Capítulo 3 ★彡 Ecos do passado
Eu não sabia mais o que estava fazendo ali. O silêncio de Giorgia ao meu lado me deixava cada vez mais inquieta.
Desde que cheguei, não trocamos uma palavra, e a verdade é que eu não sabia o que era pior: ela me ignorando ou eu sendo incapaz de encarar a frieza dela sem me sentir sufocada. Cada movimento meu na casa parecia ser uma tentativa em vão de preencher o vazio que a ausência da minha mãe havia deixado. E Giorgia... ela só me fazia sentir mais sozinha.
Eu estava em um dos quartos da casa, separando as coisas da minha mãe, as coisas que, de alguma forma, ainda pareciam ter a presença dela. Uma camisa, um livro que ela sempre leu, uma foto. Cada item trazia à tona uma lembrança que, de alguma forma, eu queria guardar, mas ao mesmo tempo, queria esquecer, porque eram todas as lembranças de uma vida que se foi e que eu não pude proteger.
Giorgia estava lá também, mas sua presença não me ajudava. Ela se movia pela casa como um espectro, agindo como se estivesse tentando parecer ocupada, mas sem realmente fazer nada. Ela passava os olhos pelas coisas, pegava algo e largava sem nenhum interesse. Isso me irritava mais do que eu gostaria de admitir.
— Não tem muito o que fazer, não é? — falei, quebrando o silêncio de forma um pouco mais ríspida do que eu queria. Não queria ser agressiva, mas não sabia mais como agir.
Ela me olhou por um momento, como se estivesse tentando entender se eu estava falando sério ou apenas fazendo uma pergunta qualquer. Então deu de ombros, como se eu não fosse mais importante do que qualquer coisa naquela casa.
— Eu só estou ajudando, Jessica. Não precisa ficar tão nervosa — ela respondeu com aquela indiferença que me cortava.
Eu queria gritar com ela, mas não sabia por onde começar. Desde que cheguei, ela me evitava de todas as formas possíveis. O que havia acontecido com a minha irmã? Será que ela estava magoada por eu ter ido embora e deixado tudo para trás? Ou será que ela simplesmente não se importava mais?
Eu segurei a frustração e, sem pensar muito, soltei:
— Giorgia, o que você vai fazer com a casa? Vai continuar morando aqui?
Ela parou por um instante, como se a pergunta tivesse lhe pego de surpresa, e eu pude ver que ela estava pensando mais no que ia fazer.
— Não sei — ela finalmente respondeu, seu tom de voz desinteressado. — Eu ainda não discuti isso com meu namorado.
Claro, namorado. O cara que aparentemente tinha mais influência sobre as decisões de Giorgia do que a própria mãe que acabara de falecer. Não consegui me controlar.
— O que o seu namorado tem a ver com isso, Giorgia? — perguntei, minha voz carregada de raiva e desconfiança. Eu não sabia mais o que estava me irritando mais: o fato de ela ter negligenciado nossa mãe ou o fato de ela depender de alguém para tudo, até para decidir o que fazer com a casa da nossa mãe.
Ela me olhou como se eu fosse uma criança, como se eu estivesse exagerando.
— Você vai entender logo, Jess. — respondeu com um tom que me fazia querer socar a parede. — Agora, eu só quero relaxar. Eu não tenho cabeça para discutir isso agora.
Relaxar. A palavra soou como um tapa na minha cara. Relaxar, enquanto eu me despedia da minha mãe e tentava lidar com tudo o que eu deixei para trás? Não, não dava para relaxar.
— Giorgia, você… você deveria ter me contado que a mamãe estava doente — minha voz falhou um pouco, e o peso da culpa quase me derrubou. Como eu pude ser tão insensível? Eu estava com tantas coisas na cabeça, com tantas desculpas prontas para me dar, mas não conseguia me convencer.
Ela desviou o olhar e, por um momento, o silêncio se instalou. A verdade, a resposta, parecia dolorosa demais para ser dita. Finalmente, ela falou, mas suas palavras não me aliviaram.
— Foi a mamãe que não quis que você soubesse. Ela não queria te preocupar — disse, com a voz baixa e vazia.
Aquelas palavras me atingiram como um golpe no estômago. Ela sabia. Giorgia sabia que eu não tinha sido avisada. Minha mãe sabia que eu não estava aqui quando ela precisou. O peso dessa revelação quase me fez desabar, mas eu me segurei. Eu não podia chorar agora, não poderia. Não na frente de Giorgia.
Continuei a separar as coisas, mas minha mente estava em outro lugar. Cada objeto que eu tocava me trazia uma memória de minha mãe, de um tempo mais feliz, de quando ela ainda sorria para mim, de quando eu achava que poderia ser a filha perfeita para ela. Eu me lembro da cozinha cheia de risadas, das tardes preguiçosas em que sentávamos juntas para tomar chá e conversar sobre qualquer coisa. Como eu pude deixar tudo isso para trás?
Como pude abandoná-la?
Segurei a respiração e passei os dedos por uma das fotos antigas dela. Minha mãe sorrindo, tão jovem, tão cheia de vida. Eu não queria olhar, mas não conseguia parar. Eu não queria mais nada além de ter tido mais tempo com ela.
— Você vai ficar com isso? — Giorgia me perguntou, interrompendo meus pensamentos. Ela estava segurando uma velha caixa de bijuterias que pertencia à nossa mãe. Eu não sabia o que responder.
— Pode ficar. Eu… eu não consigo. — Minha voz estava fraca, como se eu estivesse admitindo que não era forte o suficiente para lidar com a perda.
Giorgia apenas fez um som baixo, como se estivesse dizendo que já sabia, e voltou a se afastar de mim, sem mais uma palavra.
Eu continuei a empacotar as coisas, cada objeto uma faceta do que ela havia sido, do que eu tinha perdido. A dor era insuportável, e ao mesmo tempo, eu sabia que não podia continuar vivendo no passado. Eu precisava sair dali. Eu precisava ir embora e tentar entender o que fazer com minha vida, mas antes, eu precisava fechar essa porta — a porta da casa que, mesmo vazia, ainda respirava os ecos dela.
Eu só não sabia se conseguiria sair sem levar a dor comigo.
Eu continuei a separar os objetos, tentando manter minhas mãos ocupadas, como se isso fosse aliviar o peso que eu carregava no peito. Cada foto, cada peça de roupa, era uma memória viva, e ao mesmo tempo uma condenação silenciosa. Era como se eu estivesse lentamente desmontando a vida da minha mãe, guardando pedaços dela em caixas, tentando encaixar tudo em um lugar seguro, mas nunca sendo capaz de preencher o vazio.
Giorgia, por sua vez, parecia cada vez mais distante. Ela não me olhava, não trocava mais palavras comigo, apenas se movia pela casa, como se estivesse procurando alguma coisa que talvez não tivesse encontrado ainda. O que ela queria? O que ela pensava de tudo isso? Eu sentia como se ela estivesse presa em um espaço entre a indiferença e o ressentimento, e eu não sabia como ultrapassar essa barreira.
Quando finalmente comecei a recolher algumas das coisas que estavam sobre a mesa, Giorgia deu um suspiro, como se estivesse desconfortável, e tirou o celular do bolso. Ela olhou para a tela, tocou em um número e, logo, uma voz do outro lado da linha respondeu. Ela se afastou um pouco, com o celular pressionado contra a orelha, tentando evitar que eu ouvisse a conversa.
Eu não sabia o que me incomodava mais. O fato de ela estar conversando com alguém quando tudo ao redor parecia um caos, ou o fato de eu não ter o direito de questionar nada. Eu não sabia mais quem Giorgia era. Não sabia o que ela queria, nem o que a fazia se afastar de mim dessa forma.
Fiquei ali, de pé, parada no meio da sala, observando-a se afastar para o canto da casa, onde a conversa poderia ser mais privada. Ela parecia completamente imersa no que quer que estivesse falando, e eu, simplesmente, não fazia parte disso. Eu já não fazia parte de nada.
Suspirei, tentando não deixar que a frustração me dominasse. Eu não sabia mais nada sobre minha irmã. Não sabia quem era aquele namorado dela, que parecia ser tão central na vida dela agora. Será que ele estava com ela para tudo, inclusive para as decisões mais importantes? Será que ele se importava de verdade com ela, ou só estava ali para dar apoio quando convinha? Eu não podia deixar de me perguntar o que realmente estava acontecendo na cabeça de Giorgia.
E, à medida que ela se afastava mais, eu me sentia cada vez mais distante. Como se cada palavra trocada com ela fosse uma cortina se fechando entre nós, uma cortina que eu não podia atravessar.
Eu me encostei na parede, ainda observando Giorgia, sem saber o que fazer. Será que eu estava exagerando? Talvez eu estivesse esperando mais dela do que ela tinha para dar. Mas, ao mesmo tempo, como podia ser tão fácil para ela? Ela estava vivendo a vida dela, enquanto eu estava ali, tentando juntar os pedaços de um passado que não voltaria mais.
Queria entender por que ela parecia ter tantas respostas, enquanto eu só tinha dúvidas. Mas, mais do que isso, queria saber o que estava acontecendo com minha irmã. O que aconteceu com a gente?
Suspirei mais uma vez e olhei para a foto da minha mãe, sentindo a saudade e a dor. Eu não ia conseguir resolver nada ali, agora. Mas algo dentro de mim sabia que eu não poderia simplesmente sair, ir embora de novo, sem entender as coisas direito. Eu não queria deixar tudo isso para trás sem pelo menos tentar.
Então, enquanto Giorgia ainda falava ao telefone, eu me peguei questionando, mais uma vez, o que fazer com todas as peças quebradas da minha vida. O que aconteceria com a casa? O que aconteceria comigo? E, principalmente, o que aconteceria com o meu relacionamento com Asher? Eu sabia que não poderia fugir de tudo para sempre.
Enquanto a conversa de Giorgia continuava no fundo, eu senti, com uma certeza esmagadora, que não seria capaz de ir embora de novo sem, pelo menos, tentar entender onde eu ainda pertencia nesse lugar.