3. O Que Acontece Nos Kent
Mason debruçou-se sobre o volante e olhou ao redor, aparentemente toda Helltown estava no sítio dos Kent e isso não era o que ele queria, com a Lua Cheia se aproximando, seu lobo estava indócil e provocador e seu maior desejo era deixar-se correr pela mata, já que fosse em território humano ou pra lá da névoa, era sua responsabilidade manter o controle, seu e da fera.
Saiu do carro e seus sentidos foram invadidos por música alta, conversa e odores, fosse do churrasco, do pequeno roedor morto em algum lugar do jardim, ou dos perfumes femininos a medida que entrava na casa. Fez as vezes do xerife boa praça que todos gostavam na cidade, parando para cumprimentar, ignorando a ousadia de uma ou outra garota que esbarrava propositalmente a fim de deixá-lo ciente de sua presença. Mason sorria sem interesse algum desviando-se de cabelos platinados e lábios vermelhos, a preferência de sua fera.
Sua ida até lá, no entanto, tinha um propósito, e pretendia beber com o anfitrião até conseguir amigavelmente autorização para uma busca em suas terras. Seu pessoal havia rastreado possíveis rituais feitos por bruxas humanas, e ele sabia bem que com a proximidade do Halloween, haviam alguns desses pseudo-covens que se propunham a atos cruéis em nome de sua "religião". Não raramente eram feitos sacrifícios, e no Halloween haviam mais crimes do que em qualquer época do ano. Mason não havia sido escolhido para o mundo humano à toa, ele era o homem de maior confiança dos Warg, cujo líder era o representante dos lobos junto aos humanos, Valentim.
E foi devido a benevolência de Valentim que há mais de meio século seres sobrenaturais e humanos cessariam a guerra, e que os sombrios com o mais fortes e poderosos ajudariam no combate à ameaças que julgassem serem de responsabilidade do povo pra lá da névoa. E era exatamente o que Mason fazia, já que por algum motivo algumas áreas onde viviam humanos eram particularmente suscetíveis à esse risco, tal como Helltown, reconstruída décadas depois de ter se tornado uma cidade fantasma, e de onde um clã vampiro e bruxas, apagou completamente da memória das pessoas os assassinatos, possessões, seitas, sacrifícios, e rebeldes remanescentes de clãs e alcateias espalhavam o terror, o medo.
Mason bebeu lentamente sua cerveja enquanto ouvia Charles Kent falando sobre como aquela deveria ser a melhor e sobre como pretendia terminar a noite com algumas chearleaders em sua cama. Apenas riu, sabia que o dinheiro da família Kent era o principal atrativo, e talvez o único que lhe dava alguma vantagem quando se tratava de garotas. Conhecia Charlie a ponto de não estranhar quando ele dizia em alto e bom tom que eram amigos, na verdade até simpatizava com o jeito interiorano do filho mais velho de Leonard Kent, um político ambicioso da região.
– Qual é xerife? Sabe que não precisa de um mandado para andar por aqui – ele deu um tapinha amistoso no braço de Mason – se precisar de alguém que conhece a região, posso acompanhá-lo!
– Seria bom – o xerife concordou, achando que seria providencial que Charlie estivesse com ele, poderia trazer Stacy, só precisava de um Kent para autorizar sua entrada, não como os vampiros que não entravam em uma casa se não fossem convidados, mas como lobisomem, que poderia pisar em solo consagrado por uma antiga bruxa Kent.
Um barulho de copos sendo quebrados e risadas interrompeu Charlie no exato momento em que ele apresentava alguma garota ao xerife, tempo o bastante para que espiasse pela grande porta de vidro que levava a um terraço. Parou por um segundo tentando se convencer que não estava a trabalho, e não estava mesmo, mas não pôde deixar de notar a grande quantidade de garotas menores de idade em roupas sensuais, provavelmente drogadas que estavam circulando por lá. Inclusive sua nova vizinha, Ayla Greenwood.
Apoiou levemente o gargalo da garrafa de cerveja no lábio inferior, certo de que os Greenwood não faziam ideia de onde estaria sua filha, e que já havia um burburinho de quem a levaria para o quarto primeiro. Balançou a cabeça negativamente, tentando não ouvir, não era problema seu, humanos que resolvessem seus problemas humanos.
Foi andando em direção ao outro lado do terraço, onde havia mais bebida quando percebeu uma garota indo em sua direção. Conhecia Samarina, claro. A garota era conhecida pela família abastada, pela irreverência com um quê de esquisitice que o divertia, usava roupas pretas sempre, os lábios e as unhas sempre vermelhos, e ela chegou perto fazendo uma dancinha engraçada como se quisesse enfeitiçá-lo.
– Olá, Xerife Field – disse ela esboçando um sorriso – veio nos prender? - ela indicou as garotas que estavam com ela, incluindo sua vizinha.
– Não haveria lugar na delegacia para tanta gente se eu fizesse isso, Sama – Mason aceitou uma cerveja de Charlie, que parou ao seu lado.
Viu Ayla olhar em sua direção com aquele ar de superioridade de sempre, Mason admitia que talvez fosse somente implicância, mas, por outro lado, sabia que havia um tanto de desprezo nos olhos de Ayla Greenwood sempre que tinham que olhar um nos olhos do outro. E o fato de saber que não deveria ligar a mínima para a chatice da menina mimada de cidade grande caía por terra quando ela erguia o nariz arrebitado e mal lhe dirigia a palavra, não deveria incomodá-lo. Enquanto chegava a ser perseguido por grande parte das mulheres da cidade, algumas discretamente, outras nem tanto, Ayla simplesmente parecia ignorá-lo.
– Já que não vai nos prender…. - ele percebeu Sama falando baixinho como quem pede um favor – ficaria grata se pudesse ignorar que estamos aqui – fez uma pausa e olhou rapidamente por cima do ombro antes de continuar – os pais da Ayla, não sabem que ela está aqui….
– Se eles não sabem, ela deve ter algum motivo para esconder – ele deu os ombros, bebeu mais gole da cerveja e estreitou os olhos – desde que ela não se meta em confusão, e….
– E?? - Sama olhou para ele com curiosidade.
– Diga a sua amiguinha que se quiser o meu silêncio vai ter que me pedir pessoalmente – Sorriu e saiu deixando Samarina rindo como se soubesse que a amiga estava encrencada.
Sabia que não ia demorar para que Ayla deixasse de lado a aparente antipatia que tinha por ele, mas não achou que seria tão rápido. Não precisou olhar para trás quando sentiu o perfume levemente doce que ela sempre usava. Geralmente não gostava desse tipo de perfume famosinho e caro que garotas como ela usavam, mas Ayla devia saber como ficava em sua pele, e ele admitia, ficava delicioso. Ayla parou ao seu lado, e demorou a voltar-se para olhar para ela, o vestido curto preto sob a jaqueta jeans deixavam-na com a típica aparência das garotas com quem ela andava.
Abaixou-se, ficando sobre um dos joelhos e quando olhou para cima viu Ayla olhando-o sem entender nada.
– Seu pé, por favor, Srta. Greenwood – bateu no joelho, para que ela o colocasse ali.
– Meu pé…. - ela olhou para cadarço desamarrado e arrumou o vestido antes de fazer o que ele disse – isso é ridículo….
– Ridículo é a senhorita segurar seu vestido achando que sou algum tipo de tarado que vai olhar sua roupa íntima – ele amarrou firme o cadarço do All Star e segurando o tornozelo dela gentilmente devolveu-o ao chão, levantando-se em seguida – qualquer hora dessas vou encontrá-la com a cara no chão, está sempre com os tênis desamarrados.
– Não me chamou aqui pra me dar uma bronca como se eu tivesse cinco anos de idade, xerife, faça-me o favor….
– Nem sequer a chamei aqui – Mason deu a ela um meio sorriso, e talvez tivesse entendido o porque dela o ignorar, mesmo assim não ligou, já tinha reparado que por algum motivo Ayla Greenwood tentava passar desapercebida quando o via por perto.
Achava aquela garota esquisita. Bonita, claro, mas parecia jogar uma partida de xadrez com o mundo fora do seu quarto, tinha impressão que ela vacilava enquanto pensava se iria para a esquerda ou para a direita. Já tinha ouvido o coração dela acelerar, e não raramente ela usava fones, em um volume alto para seres humanos normais, e mesmo assim ouvia o que as pessoas falavam e respondia normalmente. E fosse o que fosse, era seu dever saber porque ela parecia contar seus passos, e tentando parecer normal fora de casa quando a via despreocupada de sua janela. Quer estivesse dançando, lendo, tropeçando em algo, arrumando seus livros, estudando, até sua respiração era diferente quando Ayla achava que ninguém estava olhando.
– Disse a Sama que eu deveria pedir a porra do seu silêncio – ela revirou os olhos castanhos.
– Disse – ele concordou.
Mason chegou mais perto para tentar fazer manifestar seja lá o que fosse aquilo que se parecia com uma garota, um leve ranger de dentes, e a pulsação aumentos consideravelmente, definitivamente havia algo de estranho com Ayla, que não atinava. Sua linhagem conseguia estabelecer uma conexão mental com criaturas sobrenaturais e mesmo que ela fosse apenas metade, saberia. Quando tentou entrar na mente de Ayla tudo que viu foi sombra e sangue, segurou-a pelos braços quando ela vacilou. Ouviu sussurros, cada vez mais perto, uma sequência de palavras estranhas sussurradas enquanto ela olhava ao redor, assustada, antes de desacordar em seus braços.