Capítulo 4 ★彡 O balanço e o silêncio
No dia seguinte, o céu estava ainda nublado, mas o sol tentava sair entre as nuvens, como se quisesse trazer um pouco de luz para o caos em que minha vida se transformou. A casa estava mais silenciosa do que nunca, e o peso da ausência de minha mãe parecia se intensificar a cada minuto. Eu ainda não tinha conseguido aceitar que ela se foi, mas sabia que precisava continuar. Por ela. Pelo que ela esperava de mim.
Ajudei a carregar as caixas no carro de Oldrik, um amigo antigo da minha mãe, um homem de cabelos grisalhos e uma expressão calma que sempre me transmitia uma sensação de segurança, mesmo nos momentos mais difíceis. Ele sabia o que fazer, sempre soubera.
— Eu sei que não é fácil, Jess — ele disse, enquanto arrumava as caixas no banco traseiro. — Sua mãe sempre me falava sobre você. Ela sempre desejou que você voltasse para a cidade, sabia? Ela sempre dizia que um dia, você voltaria para cá.
Eu respirei fundo, tentando não deixar o nó na garganta me impedir de falar. Quase gritei, quase explodi ali mesmo, porque tudo o que eu queria era fazer as coisas de uma vez, seguir em frente, sair dali, e deixar toda a dor para trás.
Mas não era tão simples. Nada disso era simples.
— Eu não sabia… — minha voz saiu mais baixa do que eu queria, e eu a forcei a continuar. — Eu… não sabia que ela ainda esperava isso.
Oldrik me olhou com aqueles olhos gentis, compreensivos. Ele não precisou dizer nada. Era como se ele soubesse exatamente o que eu estava sentindo. Só o fato de ele estar ali, ajudando, já era mais do que eu podia esperar.
— A vida tem seus próprios caminhos. Eu sei que é difícil, mas eu espero que, ao menos, você encontre paz aqui, entre as memórias de sua mãe — ele disse, e me deu um sorriso triste. — Espero que tudo fique bem para você.
Eu não consegui responder. Só assenti, com um movimento quase imperceptível, tentando manter a compostura.
Quando ele terminou, se despediu e foi embora, e eu fiquei ali, na frente da casa, tentando encontrar algum sentido para tudo o que estava acontecendo. O som do motor do carro se afastando lentamente parecia ecoar em minha cabeça, como uma despedida.
Eu estava prestes a voltar para a casa quando vi algo que fez meu coração parar. Um carro chegando. Eu reconheceria aquele veículo em qualquer lugar. Um carro escuro, com vidros escurecidos. O coração bateu forte no meu peito, e, de repente, meu estômago se revirou. Era Asher.
Eu não sabia o que ele estava fazendo ali. Por que ele estava ali? O que ele queria? Minha mente estava uma bagunça, e eu não conseguia formar um pensamento coeso. Asher saiu do carro com a mesma expressão distante de sempre, mas ao invés de se aproximar de mim, ele foi direto para Giorgia, que estava na porta da casa, como se já o estivesse esperando.
Meu estômago se apertou ainda mais ao ver o abraço deles, simples, mas com uma intimidade que me cortou por dentro.
Não sabia o que pensar. Eu deveria me sentir aliviada, talvez, por ver que ele estava com alguém com quem parecia estar bem. Mas, ao mesmo tempo, eu sentia um aperto no peito, uma sensação de que algo estava errado — como se ele fosse uma parte do passado que eu ainda não havia superado. Mas o que ele estava fazendo ali, afinal?
Eu não consegui dizer nada. Fiquei parada, observando de longe, sentindo meu corpo em estado de alerta, como se estivesse esperando algo acontecer, como se fosse minha última chance de entender alguma coisa sobre ele.
Eu não queria voltar para a casa, não queria ver o que estava acontecendo lá dentro, então caminhei até o antigo balanço perto da garagem. Ele ainda estava lá, como se o tempo não tivesse passado, como se, quando eu era criança, eu passava horas ali, balançando-me para longe de tudo. Eu me sentei, com os pés tocando suavemente o chão, e deixei o vento bater no meu rosto.
Senti falta disso. Senti falta de não ter preocupações, de não ter que lidar com tudo o que tinha acontecido. Mas a verdade é que as coisas não eram mais simples. Eu cresci. A vida me forçou a crescer, a enfrentar responsabilidades que eu não queria assumir. Eu só queria escapar de tudo isso.
De repente, vi Asher saindo da casa, sozinho. Ele parecia hesitante, quase como se estivesse lutando com alguma decisão interna, um dilema não resolvido. Ele olhou para o meu lado, viu o balanço, e, por um momento, pareceu que ele ia vir até mim. Mas ele não fez nada. Ele simplesmente suspirou, como se tivesse desistido.
Então, sem mais palavras, ele se virou e voltou para o carro. O motor rugiu novamente, e ele foi embora, sem olhar para trás.
Eu fiquei ali, olhando enquanto ele se afastava, o coração acelerado, mas a mente vazia. O que ele foi fazer ali? O que ele queria de Giorgia?
Levantei-me lentamente do balanço e, sem saber exatamente por que, fui em direção à casa. Fui até o quarto de Giorgia.
Encontrei a porta entreaberta e a vi ajeitando os cabelos na frente do espelho. Ela parecia calma, alheia a tudo o que tinha acontecido ali fora.
— O que ele queria com você? — perguntei, mais ríspida do que realmente prentendia. Mas a curiosidade me consumia, e eu precisava saber.
Ela me olhou por um instante, com os olhos como sempre, desconcertantes. Finalmente, ela falou, sua voz tranquila e sem pressa.
— Asher veio ver estava tudo bem, se precisávamos de alguma coisa.
Eu senti algo estranho, uma tensão no ar. Era uma resposta evasiva. Eu sabia que ela estava escondendo algo, mas não sabia o quê.
— E por que ele não veio falar comigo? — perguntei, tentando não demonstrar o desconforto crescente. — Ele não me procurou.
Ela deu de ombros, como se isso fosse um assunto trivial.
— Ele não quer falar com você, Jess. Você tem que aceitar isso.
Aceitar? Eu não sabia se conseguia.
Meu coração batia mais rápido, e uma sensação de inquietação tomou conta de mim. Eu olhei para minha irmã, tentando entender, mas não encontrei respostas.
A única coisa que eu sabia era que, de alguma forma, eu ainda não havia terminado com o passado. E ele, Asher, estava mais presente em mim do que eu queria admitir.
Eu fiquei ali, parada, tentando entender o que estava acontecendo entre Giorgia e Asher. Algo estava errado, e eu sabia disso. A maneira como ela falava dele, como parecia tão à vontade, tão… natural, me incomodava profundamente. Eu não me lembrava de nada disso.
As palavras de Giorgia ainda estavam ecoando em minha cabeça, e a curiosidade me consumia. Por que Asher estava tão próximo dela agora? Ele sempre foi distante. O que havia mudado? Eu não me lembrava de nenhuma amizade ou laços entre eles antes, e o modo como ele havia se comportado, ignorando a minha presença completamente, não fazia sentido.
Eu sabia que algo estava sendo escondido, e não podia deixar isso passar. Não agora, não depois de tudo o que aconteceu. Não depois de todos esses anos.
— Giorgia, o que está acontecendo entre você e Asher? — Eu não consegui segurar a pergunta.
Ela me olhou por um momento, um leve sorriso surgiu nos lábios, mas não foi um sorriso de cumplicidade. Foi como se ela soubesse que eu estava prestes a cavar algo que ela preferia deixar enterrado. Mas, ao invés de negar ou se esquivar, ela respirou fundo e decidiu responder, como se não tivesse outra escolha.
— Ele sofreu muito, Jess. Você não tem ideia do quanto. — Sua voz saiu calma. — Quando você foi embora, depois do que aconteceu… Asher ficou destruído. Ele se afastou de tudo, de todos. Ninguém conseguia alcançá-lo. Foi nossa mãe que o ajudou a superar. Ela foi o único apoio que ele teve na época.
Eu não sabia o que dizer. Eu não estava ali, então não sabia.
Giorgia continuou, como se estivesse revivendo o passado, desenterrando memórias que talvez fosse melhor deixar onde estavam.
— Ela cuidou dele. — Ela olhou para mim. — Muitas noites ele ficava aqui, jantava com a gente. Com o tempo, ele começou a se abrir, a voltar a viver. Ele... evitava qualquer coisa que tivesse a ver com você.
Minha mente começou a girar. As palavras dela estavam batendo forte dentro de mim, como uma onda que se quebrava contra as rochas. Ele evitava falar de mim? Agora Giorgia estava dizendo que ele tentava me excluir da conversa, como se eu fosse um assunto proibido.
— Você e a mamãe… — comecei a falar, e a voz me falhou por um instante, mas continuei. — Você e a mamãe tinham um acordo? Algo sobre não mencionar meu nome perto dele?
Giorgia me encarou por um longo tempo, e eu pude ver a expressão dela mudar ligeiramente. Era uma lembrança pesada, algo que ainda causava dor.
— Sim. — A palavra saiu baixa, quase como um suspiro. — Nós duas tínhamos como regra, Jess. Quando Asher estava por perto, o nome “Jéssica” era a palavra proibida. Ele não queria ouvir sobre você. Não queria falar sobre você. E nós respeitávamos isso. Ela deu uma leve pausa, olhando para baixo, antes de completar. — Você foi… um assunto doloroso para ele. E para nós também. A mamãe sabia disso, e não queria trazer à tona tudo o que tinha acontecido. Então, quando Asher estava aqui, a gente deixava ele ficar à vontade. Ele precisava de um lugar seguro, de um respiro.
Eu me senti como se tivesse levado um soco no estômago. As palavras dela estavam me atravessando. Asher havia se fechado tanto ao ponto de evitar até mesmo o meu nome. Eu sabia que minha partida havia sido traumática para todos, mas nunca imaginei que ele tivesse sido tão afetado, tão quebrado, por algo que eu fiz.
— Eu não sabia de nada disso. — Minha voz saiu mais baixa, quase inaudível. Eu não sabia como lidar com as informações que estavam vindo à tona. Eu não sabia que ele tinha ficado assim.
Giorgia me olhou com uma expressão quase triste, como se estivesse tentando entender minha reação.
— Eu sei. Você não sabia. Você foi embora sem olhar para trás. — Ela respirou fundo, um toque de amargura na voz. — Mas Asher precisava de alguém, e a mamãe fez o que pôde. Ele ficou mais próximo da gente. Ela estava ali, por ele, e quando você não estava mais, era como se ele tivesse se perdido um pouco. Como se não houvesse mais espaço para ele na nossa vida.
O silêncio entre nós se estendeu por alguns segundos. Eu não sabia mais o que perguntar, o que fazer com tudo aquilo. As palavras de Giorgia estavam me martelando, como um eco distante de algo que não poderia ser mudado. Eu queria que o tempo voltasse, queria poder reescrever as coisas, tomar outra decisão. Mas não dava.
Por fim, Giorgia se levantou e começou a ajeitar novamente os cabelos, como se a conversa tivesse terminado ali. Eu ainda estava presa àquele turbilhão de sentimentos e perguntas, mas ela parecia estar em um lugar diferente, como se já tivesse aceitado as coisas como estavam.