3
-você vaipara França?– disse Jasmine Connolly, com os olhos brilhando com interesse.
–Com Leon Spinelli?
Mia passara na butique de noivas de Jasmine em Mayfair para uma rápida conversa com
a amiga antes de embarcar. Jaz estava bordando cristais num belo vestido de noiva, o tipo de
vestido confeccionado para as garotas que
sonhavam em ser uma princesa. Mia imaginara
um vestido daqueles na época em que sua vida estivera de acordo com os planos. Agora, a cada
vez que via um vestido de noiva, sentia-se triste.
– Não vou ficar com ele desse jeito. – Ela tocou distraidamente o tecido do vestido no
manequim. – Vou encontrá-lo lá para ajudá-lo a verificar a coleção de arte do pai.
– Quando você irá?
– Amanhã. Ficarei duas semanas.
– Acho que será interessante – disse Jaz, com um sorriso na voz.
Mia olhou-a com as sobrancelhas franzidas.
– Por que diz isso?
Jaz devolveu-lhe um olhar tranquilo.
– Ora, vamos. Nunca nota a maneira como ele olha para você?
Mia sentiu o coração disparar.
– Ele nunca olha para mim. Mal me dirige a palavra. Essa foi a primeira vez que trocamos
algumas frases.
– Pistas, meu caro Watson – falou Jaz, com um sorriso jovial. – Já vi como ele olha para você
quando acha que ninguém está olhando. Acho que, se não fosse pelo relacionamento com a sua
família, ele já teria tomado uma atitude. É melhor você empacotar lingerie apresentável para o
caso de ele mudar de ideia.
Mia tratou de ignorar a provocação da amiga, enquanto passava a mão pelo volumoso
véu pendurado ao lado do vestido.
– Quanto você sabe sobre a vida pessoal dele?
Jaz parou de bordar para observá-la com brilhantes olhos azul-acinzentados.
– Então, você está interessada. Sim! Pensei que esse dia nunca chegaria.
Mia franziu o cenho.
– Sei o que você está pensando, mas não poderia estar mais enganada. Não estou nem um
– Sei o que você está pensando, mas não poderia estar mais enganada. Não estou nem um
pouco interessada nele, nem em mais ninguém. Apenas fiquei me perguntando se ele tem uma
namorada atualmente, nada mais.
– Não que eu saiba, mas ele poderia ter uma porção de mulheres se quisesse. É amigo de Jessie,
afinal.
A cada vez que Jaz dizia o nome de Jessie, ela torcia os lábios. A inimizade entre ambos
prosseguia. Começara quando Jaz tinha dezesseis anos, numa das lendárias festas de Ano-Novo
dos pais de Mia. Jaz se recusara a ir ver o que realmente estivera acontecendo no quarto de
Jessie naquela noite. Ele também se mantivera calado. Mas era de conhecimento geral que ele
desprezava Jaz e fazia todos os esforços possíveis para evitá-la.
Mia olhou para o diamante reluzente no dedo anelar da amiga. Era o terceiro noivado de
Jaz e, embora Mia não tivesse nada contra o mais recente noivo da amiga, Myes, não achava
que fosse o homem certo para ela. Bem, não que pudesse lhe dizer aquilo... Jaz não aceitava
muito bem que lhe dissessem o que não queria ouvir. Mia tivera as mesmas reservas em
relação aos noivos número um e dois. Só podia esperar que a teimosa amiga se desse conta do
erro que estava cometendo antes que o casamento acontecesse.
Jaz recuou um pouco e lançou um olhar crítico ao seu trabalho manual.
– O que você acha?
– Está lindo.
– Vou ficar com a vista embaralhada com todos esses cristais. Tenho que terminar isto para
poder começar o vestido de Holly. Ela é um amor de pessoa, não?
– Maravilhosa. É incrível ver John tão feliz. Para dizer a verdade, não sabia ao certo se algum
dia ele se apaixonaria. Os dois são completamente opostos e, ainda assim, são perfeitos um para
o outro.
Jaz inclinou a cabeça para o lado e a estudou com aquele brilho de provocação no olhar.
– Estou ouvindo uma nota de anseio na sua voz. Mia afastou o ar desejoso de sua expressão.
– É melhor eu ir. – Apanhando a bolsa, beijou a bochecha da amiga. – Verei você quando eu
voltar.
QUANDO MIA pousou em Nice, viu Leon à sua espera no terminal. Estava vestido de
maneira mais casual daquela vez, mas, se é que era possível, aquilo o fez parecer ainda mais
atraente. O jeans azul-escuro moldava-lhe os músculos das pernas e os quadris estreitos. As
mangas dobradas de sua camisa azul-claro acentuava-lhe o tom bronzeado da pele e destacava-
lhe a virilidade dos antebraços salpicados de pelos escuros. Estava recém-barbeado, e ela pôde
lhe ver um pequeno corte na pele. Por alguma razão, aquilo o humanizou. Estava sempre
mantendo a compostura, sempre no controle. O
fato de estar de volta ao lugar onde passara sua
infância o perturbou? Desconcertou-o? Que emoções estariam por trás daqueles olhos escuros?
Quando ele encontrou seu olhar, Mia sentiu um friozinho na barriga. Ele a beijaria como
forma de cumprimento? Não se lembrava de que ele já a tivesse tocado. Nem mesmo por
acidente. Mesmo quando a acompanhara até a galeria, na semana anterior, mantivera distância.
Nem seus ombros haviam se tocado. Bem, não que ela que alcançasse os ombros de Leon...
Ela tinha 1,65m e ele, 1,85m.
Ela abriu um sorriso tímido quando ele se aproximou.
– Oi.
– Olá. – Foi imaginação dela ou a voz dele soou mais possante e rouca que o normal? O som
reverberou por seu corpo como se a tivesse acariciado. Mas ele manteve uma distância educada,
embora não pudesse ter deixado de notar que ele observou seus lábios por um breve momento.
– Como foi o seu voo?
– Ótimo. Mas você não precisava ter me colocado na primeira classe. Eu teria viajado bem na
econômica.
Ele pegou-lhe a mala de rodinhas sem tocar-lhe a mão.
– Eu não queria que ninguém incomodasse você. Não existe coisa pior do que ser plateia
cativa da história de vida de alguém. Mia soltou um pequeno riso.
– É verdade.
Seguiu-o até o estacionamento, onde ele abriu a porta do carro alugado para ela. Não via
defeito nas maneiras dele, mas, afinal, sempre fora um cavalheiro. Era educado e cheio de
consideração. Perguntou-se se aquilo estava sendo difícil para ele, voltar ao lar de sua tenra
infância. Que lembranças lhe evocava? Fazia com que desejasse ter sido mais próximo ao pai?
Trazia à tona arrependimentos e o pesar de que agora era tarde demais?
Ela o olhou enquanto deixavam o estacionamento e se reuniam ao tráfego na Promenade des
Anglais que seguia o azul brilhante da costa do Mar Mediterrâneo. Leon franzia o cenho,
como de costume, e até segurava o volante com força. Ela podia lhe ver os nós dos dedos
esbranquiçados. A linha do maxilar estava rígida. Tudo nele parecia tenso, como se estivesse
sentindo dor.
– Você está bem?
Leon a olhou brevemente, movendo os lábios num sorriso semelhante a uma careta que
não revelou os dentes.
– Estou bem.
Mia não acreditou.
– Está com uma de suas dores de cabeça? – Vira-
o uma vez em Camp, quando ele tivera
uma enxaqueca. Era sempre tão forte e atlético que o ver indefeso com tanta dor e com enjoo
fora um choque. O médico tivera que ser chamado para lhe dar uma forte injeção de
analgésicos. Jessie o levara de volta a Londres no dia seguinte, uma vez que ele ainda estava
debilitado para dirigir.
– É apenas uma dor de cabeça, por causa da tensão. Nada com que eu não possa lidar.
– Quando você chegou?
– Ontem. Tive que terminar um trabalho em Estocolmo.
– Imagino que seja difícil voltar – disse Mia, ainda o observando. – Emocional para você,
quero dizer. Você voltou aqui alguma vez depois que seus pais se divorciaram?
– Não.
– Nem mesmo para visitar o seu pai? Ele segurou o volante com mais força.
– Não tínhamos esse tipo de relacionamento.
Ela se perguntou como o pai dele podia ter sido tão frio e distante. Como um homem podia
dar as costas a seu filho – seu único filho – apenas porque seu casamento terminara? Com
certeza, o elo da paternidade era mais forte do que isso, não? Seus pais tinham enfrentado um
divórcio amargo antes de ela ter nascido e, embora não tenham se mantido muito por perto
devido a compromissos de teatro, pelo que ela
sabia, John e Jessie nunca tinham duvidado de que eram amados.
– Seu pai não me parecia uma pessoa muito boa
– comentou. – Ele sempre bebeu? Desculpe.
Talvez você não queira falar a respeito. Acontece que John me disse que você não gostava de
quando seu pai ia a Londres para vê-lo. Disse que seu pai o deixava embaraçado quando estava
terrivelmente bêbado.
O olhar de Leon estava concentrado no trânsito congestionado à frente, mas ela pôde ver
que ele tinha o maxilar cerrado.
– Ele nem sempre bebeu daquele jeito.
– O que o fez começar? O divórcio?
Ele não respondeu por um momento.
– Isso certamente não ajudou.
Mia perguntou-se sobre o tipo de relacionamento dos pais dele e como cada um lidara
com o rompimento do casamento. Alguns homens ficavam arrasados com a perda de um
relacionamento. Alguns entravam em depressão, outros arranjavam outra parceira depressa para
evitar que ficassem sozinhos.
– Ele tornou a se casar?
– Não.
– Teve outras parceiras?
– Ocasionalmente, mas não por muito tempo. Era difícil de conviver com ele. Há poucas
mulheres que o aguentariam.
– Então, foi por culpa dele que sua mãe o deixou? Porque ele era difícil de conviver?
Ele não respondeu por tanto tempo que ela achou que não a ouvira por causa do trânsito do
lado de fora.
– Não – respondeu ele pesadamente. – A culpa foi minha.
Mia o olhou com perplexidade.
– Sua culpa? Por que acha uma coisa dessas? Isso é absurdo. Você tinha apenas oito anos de
idade. Como poderia ser culpado?
Ele lhe lançou um olhar indecifrável antes de dobrar uma esquina.
– A casa do meu pai fica a poucos quarteirões
daqui. Já esteve em Nice?
– Há uns dois anos, mas não tente mudar de assunto. Por que você se culpa pelo divórcio dos
seus pais?
– Todas as crianças não se culpam?
Mia pensou a respeito por um momento. A mãe dissera várias vezes que o fato de ter tido
gêmeos exercera pressão no relacionamento com o marido. Mas, afinal, Elisabetta não era do
tipo maternal. Ficava mais feliz quando as atenções estavam sobre ela, não nos filhos.
Mia
sentira aquilo na pele enquanto crescia. Todas as suas amigas – exceto Jaz – tinham-na invejado
pela mãe glamorosa do teatro. E Elisabetta podia atuar como uma mãe maravilhosa quando lhe
convinha.
Mas por que Leon achava que era o responsável pelo rompimento dos pais? Tinham- lhe
dito isso? Tinham-no feito se sentir culpado? Que tipo de pais haviam sido para fazer algo tão
repreensível? Como puderam fazer uma criança se sentir responsável pelo fim de um casamento?
Isso era responsabilidade de adultos, e não de uma criança.
Mas ela não persistiu na conversa porque, àquela altura, Leon seguiu pela entrada de
veículos de uma villa de aspecto decadente no estilo de Belle Époque. A princípio, ela achou que
ele devia ter cometido algum erro e seguido pela entrada de veículos errada, ou algo assim. O
lugar parecia algo saído de um filme gótico noir. A fachada da construção de três andares era
cinza-chumbo devido à poluição. As janelas com cortinas gastas eram como olhos fechados.
A villa era como uma estrela de Hollywood acabada. Mia pôde ver a era dourada de glamour nas cúpulas nos cantos do telhado, no trabalho de ferro ornamental e nas decorações do estuque que lembravam um bolo de casamento. Mas tudo fora tristemente negligenciado. Ela sabia que muitas das grandiosas villas da era da Belle Époque ao longo da Promenade des Anglais não tinham sobrevivido ao desenvolvimento urbano. Mas a extravagância do período ainda se evidenciava na bela construção antiga. Que lugar maravilhoso para Leon herdar! Era um pedaço de história. Uma relíquia de um tempo encantado em que a aristocracia ostentara sua fortuna contratando arquitetos para construir villas e embelezá-las com riqueza de detalhes: cantaria, imagens, afrescos, frisos, trabalho em ferro decorativo, trabalho ornamental em estuque, cúpulas, efeitos em pintura e coroas, entre outros. A aristocracia entregara-se ao gosto pelo exótico, com as influências italianas e clássicas como também gótica, oriental e moura.
E Leon estaria empacotando tudo e vendendo a villa?