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Capítulo 2 ★彡 Reencontro

O vento cortava a cidade com uma frieza que parecia combinar perfeitamente com o que eu sentia dentro de mim. Cada passo que eu dava em direção ao bar parecia mais pesado que o anterior. Eu estava de volta à cidade, mas não porque quisesse, não porque tivesse escolhas. Minha mãe havia morrido, e eu não podia mais fugir disso.

Eu sabia que, ao voltar, teria que enfrentar o passado. Encarar o que eu deixei para trás. E a última coisa que eu queria era ver ele de novo. Mas lá estava ele. Mesmo antes de ele me perceber, eu o vi — Asher. Estava encostado no balcão, com o olhar perdido, como se tentasse se esconder do resto do mundo. Ele sempre foi assim: distante, controlado. Mas eu sabia que, sob essa máscara, havia mais.

O problema era que o meu corpo não sabia como reagir. O meu coração batia de uma maneira que eu nunca queria ouvir novamente. Ele ainda me afetava.

Respirei fundo e caminhei até ele, os passos tão firmes quanto possível, embora meu corpo estivesse traindo minha mente.

Eu o vi me notar antes de ele reagir, e o silêncio entre nós dois foi quase palpável. Eu podia sentir a raiva, a frustração, tudo vindo dele em ondas. Eu não o culpo.

Mas eu precisava fazer isso. Eu precisava encarar o que eu fiz.

Ele me olhou de cima a baixo, os olhos tão frios, tão distantes. Era como se eu fosse uma estranha. E, de certa forma, eu era. Eu não era mais a mulher que ele conhecia. Não depois de tudo o que aconteceu.

— Você voltou — ele disse, a voz carregada de mágoa. Era nítido: ele me culpava.

Engoli seco. Não sabia o que responder. O que eu poderia dizer? Como justificar o que fiz? Como justificar o fato de ter virado as costas para ele de forma tão… impiedosa?

— Minha mãe morreu — consegui dizer, tentando manter a voz estável, mas não era fácil. Nada sobre isso era fácil. — Eu… precisava estar aqui.

Ele não respondeu de imediato. Seu olhar parecia mais cortante do que qualquer palavra poderia ser. Eu não esperava ser recebida de braços abertos, mas o quanto aquilo me cortava…

— Claro — ele respondeu, com um sorriso amargo que não tocava os olhos. — Você sempre teve suas razões.

Aquelas palavras caíram sobre mim como uma pedra. O que eu achava que havia guardado dentro de mim, na segurança do meu peito, se agitou. Eu não sabia o que fazer. Ele estava tão frio, tão distante, como se eu fosse uma lembrança desagradável.

— Eu não fui embora porque eu queria, Asher — eu disse, a voz falhando, mas firme. Eu precisava que ele soubesse isso, precisava que ele entendesse, mesmo que ele nunca fosse capaz de perdoar. — Eu… não sabia o que mais fazer.

Eu podia ver a raiva brotar em seus olhos. Era a raiva de um homem que não havia superado nada. Ele deu um passo à frente, e, por um momento, eu quase pude sentir sua presença me invadir novamente. O cheiro dele, o calor do corpo dele, as coisas que eu tinha tentado apagar… tudo isso voltou, ainda mais forte.

— Você deveria ter ficado — ele disse, com a voz mais baixa, mas com uma precisão dolorosa. Ele estava se forçando a manter a calma, mas eu podia ouvir a dor nas palavras dele. — Você deveria ter ficado.

Eu queria gritar. Queria dizer tantas coisas. Queria justificar tudo o que fiz. Mas não podia. Não podia mudar o passado.

— Eu não posso mudar o que aconteceu — falei, a voz embargada, sentindo o peso de cada sílaba. — Mas não estou aqui para discutir o que passou, Asher. Eu só… eu só preciso que você me entenda.

Eu queria acreditar que ele poderia me entender, mas sabia que as palavras nunca seriam suficientes. Ele me olhou por um longo tempo, tão intensamente que me senti vulnerável. Depois, com um suspiro quase imperceptível, ele deu um passo atrás, como se estivesse se afastando emocionalmente. O que mais ele poderia fazer?

— Não tenho nada para entender, Jessica — ele disse, a voz impessoal, fria. Então, com um movimento brusco, ele se afastou de mim. Eu fiquei ali, estática, sentindo a dor de tudo o que ficou entre nós. Era como se nunca tivesse importado.

Eu queria gritar, queria correr atrás dele, pedir perdão, dizer que ainda havia algo ali… Mas ele já estava virando as costas para mim, e eu sabia que não adiantava mais.

Eu estava sozinha com o peso do meu erro, e ele, provavelmente, também estava. Mas isso não mudava nada. O dano estava feito. E eu não sabia como consertar.

Funeral

O vento estava mais forte do que eu imaginava naquele dia. As árvores balançavam suas folhas como se quisessem protestar contra o sofrimento que eu sentia dentro de mim. O céu estava nublado, como se refletisse o vazio que havia tomado conta do meu peito. Minha mãe estava enterrada ali, naquele cemitério silencioso, e tudo o que eu conseguia fazer era olhar para o túmulo e me sentir completamente perdida.

Eu tinha voltado para casa para enterrar minha mãe, mas não só isso. Eu estava enterrando também todas as minhas escolhas erradas. Todas as minhas decisões que me afastaram das pessoas que eu mais amava.

As lágrimas desciam silenciosas pelo meu rosto, mas eu não fazia questão de escondê-las. Ela se foi, e agora era tarde demais. Eu a deixei sozinha quando mais precisava de mim, acreditando que minha irmã Giorgia cuidaria dela. Acreditei que, se eu fosse embora, as coisas estariam bem. Eu confiava nela… até perceber que ela, na verdade, se distanciou, se afundou em sua própria vida, e minha mãe ficou sozinha, na dor, sem ninguém para dividir o peso.

Eu deveria ter ficado. A culpa martelava minha mente como um tambor incansável, batendo a cada pensamento. Eu poderia ter feito mais. Eu deveria ter percebido a fragilidade da minha mãe, as mudanças que ela estava enfrentando. Mas me deixei enganar pela ideia de que outras pessoas cuidariam dela. Eu não sabia o quanto ela estava sofrendo, não sabia o quanto ela precisava de mim.

E Asher… ele estava ali, em algum lugar na multidão, distante. Eu sabia que ele estava me observando, mas não conseguia encontrá-lo. O olhar dele, aquele olhar magoado, me fazia tremer. Ele estava ali, mas não me encarava. Ele não queria mais me ver, e talvez nem eu merecesse ser vista por ele.

O funeral parecia se estender para sempre. Cada palavra do padre, cada oração, tudo parecia distante e sem sentido. Eu estava no meio daquelas pessoas, mas sentia como se estivesse completamente sozinha. Eu sentia a dor de perder minha mãe, mas também sentia a dor do vazio que eu mesma criei.

Minhas mãos estavam frias, e o vento fazia meus cabelos se agitarem. Eu não queria estar ali, mas, ao mesmo tempo, não conseguia ir embora. Quando finalmente se deram por encerrados, e as pessoas começaram a se afastar do túmulo, eu permaneci. Permaneci, perdida em meus pensamentos, olhando para a terra fria que agora cobrira minha mãe.

Foi quando eu o vi. Ele estava de longe, perto do portão do cemitério, preparando-se para ir embora. Asher. Ele estava de costas, como se quisesse se perder na multidão, desaparecer de mim. O olhar dele não se cruzou com o meu. Ele se afastava de mim com uma frieza que eu temia. Como se fosse a última vez que ele fosse me ver, e talvez fosse mesmo.

Eu sabia que ele estava indo embora de verdade, assim como fez três anos atrás. Só que agora eu não o impediria. Não havia mais nada entre nós. Eu não tinha mais nada a oferecer, nada que pudesse consertar.

Eu respirei fundo e caminhei lentamente em direção ao portão, meus olhos fixos nas costas dele. Ele não olhou para trás, como se eu fosse uma sombra do passado. E eu era, não é? Uma sombra. A mulher que ele amou e depois perdeu sem explicação.

O que eu fiz com ele? Como eu o afetei? Eu ainda não sabia. Não sabia se alguma vez saberia. O que eu sabia era que, ao escolher partir, ao deixá-lo sozinho, eu destruí algo que poderia ter sido bom. Algo que poderia ter sido meu.

Eu me perguntei se ele tinha me perdoado, mas logo percebi que não merecia perdão. O que eu fiz foi muito mais que um erro; foi um abandono. Eu o abandonei da pior forma possível. Ele foi o homem que eu amei e desprezei ao mesmo tempo. E agora ele estava indo embora, e talvez fosse o melhor. Porque eu não podia mais viver na sombra das minhas escolhas.

Eu o vi se afastar, diminuindo aos poucos à medida que caminhava para longe, até desaparecer no horizonte. Como se ele fosse um pedaço do meu passado que eu agora estava enterrando também.

Eu estava sozinha, novamente.

Mas dessa vez, eu sabia que não havia mais espaço para arrependimentos. Eu não podia voltar no tempo. Não podia voltar para Asher. Só restava a dor das lembranças e o peso da culpa que, eu sabia, não seria fácil de carregar.

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