteja aqui há dois dias, já aprendi rápido onde ficam os lugares que eu quero ir e o trajeto para o trabalho. Mas não vamos nos esticar muito no assunto. Temos que levar a Gabriela Asa para o hospital.
Relógio me pega e me leva para o carro dela. Emília Marenguez abriu a porta do banco de trás e a Relógio me joga no carro, fazendo com que eu bata a cabeça na outra porta.
— Doeu! — Falei para ela.
— Desculpe. — Responde Relógio, que fecha a porta do carro e entra pela do banco do motorista. Emília Marenguez entra na porta do carona.
— Vamos lá. — Disse a Relógio, que confesso que já a considero como minha amiga. Mal nos conhecemos e ela está me salvando para que não sofra o pior.
Mas antes dela ligar o carro, ela abaixa o vidro e pega um cigarro para fumar. Meu Deus, quantas cartelas de cigarro ela fuma? Acendeu o cigarro que estava na boca e deu uma baforada. Emília Marenguez só ficou observando.
— Você fuma? — Indaga Relógio para a gringa.
— No. — Ela responde.
Agora sim. Relógio liga o carro e começa a partir.
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30/06/2008
Doutora Relógio
Depois de termos deixado Gabriela Asa no hospital, levei a Emília Marenguez para a casa dela. Incrível que mal era meu primeiro dia de trabalho e já tive contato com duas pessoas. Mas eu não queria nada com elas, nem mesmo amizade, que se acontecesse, acredito que não vá ser por muito tempo.
— Gracias pela carona! — Disse Emília Marenguez, entusiasmada.
Eu apenas sorri para ela com a boca fechada e vi ela entrar em sua casa. No entanto, eu não arranquei o carro para sair. Já eram seis e quinze da noite e o céu já estava escuro. Fazia mais frio que antes e o vento estava se manifestando em forma de brisa.
Peguei mais um cigarro que tinha comigo. Já era o último. Dei uma tossida e o acendi. Dei uma baforada e peguei meu celular. Disquei um número nele e estava esperando que o destinatário atendesse.
— Alô?
— Olá, Detetive Lupa. — Disse sorrindo.
— Essa voz… Doutora Relógio?
— Isso mesmo.
— O que você quer de mim agora? Estou chegando em casa.
— Bem, eu tenho uma missão para o meu rival. Quero que me comprove que você é bom em investigar os casos que têm em Colina Verde.
— Comprovar? Do que está falando?
— Eu vou explicar a situação. Um homem usando uma capa e um capuz preto chegou atirando nas pessoas que estavam na Praça do Pavão. Vi que uma mulher foi baleada e a levei para o hospital e…
Ele começou a rir.
— Pensei que a Doutora Relógio não gostasse das pessoas.
— Bem, tudo tem uma primeira vez.
— Está bem.
— Mas e então? Vai resolver esse caso que falei para você ou não?
— E por que está me contatando?
— Porque eu quero ver se você é tudo isso que falam.
Ele ficou quieto durante uns dois segundos e escutei um barulho de mastigação. No mínimo estava comendo chocolate.
— Passe amanhã de manhã na delegacia para vermos o que podemos fazer.
— Certo. Nos veremos amanhã, meu rival. — Ele desliga na minha cara. — Mal educado. — Dei mais uma tragada no cigarro, enquanto ligava o carro e saí da frente da casa da Emília Marenguez.
Tudo isso aconteceu em uma única noite e alguém perguntou se eu estava disposta a passar por tudo isso?
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Dia 1 de julho de 2008
Detetive Lupa
Era meio-dia e ainda não havia nenhum sinal da presença da Doutora Relógio. Ela disse que iria passar na delegacia, mas ela nem chegou a dar vestígios. Parecia que ela só estava brincando comigo e não havia nada do que disse sobre o que ela mencionou em sua ligação.
No entanto, não estava preocupado com ela, apenas não entendia a sua atitude de ontem. Será que o suposto homem que a atacou na praça soube que ela ligou para mim de alguma forma? Impossível. Não teria como ele ter feito isso. Pode ser que a Doutora Relógio estivesse envolvida em seu trabalho e não deu tempo dela vir até a delegacia. De qualquer forma ou outra, ainda tinha o resto do expediente para ela vir fazer sua denúncia.
— Lupa. — Uma voz feminina me chamava, estando próxima a mim. Olhei para o lado vi que era minha nova amiga, Alice Lopes.
— O que deseja, Detetive Alice? — Indaguei.
— Queria saber se você não quer almoçar comigo. Vou ali naquele restaurante que fica em frente à delegacia. — Ela respondeu.
— Bem, eu…
— Senhor Lupa! — Um policial chega em nossa sala e esclarece o motivo de sua presença. — A Doutora Relógio. Ela quer falar com você.
— Fale com ela. Eu posso esperar você para almoçar. — Esclareceu Alice Lopes, que se senta em sua escrivaninha.
O restante do pessoal olhava para mim como se eu fosse a causa do que estava para vir. No entanto, eu os ignorava.
— O que o Lupa fez? Que feio. — Dizia Eduardo Mendes, em um tom debochado.
No entanto, eu o ignorei. Não gostava de deboches e eu os repreendia com a minha frieza. Como ele percebeu isso, abaixou a cabeça e voltou a trabalhar.
Levantei-me da minha cadeira e fui com o policial.
— O que será que ela quer? — Indagou Ketlin Mahoney, que tirava o jaleco para bater o ponto para almoçar.
— Eu não sei. Se ela quiser falar com o Lupa deve ser a respeito de trabalho ou então uma briga à toa. — Respondeu Jane Marple.
Eu ouvi tudo isso antes de sair da sala. No entanto, eu estava ciente do que seria e por isso mantive toda a minha calma. Eu sabia do ocorrido. Não tinha por que estar nervoso naquele momento.
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Dia 1 de julho de 2008
Doutora Relógio
Estava esperando o Lupa naquele momento, louca para fumar um cigarro. A delegacia tinha uma recepção, que ao lado estava um corredor com acesso a três caminhos, que eu não sabia quais eram. Havia algumas cadeiras de espera na frente da recepção, estando as mesmas enfileiradas contra a parede. Estava sentada em uma delas. Havia um bebedouro no lado oposto onde estavam as cadeiras e uma planta ao lado do bebedouro. Era bem bonita a delegacia, confesso. Bem organizada também.
Depois de alguns minutos esperando, vi o Lupa saindo do corredor, sendo acompanhado pelo policial que estava na recepção e foi chamá-lo.
— Está atrasada, Doutora Relógio. — Ele disse para mim.
— Eu não disse o horário que viria.
— Mas poderia ter dito, para eu saber quando viria. Estava lhe esperando desde a hora que começou o expediente.
Virei o rosto para o lado rindo.
— Estava preocupado comigo?
— Não é por intenções amorosas, se está levando por esse caminho, mas sim que estavam vindo e indo teorias em minha mente. Você conhece a mente humana quando alcança certo nível de inteligência. Tende a teorizar várias coisas ao mesmo tempo, a gerar vários pensamentos em horários aleatórios e tipos de pensamentos aleatórios e…
— Chega desse discurso. Parece um padre citando seus sermões. — Interrompi ele, porque não estava com cabeça para ouvir suas explicações. — Antes de fazer a denúncia, quero fumar meu cigarro. Você me acompanha?
— Está bem. — Ele responde, depois de um suspiro.
Nesse momento, fomos para o lado de fora da delegacia.
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Dia 1 de julho de 2008
Detetive Lupa
Abri a embalagem de meu chocolate e o mordi, mastigando em seguida. Vi a Doutora Relógio acender seu cigarro e dar uma baforada para o lado.
— Muito bem, vou relatar tudo o que aconteceu ontem. — Ela disse. — Estava aproveitando o pôr-do-sol, depois de um longo dia de trabalho, quando vi uma prostituta que queria fazer companhia para mim.
— Gabriela Asa. — Disse na hora.
— Você a conhece?
— Sim. Ela já tentou várias vezes querer fazer sexo comigo, mas eu sempre pago uma quantia de dinheiro. A última vez que fiz sexo foi…
— Não quero saber, homem. Deixe-me continuar. — Ela dá mais uma tragada em seu cigarro e continua a contar o relato. — Confesso que nasceu uma amizade ali, mesmo que eu não quisesse. Confesso que penso em dar uma boa vida para ela e fazer com que ela saia desse mundo. Sim, ela não teve escolha, mas e se ela pega um homem que tem uma doença sexualmente transmissível? Então começamos a conversar e ela me pediu para eu levá-la à sua casa, quando começou a ficar mais escuro.
— Entendo. — Dei uma mordida em meu chocolate e continuei a ouvindo.
— Foi quando escutamos um barulho de tiro. Olhamos para o origem de onde pôde ser ouvido e fomos correndo para ver o que houve.
— Não deviam ter feito isso.
— Eu sei disso. Mas a curiosidade falou mais alto e então, vimos que era um homem usando uma capa e capuz. Parecia uma fantasia da Morte.
Aquilo me chamou atenção. Já recebemos essa denúncia várias vezes nos meses anteriores, mas estava de férias naquela época e não tinha muito conhecimento do caso. Deixaram para eu investigar, mas Jane Marple acabou se esquecendo e surgiram mais casos em seguida. Somente Alice Lopes e eu temos conhecimento desse caso e parece que quando íamos investigar, escutamos boatos do desaparecimento daquele indivíduo.
— O Ladrão das Mulheres. — Comentei com a Doutora Relógio.
— O que disse?
— O Ladrão das Mulheres. Ele esteve há muito tempo matando, roubando e estuprando as mulheres. Todas as mulheres de Colina Verde tinham medo de chegar na Praça do Pavão por causa disso. Foi ali que ele as atacou?
— Sim. — Respondeu a Doutora Relógio.
— E a Gabriela Asa? Onde ela está?
— No hospital. Ela foi atingida na perna, mas eu consegui remover a bala.
— Entendi. — Coloquei o restante do chocolate em minha boca e amassei a embalagem, guardando-a no bolso. Estava pensativo nesse momento. Por que o Ladrão das Mulheres apareceu de repente? Qual a causa disso tudo? De fato era um grande mistério, mas para saber o que o motivou a fazer isso novamente, teria que entrevistar Gabriela Asa para ter uma noção do que poderia ser.
— Está pensativo, Detetive Lupa? — Indagou Doutora Relógio.
— Sim. — Respondi, ainda perdido nos pensamentos.
Ela deu um sorriso de canto e voltou a fumar mais um cigarro, esperando que eu desse a minha posição a respeito desse caso.
Depois de muito pensar, pude finalmente me pronunciar:
— Vou relatar esse caso para Jane Marple e por hora pode ficar sossegada. Deixe que as autoridades assumam agora.
— Você quem manda. Vou ficar aqui fumando. Não quero voltar para a Ordem dos Advogados tão cedo. — Ela disse, indo se recostar em seu carro. Estava tragando seu cigarro e depois de uma baforada.
— Faça o que quiser. Vou almoçar com a minha colega. — Comentei e adentrei a delegacia.
— Bom almoço! — Gritou a Doutora Relógio.
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Dia 1 de julho de 2008
Alice Lopes
Depois de quinze minutos, vi Lupa chegando na sala.
— O que ela queria, Lupa? — Indagou a Jane Marple.
Lupa foi até ela e respondeu:
— A partir de agora, ficarei responsável do Caso do Ladrão de Mulheres.
Todos olharam desentendidos. Mas eu sabia a causa. O Ladrão das Mulheres fazia de nossas vidas um inferno, sempre que íamos à Praça do Pavão. Ele atacava apenas uma mulher que estivesse sozinha. Não atacava quem tivesse com homens, outra mulher ou uma criança. Até mesmo idosos ele evitava. Só atacava mulheres sozinhas, o que era um perigo.
— Estranho esse Ladrão das Mulheres voltar. — Disse Bruno Jalkh. — A Doutora Relógio foi atacada?
— Não, mas a prostituta Gabriela Asa sim. Ela levou um tiro na perna e está no hospital. A Doutora Relógio fez sua parte em salvá-la, agora ela está nas mãos dos médicos. — Respondeu o Lupa.
Jane Marple parecia pensativa. Já era hora de desenterrar esse caso. Tinha que ser resolvido logo. Tínhamos uma ótima equipe, apesar de simples, mas mantemos Colina Verde uma das cidades mais seguras do mundo.
— Bem, vamos reativar o caso, já que o Ladrão das Mulheres voltou a estar em atividade. — Disse a nossa administradora.
— Ótimo. — Lupa sorriu, piscou para mim e ainda disse. — Vamos almoçar, Detetive Alice?
— Vamos. — Respondi, sorrindo para ele. Bati meu ponto e esperava ele bater o dele. Depois de feito, saímos da delegacia e fomos no restaurante que ficava na frente da mesma.
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Dia 1 de julho de 2008
Detetive Lupa
Estávamos no restaurante, a Detetive Alice e eu. Ele abriu recentemente, mas os pratos que têm, são muito gostosos. Alice Lopes convidou a Doutora Relógio para almoçar conosco, mas ela não quis. Não gostava de socializar nem um pouco, ainda mais quando eu estava junto.
O restaurante tem paredes vermelhas com detalhes em amarelo. Bem espertos eles. São cores que despertam a fome em nós, meros mortais. Havia várias mesas e cadeiras, de cores pretas, algumas brancas e outras cinzas. O piso era de madeira e o balcão de atendimento era bem grande. Tinham cinco cozinheiros e cinco garçons, mas apesar do estabelecimento ser grande e o funcionalismo não ser tão grande, eles ainda se davam conta, o que me surpreendia.
Nesse momento, estava comendo arroz, feijão e um bife. Alice Lopes estava comendo espaguete com queijo e bebemos refrigerante para mim e café para ela. Estávamos falando sobre vários assuntos nos primeiros quinze minutos, foi quando eu decidi falar de trabalho com ela. Não gostava de fazer isso, mas depois do que a Doutora Relógio me falou, eu tinha que resolver esse caso. Sabia que ela não estava mentindo, porque ela falou confiantemente no que aconteceu e mantinha contato visual.
— Bem, Alice. — Falei em um tom mais alto. — Hora de falarmos sobre esse caso. — Agora falei mais calmo.
Ela terminou de beber seu café e confirmou com a cabeça que sim, querendo que eu me dirigisse ao assunto.
— Esse caso do Ladrão das Mulheres. Parece que nos pegou de surpresa.
— Sim, é verdade. — Ela respondeu.
— Eu já me decidi. Vou entrevistar todas as pessoas que testemunharam aquele tiroteio, mas o problema era quem estava lá, não dá para saber.
— Então tem que entrevistar a Gabriela Asa mesmo. — Respondeu Alice Lopes.
— Ou… — Veio algo em minha mente. — Eu fale com a Jane Marple para me ver a relação das últimas vítimas do Ladrão de Mulheres.
Alice ficou com os olhos mais claros, como se encontrasse uma solução pela minha sugestão.
— Uma ótima ideia! — Ela disse.
— Eu sempre tenho ótimas ideias. Afinal eu sou o Detetive Lupa. — Dei uma risadinha.
— Então vamos entrevistar as pessoas que foram vítimas dele. — Rssponde Alice Lopes.
— Sim, mas ainda temos mais meia hora de nosso intervalo. Vamos aproveitá-lo. Só queria fazer esse parênteses.
Alice Lopes riu e confirmou com a cabeça. Às vezes me pergunto se isso é uma amizade verdadeira. Alice Lopes sempre me apoiando em minhas decisões e confesso que estou me sentindo mais íntimo quando falo com ela. Não sei explicar bem isso, mas só sei que sempre quando estamos juntos, sinto as ideias fluírem melhor e pararem de brigar entre si.
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Dia 1 de julho de 2008
Jane Marple
Já era uma hora da tarde. Eu estava quase saindo para almoçar. Ainda estava em minha escrivaninha, arrumando minhas coisas, antes de sair, quando escuto barulhos de sapatos indo até nossa sala e vejo Lupa e Alice Lopes chegando.
— Bem, minha vez. — Dizia eu.
Bruno Jalkh também estava pronto para almoçar. Ele costuma trazer comida de sua casa, enquanto eu vou ao mesmo restaurante onde foram Alice Lopes e Lupa hoje.
— Senhora Jane, antes de ir almoçar, receio que tenha que incomodá-la. — Lupa veio até mim, antes que eu fosse bater cartão.
— O que deseja?
— A lista das vítimas do Ladrão das Mulheres.
Fiquei pensativa e logo depois de ter me lembrado, falei para ele:
— Vá na minha pasta. — Dei todas as coordenadas para ele e me aprontei para ir almoçar.
Lupa fez o que eu pedi, enquanto eu batia meu ponto.
— Obrigado, Senhora Jane! — Disse o detetive, enquanto eu saía.
— Volto logo! — Afirmei e Bruno Jalkh vinha logo atrás de mim.
— Comportem-se, crianças! — Ele disse.
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Dia 1 de julho de 2008
Eduardo Mendes
— Crianças. Eu devo ser mais velho que aquele Papai Noel.
— Falar mal dos outros é feio, Mendes. — Disse a Alice Lopes.
— Ele bem que ouviu que eu sei. — Escuto um espirro ecoando no corredor e o Lupa se assusta em choque. Eu ia caçoa-lo, mas ele anda muito de mau humor que decidi ficar quieto.
Escutei barulhos das rodinhas da cadeira e era a Alice Lopes que estava olhando o computador do Lupa junto com ele. Esses dois ficaram muito íntimos de repente. Será que entraram em um relacionamento? Às vezes me pergunto isso.
— O que estão olhando? — Decidi dar uma olhada, já que todo brasileiro é curioso.
— Se quiser nos ajudar, Mendes, vamos hoje passar no hospital onde está Gabriela Asa e fazer alguns questionamentos. — Afirmou o Lupa.
— E essa gente toda que está na tela? — Indaguei para ele.
— Não são muitas pessoas, mas eu diria que como 56% de Colina Verde é composto por mulheres, não vamos questionar essas 56%. Vou rankear a lista de abusos mais sérios e indagar para as primeiras.
— Muito bom. — Disse a Alice Lopes. Pois é, eu acho que eles estavam mesmo namorando. É isso ou eu não me chamo Eduardo Dutra Mendes.
— Bem, estou dentro então. — Comentei.
— Certo. Como Eduardo Mendes vai conosco, às três da tarde vamos sair da delegacia e ir ao hospital, como bons cidadãos que somos. — Disse o Lupa. Que carinha mais "coxinha". Misericórdia.
Ketlin Mahoney terminava de analisar o que estava vendo em seu computador e olha para nós cinco. Ela dá um sorriso e depois volta ao seu trabalho.
Tudo combinado então, como diz a chefia. Nos aguarde, Gabriela Asa! Vamos fazer várias perguntas para você e pegar esse Ladrão das Mulheres!