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Capítulo 5 ★彡 Fantasmas no centro da cidade

A manhã estava cinzenta, como se o céu também estivesse de luto. Eu saí de casa com uma lista de compras e uma vontade crescente de deixar aquela cidade para trás o mais rápido possível. Giorgia, como sempre, agia como se nada estivesse errado. Nem sequer mencionou o fato de estarmos praticamente sem comida na despensa. Então, a tarefa de repor os suprimentos caiu para mim. Outra responsabilidade. Mais um peso.

Enquanto caminhava pelas ruas estreitas e familiares do centro, senti o peso das memórias me puxando de volta. A cidade parecia quase a mesma, mas algo estava diferente. Talvez fosse eu. Talvez fossem os três anos que passaram, apagando as versões antigas de tudo e de todos.

Eu estava saindo do mercado quando o vi.

Asher.

Ele estava parado na calçada, falando com um homem que eu não conhecia. Vestia calça social e camisa impecavelmente passada. A postura rígida e séria deixava claro o quão diferente ele estava. Mais maduro. Mais fechado. Mais inacessível.

O que mais me chamou atenção, no entanto, foi o jaleco branco pendurado no banco de trás do carro dele. Eu parei, como se meus pés estivessem presos ao chão. Asher havia seguido o sonho. Tornou-se médico, afinal.

Por um breve instante, eu fui transportada de volta no tempo. Lembrei das noites em claro em que ele estudava para as provas e dos momentos em que quase desistiu por causa da pressão. Eu tinha sido sua âncora, ou pelo menos era o que ele dizia. E então, eu o deixei afundar sozinho.

A culpa me atingiu com força. Parte de mim queria acreditar que minha partida tinha, de alguma forma, ajudado Asher a se concentrar no trabalho, a alcançar seu sonho. Mas outra parte sabia que eu tinha causado estragos. Eu o machuquei de um jeito que talvez nunca fosse reparado.

Asher me viu.

Por um momento, nossos olhares quase se encontraram. Meu coração disparou. Mas, como uma porta que se fecha na minha cara, ele desviou o olhar e entrou no carro sem sequer me reconhecer.

Fiquei parada ali, no meio da calçada, sentindo-me invisível. Como se eu não passasse de um fantasma assombrando aquela cidade. Um eco do passado que ninguém queria lembrar.

Respirei fundo, tentando acalmar a dor crescente dentro de mim. Não adiantou. Voltei para casa com as sacolas pesadas nas mãos e o coração ainda mais pesado. Eu queria fugir dali. De novo. Mas algo me dizia que eu não conseguiria ir embora tão fácil desta vez.

Eu mal tinha andado uma quadra quando ouvi uma voz familiar me chamar.

— Jess? Não acredito! É você mesmo?

Virei-me e vi Nathan, amigo de longa data, sorrindo para mim. Meu rosto se iluminou antes mesmo que eu percebesse, e ele já estava me abraçando. Nathan sempre fora aquele tipo de amigo que fazia a gente se sentir em casa, não importava quanto tempo passasse.

— Nathan! — Falei, surpresa e grata pela distração. — Há quanto tempo!

— Demais! Eu estava começando a achar que você nunca mais voltaria. — Ele me olhou com um sorriso caloroso, mas depois ficou sério. — Eu soube sobre a sua mãe. Sinto muito, Jess.

— Obrigada — murmurei, sentindo o aperto na garganta novamente.

— Vem, deixa eu te levar para um café. A gente precisa colocar o papo em dia. — Ele não me deu tempo para recusar, e eu aceitei, aliviada por poder escapar dos meus próprios pensamentos por um tempo.

No café, Nathan perguntou como tinham sido meus últimos três anos. Eu hesitei, mexendo na xícara, antes de responder:

— Digamos que eu passei algum tempo fracassando. Mas não pretendo desistir. Só preciso… colocar as coisas em seus devidos lugares.

Ele assentiu, parecendo entender mais do que eu gostaria que ele entendesse.

— E você? Casado? Filhos? — Perguntei, tentando mudar o foco.

— Noivo — ele disse, sorrindo. — Conheci a Mel em uma viagem de férias. Vamos nos casar daqui a algumas semanas. Você precisa ir, gostaria que você a conhecesse.

— Não sei se ainda estarei aqui… — Respondi, evasiva, mas ele insistiu até que eu prometi pensar no convite.

Então, como eu temia, Nathan perguntou:

— E você? Está com alguém?

Engoli em seco.

— Não. Não tive tempo para isso. — Menti, ou pelo menos foi o que disse a mim mesma.

Nathan assentiu, mas havia algo em seu olhar que dizia que ele sabia mais do que estava dizendo. Finalmente, ele perguntou:

— Você já viu o Asher?

Meu estômago deu um nó. Assenti lentamente.

— Vi, sim. — Minha voz saiu quase num sussurro.

— E por que você foi embora, Jess? — Ele perguntou de uma forma tão direta que me pegou desprevenida.

Eu respirei fundo e dei um pequeno sorriso, o mais convincente que consegui.

— A vida é uma estrada cheia de curvas, Nathan. Nunca uma linha reta.

Nathan ficou em silêncio por um momento, depois disse:

— Ele ficou mal. Todos nós ficamos preocupados com ele. Mas, com o tempo, ele se reergueu. Só que… — Nathan hesitou. — Ele nunca mais foi o mesmo.

Meu peito apertou. Eu sabia disso. Consegui ver nos olhos de Asher naquela breve troca de olhares.

— Ele está com alguém? — Perguntei, não conseguindo evitar a curiosidade que era crescente em mim.

— Não sei. Nós mal trocamos duas palavras. Ele se afastou de todos. Mas o convidei para ser meu padrinho de casamento. Ele aceitou, o que me surpreendeu. Talvez seja um sinal de que ele esteja tentando voltar a viver. Mesmo que, por dentro, ainda pareça fechado.

Aquela informação ficou girando na minha cabeça. Asher seria padrinho no casamento. Eu nem sabia se estaria aqui para isso. Talvez fosse melhor não estar, porque traria toda a lembrança dolorosa à tona. O casamento, o altar, vestido de noiva, a minha fuga.

Eu respirei fundo e dei um pequeno sorriso, o mais convincente que consegui.

— A vida é uma estrada cheia de curvas, Nathan. Nunca uma linha reta.

Nathan ficou em silêncio por um momento antes de mudar de assunto.

— Eu vi sua mãe alguns dias antes de... Ela pareci cansada, mas feliz por saber que você estava bem. Asher cuidou de sua mãe, ele ficou ao lado dela. Eu acho que ele sempre soube que ela estava doente.

Minha respiração falhou. Asher ficou ao lado dela? Fez o que eu deveria ter feito. O que eu tinha deixado de fazer. A culpa voltou com tanta força que quase me sufocou. Talvez eu nunca devesse ter voltado. Talvez eu não merecesse.

Nathan percebeu meu desconforto, mas continuou.

— E você? Quais são os planos agora?

Eu tentei manter a voz firme.

— Ainda estou decidindo. Mas estou preocupada com Giorgia.

Nathan hesitou. Por um momento, parecia não saber se deveria continuar.

— Jess, eu não queria ser eu a te dizer isso, mas… Giorgia tem dado trabalho. Ela se envolveu com homens duvidosos. Sumiu por dias, deixando sua mãe desesperada. Todos ficaram preocupados.

Meu sangue ferveu. Eu já estava irritada com a apatia de Giorgia, mas isso era demais. Como ela pôde deixar nossa mãe carregar mais essa preocupação? Eu precisava ter uma conversa com ela. E dessa vez, ela não sairia fácil.

Nathan e eu nos despedimos depois do café e colocar os assuntos em dia, mas parecia que tínhamos ainda uma tonelada de coisas para compartilhar. No entanto, prometemos um ao outro de nos encontrar outra vez, com a presença de sua noiva.

Caminhei de volta para casa, pensando na conversa que pretendia ter com Giorgia. Cogitei a hipótese de vender a casa e levar Giorgia para morar comigo. Só assim iria embora tranquila. O desafio era minha irmã aceitar, então teria que seguir uma estratégia para convencê-la. E se eu pedisse a Asher para convencê-la? Não seria uma tarefa fácil, mas era o caminho mais curto para os meus objetivos.

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