Capítulo Cinco:
Todos os dias eram os mesmos, parecia ser o mesmo dia que não acabava, mas sempre havia algum detalhe diferente, mesmo que minúsculo. Em alguns, Paolo cantava em italiano alguma cantiga, apesar de não entender a língua eu gostava de escuta-lo. Até Enrico cantava com o rosto colado na parede, dava até para sentir sua respiração, e nessa hora meu coração batia tão forte que parecia querer sair pela boca. Como pode alguém que eu nunca vi causar essas sensações em mim? Como pode alguém que nem sei como é o rosto, nunca toquei, sequer beijei, e todas as outras coisas normais nunca terem acontecido comigo me causar tantos sentimentos. Enrico estava se tornando algo maior do que a parede que nos separava, ia além do que eu poderia controlar, e eu nem sabia se ele sentia o mesmo por mim, e não me importava. Não sabia se um dia iria vê-lo cara a cara, cada dia que se passava as chances disso acontecer ficavam remotas. Não sabíamos sequer se estaríamos vivos por mais um dia.
Em um desses dias iguais e ao mesmo tempo diferentes, não escuto Enrico do outro lado da parede. Grito para Paolo.
— Paolo, você está ai?
— Estou. Acho que eles levaram o Enrico, Ema.
— Faz quanto tempo?
— Já faz um bom tempo... — Ele hesita.
— Droga, eu dormi muito! Acho que me deram alguma coisa na comida que me deu muito sono. Só lembro-me de ter comido ainda falando com Enrico... Não me lembro de mais nada. Estou apavorada!
— Calma, ele deve voltar. Você voltou, eu voltei. Se acalme.
Como me acalmar, eu estava desesperada. Eles levaram Enrico, o que eu mais temia. Caí em prantos, vi o dia passar sem a voz dele, sem os sussurros e sem as promessas de que iria me proteger. Como posso me acostumar àquele lugar horroroso, sem ele?
Após um dia inteiro de silêncio, o homem que traz as refeições aparece. Ele deixa a bandeja no chão e dessa vez sem me encarar.
— Para onde o levaram? — Pergunto a ele.
— Seu namorado está bem! — Sinto que ele sorri por baixo da máscara.
— Ele vai voltar? Só me responda isso.
— Não sei, garota, não sei. — Ele sai, balançando a cabeça como se não soubesse o que responder.
Pela primeira vez, o homem das refeições, Dante, solta a sua voz, e era uma voz grossa, ríspida e algo nele me parece familiar. Sinto que já o vi antes desse lugar assombroso, só não me lembro de onde. Pode ser impressão minha. Seria impossível eu tê-lo visto antes na minha vida.
Não consigo comer nada, eu tento.
— Precisa comer, Ema, precisa ficar forte para o Enrico voltar — Paolo fica sempre dizendo isso, para eu ficar tranquila, mas meu estômago rejeita.
A noite finda, e nenhum vestígio de Enrico, meu coração se despedaça quando desconfio que algo de ruim lhe acontecera, e eu sinto raiva, ódio, todos os sentimentos obscuros que existem. A vontade de sair desse quarto era grande, para salva-lo do que quer que fosse. Eu preciso saber o que aconteceu com ele.
Olho para a bandeja de comida e observo a colher de plástico e a pego, quebrando a parte côncava e deixando apenas uma ponta, que daria para arranhar a pele. Não era muito, mas devia servir para alguma coisa caso eu precisasse. Arquitetei um plano para sair do quarto e eu precisava da ajuda de Paolo. O quarto dele ficava mais próximo da escada, o meu mais distante. Paolo conseguia escutar primeiro os passos de Dante descendo a escada, o que me dava tempo de surpreendê-lo na minha porta de alguma forma e conseguir escapar. Paolo discordava disso, disse para eu não tentar nada que pudesse me colocar em perigo, que Enrico não aprovaria esse plano. Era pelo Enrico que eu precisava fazer isso, por ele, por nós.
Pela manhã Enrico ainda não apareceu, me deixando ainda mais desesperada e mais certa do meu plano, eu tinha que tentar, tinha que fazer alguma coisa que não fosse esperar sentada e rezar para algo nos salvar. Dante ainda não trouxera o café da manhã, nem sempre ele trazia. Parecia ter o dia certo para isso, não sei. Mas nessa manhã ele não trouxe, e se trouxer o almoço, eu tinha esperanças que sim, colocarei meus planos em prática. O tempo passava e eu me sentia insegura, sem nenhuma notícia de Enrico.
Os dias costumam ser iguais e esse era tão diferente. O silêncio não fazia parte dos outros dias, e Enrico não poderia estar longe. Com um misto de sentimentos em negação, eu rezo para Deus me dar uma luz, um sinal que fosse. Deito no velho colchão sujo e fedido, olhando para o teto mofado, imagino o céu e as estrelas por cima de mim, e Enrico segurando minha mão. Nessa hora eu coloco minha mão na parede como se fosse segurar a dele do outro lado, e ele não está lá. Sinto as lágrimas restantes dos meus prantos anteriores caírem dos meus olhos. Ouço o assobio de Paolo, era o sinal que combinamos, para ele avisar que Dante estava descendo a escada. Eu me preparo por trás da porta para surpreendê-lo segurando o cabo da colher que quebrei.
Consigo ouvir passos abafados pelo corredor e meu coração acelera os batimentos. Dante abre a porta e vejo parte da bandeja. Antes que ele faça alguma coisa eu o surpreendo empurrando a porta fazendo com que ele caia no chão, e vou para cima dele colocando o cabo da colher em seu pescoço.
— Se você gritar eu furo seu pescoço! — Avisei.
Pego o molho de chave do bolso da sua calça e a arma que estava na sua cintura. Ordeno que ele entre no quarto, ele obedece.
— Não tem como você sair daqui — Ele avisa, me olhando fixamente nos olhos. Não sei onde, mas já vi aquele olhar antes, sim, e isso era perturbador.
Tranco a porta e saio pelo corredor tentando abrir as outras portas com o molho de chaves, e eram muitas chaves, Consigo achar a chave da porta de Paolo.
— Vá atrás de Enrico, eu me encarrego de abrir as outras portas — Diz ele, com uma fisionomia pálida, ele é magro, alto, com cabelos grandes. — Bom saber como você é, mocinha — Ele brinca.
Saio do corredor e subo a escada em passos lentos, tentando saber se há mais alguém por perto no corredor adiante. Nada. Não escuto nada. Sigo até a porta à frente e abro, ela está encostada, abro devagar segurando a arma. Não sabia nem como usá-la direito, mas me sinto mais segura sabendo que segura uma. Não há ninguém na sala, não ouço nenhuma voz ou barulho. Há uma porta ao lado e vou até ela, Paolo surge atrás com mais quatro pessoas, todos assustados.
Há mais um corredor depois da porta com várias saídas, como se fosse um labirinto, mas olhando para cima era notável que estávamos abaixo da terra, um tipo de caverna, não sei. Há umidade por toda parte, canos pingando d’agua, e fios correndo por todo o corredor, o que me faz pensar que esse lugar existe há muito tempo.
— Vamos nos dividir— Paolo sugeriu, mas discordei balançando a cabeça.
— Precisamos ficar juntos, Paolo, não sei o que há nessas saídas.
— Tudo bem, mas me dá essa arma e fique atrás de mim, não precisa bancar á heroína — Ele toma a arma da minha mão, me colocando atrás dele junto com os outros.