Capítulo Quatro: Loucura.
Algo aperta minhas mãos, não consigo movê-las. Acordo com o homem que traz comida me encarando, sem dizer uma palavra, como sempre. Ele faz sinal para eu me levantar e andar. “O que farão comigo?”. Minha boca está selada com uma fita adesiva, o que me impede de gritar ou falar. Atravesso a porta com o homem me segurando pelos braços, seus olhos ficam mais claros com a luz fora das portas. Eram sete portas além da minha, como quartos de hotéis separados apenas por paredes. Há um corredor estreito e úmido, uma mesa no canto de uma sala mal organizada com pilhas de objetos e papéis, além de um forno elétrico em cima de uma espécie de balcão com pia. Subo uma escada no fim do corredor depois dessa sala que o homem me leva.
Ele retira a fita adesiva da minha boca.
— Por que você não fala nada? — Perguntei a ele, enquanto subimos os degraus. Ele apenas balança a cabeça num sinal negativo.
Mais um corredor após a escada, com paredes surradas também, como o meu quarto. Não ouço nada, nem um barulho, nenhuma voz, o silêncio era absoluto, Começo a me perguntar se vão me matar, e um pânico toma conta de mim. Procuro uma saída de emergência, qualquer coisa que eu possa usar como fuga, mas não há nada, apenas uma única porta para qual eu estou sendo levada. A porta se abre e vários equipamentos esquisitos compõe uma sala grande.
— Sente- se aqui, por favor. — Uma voz surge atrás de mim, falando em inglês.
O homem que me segurava me solta saindo da sala, me deixa sozinha com o outro, mais estranho ainda. Ele vestia um jaleco branquíssimo, com óculos cobriam seus olhos amendoados e castanhos, uma barba grisalha reveste seu rosto pálido.
— Você não é daqui, certo? — Ele perguntou.
Eu balancei a cabeça, em negativa.
— Você quer saber por que está aqui? — Faço sinal de positivo com a cabeça.
Ele anda de um lado para o outro, pegando alguns materiais em pequenas gavetas dos armários metálicos, fazendo com que o barulho fosse bastante incômodo para mim. Vez ou outra ele me observa, enquanto sinto o medo cada vez mais crescente. Ele se aproxima com uma tesoura pequena e encurvada, cortando o que prende as minhas mãos, cordas finas, e as prendem novamente na cadeira em que estou com cintas. Retira a fita adesiva que já está solta na minha boca e me encara.
— Você tem algo que me surpreende, a paciência. — Ele me encara mais ainda enquanto diz isso, como se quisesse enxergar além da minha alma.
— Por que estou aqui? — Arrisquei perguntar.
— Digamos que... Você foi pega por engano.
— Por que? Para que? O que querem de mim, e deles? — Perguntei em voz alta, estava com raiva.
— Calma, se acalme, está bem? Responderei suas perguntas dentro do permitido.
Tento me acalmar, mas ele me olha estranho a cada vez que se aproxima. O vejo com uma injeção na mão e me desespero.
— Não precisa ter medo, vou apenas coletar seu sangue. Nada será injetado. Confie em mim.
“Como confiar em quem me raptou?”
Ele coleta meu sangue, reservando em pequenos tubos e guardando-os num minúsculo refrigerador.
— Pronto, não doeu.
— Por que não me deixa ir embora? Não contarei a ninguém, juro!
— Não posso, e não quero, e te aconselho a colaborar.
— Então me mate de vez!
— Você não quer morrer, vejo sua vontade pela vida dentro dos seus olhos — Ele ri, de forma sarcástica e alucinada.
— Você é louco!
— Ouço bastante isso, mas sabe o que é loucura, garota, é sentir a vida te sugar pelas estranhas, e tudo por... Motivos “desconexos”— Ele gargalha mais uma vez, mas dessa vez de forma forçada — Não costumo dar meu nome, sou Dr. Russell, Adan Russell.
Antes que eu lhe faça mais perguntas ele volta a selar minha boca com outra fita adesiva e me retira da cadeira livrando minhas mãos das cintas.
— Dante!— Ele grita.
O homem que leva as refeições surge na porta. E de novo sou levada de volta para o meu quarto, dessa vez em silêncio, com as minhas reflexões. Assim que ele fecha a porta do quarto e minhas mãos são livres novamente, me jogo no colchão em profunda reflexão, tentando entender a razão de tudo isso. Ouço Enrico bater na parede.
— Você está bem? — Ele pergunta.
— Sim...
— Pensei que eles tinham feito alguma coisa com você.
— Estou bem, Enrico. Ele só coletou meu sangue.
— Ele coletou dos outros também.
— Nunca coletou o seu?
— Não. Sequer o vi ainda, nada.
“Por qual motivo ele coleta sangue de uns e não de outros?”
— Ele me disse que se chama Adan, deve ser médico ou algo do gênero. Dr. Adan Russell.
— Adan Russell? Eu acho que já vi esse nome em algum lugar mas... Não me lembro de onde.
— Isso é o de menos. Por que ele coleta nosso sangue? — Perguntei, pensando em voz alta.
Ouço Paolo dizer alguma coisa para Enrico, em sussurros mais baixos que de costume.
— Paolo disse que pode ser para avaliar nosso estado de saúde, ter certeza de que ele pode continuar os estudos — Enrico disse.
— Que estudos são esses?
— Não fazemos ideia. Pode ser um estudo comportamental, não sei.
— É muita loucura, precisamos sair daqui.
— Ema, me escute. Um rapaz que estava do outro lado de Paolo foi substituído por outra pessoa, uma garota, mas ela não fala muito. Não sabemos o que ele fez com o rapaz, se foi morto, se foi solto, nada.
— Preciso conquistar a confiança dele, quem sabe, para descobrir mais coisas.
— Não arrisque-se, ele pode ser perigoso.
— Não quero continuar nesse lugar horroroso, Enrico — Digo em prantos — Eu quero ver a minha família, meus irmãos.
— Droga, queria atravessar essa parede e te abraçar, eu me sinto impotente assim.
— Me ajude, Enrico... Me tire daqui...
— Ema, não faz isso comigo! Vamos dar um jeito de nos tirar daqui, confie em mim.
Nessa noite, Enrico ficou comigo com uma parede entre nós, distraindo- me com histórias de sua vida, falando dos seus amigos e familiares. Ás vezes eu sinto que ele segura as minhas mãos através da parede, parece loucura.
— Eu vou sempre te proteger, galega — Ele diz, quando o sono finalmente chega e meus olhos se fecham— Não vou deixar que nada aconteça.
Ter o Enrico ao meu lado com uma parede nos separando era um misto de sentimentos, ora alívio, ora um tormento não poder tocá-lo. Os meus sentimentos por ele estão estranhos, cada dia que passa mais vontade eu tenho de mante- lo perto de mim, mesmo com uma parede entre nós. Estaria eu apaixonada pela primeira vez? Nunca me apaixonei de verdade, já gostei de um garoto da escola há anos atrás, eu não era correspondida, ele gostava da minha melhor amiga, a Melissa. De lá para cá, eu não tive nenhuma paixão tórrida, dessas de enlouquecer que todos falam, e sempre tive curiosidade de saber como é apesar dos alertas de vovó que se apaixonou tantas vezes e diz que sofreu em muitas delas, até meu avô já a fez sofrer. Sou a virgem de tudo, até de coração, assim brincava a minha melhor amiga, que sempre caçoava de mim por isso. Não sei se o que sinto pelo Enrico é essa tal paixão, só sei que não quero ficar sem ele naquele lugar.