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– Então, esse serviço... – começou. – Onde está a coleção?

– Em Nice. Meu pai tinha um negócio de arte e antiguidades na Bellut. Essa é sua

coleção particular. Ele vendeu tudo mais quando foi diagnosticado com câncer terminal.

– E você quer... se livrar dela? – Mia franziu o cenho diante da ideia de ele vender tudo

que era do pai. A despeito do relacionamento complicado de ambos, Leon não desejaria uma

lembrança? – Da coleção inteira?

Leon apertou os lábios.

– Sim. Eu tenho que empacotar a villa e vender isso tudo também.

– Por que não pede a alguém de lá? – Mia sabia que era respeitada em seu trabalho como

restauradora de arte, embora estivesse na fase inicial da carreira. Mas não teria condições de

fazer muito no local. A restauração de obras de arte era mais ciência agora do que arte. Técnicas

sofisticadas usando raios X, raios infravermelhos e espectroscopia Raman significavam que a

maior parte do trabalho de restauração era feita no ambiente protegido de uma galeria. Leon

podia arcar com o que havia de melhor no mundo. Então, por que pedir a ela?

– Achei que talvez você gostasse da chance de

escapar da turbulência daqui. Não pode tirar duas semanas de licença da galeria?

Mia já estivera pensando em sair um pouco de Londres para respirar novos ares. Estava

sendo um transtorno ter as sujeiras do pai sendo atiradas em sua direção. Não podia ir a lugar

algum sem ser assediada pela imprensa. Todos queriam saber o que ela achava do escândalo do

pai. Já conheceu a meia-irmã? Planejava conhecê-la? Os pais estavam se divorciando pela segunda

vez? Era incessante. Além da persistência da mídia, ela também tivera que se sujeitar a ouvir as

queixas amargas da mãe sobre o pai e a insistência dele para que fizesse contato com a meia-irmã

para que bancassem a família feliz. Como se aquilo fosse acontecer.

Essa seria a oportunidade perfeita para escapar. Além do mais, outubro na Côte d’Azur seria

preferível a Londres, com aquele tempo horrível que estava fazendo.

– Para quando me quer? – Ela corou ao perceber como as palavras soaram, embora não

intencionalmente. – Quero dizer, poderei provavelmente me ausentar do trabalho no final da

semana que vem. Está bem?

– Sim, está. Não pegarei mesmo as chaves da villa antes disso, de qualquer modo. Marcarei o

seu voo e lhe enviarei os detalhes por e-mail. Tem alguma preferência de hotel?

– Onde você vai ficar hospedado?

– Na villa do meu pai.

Mia pensou na despesa de ficar num hotel... Bem, não que Leon não pudesse pagar.

Ele a colocaria num hotel cinco estrelas se ela lhe pedisse. Mas hospedar-se num hotel a deixaria

em risco de ser encontrada pela mídia. Se ficasse com Leon na villa do pai dele, poderia

trabalhar na coleção sem aquela ameaça pairando sobre ela.

Além do mais, seria uma oportunidade para conhecer um pouco do homem por trás do

eterno cenho franzido.

– Há lugar para mim na casa do seu pai?

Leon franziu ainda mais o cenho.

– Não quer ficar num hotel?

Mia mordeu o lábio inferior, e o rubor espalhou-se por suas faces.

– Eu não quero atrapalhar, se você já tiver alguém que ficará lá...

Quem era esse outro alguém?

Quem era a namorada mais recente dele? Ela sabia que ele as tinha de tempos em tempos.

Vira fotos dele em diversos eventos. Até conhecera uma ou duas mulheres ao longo dos anos,

quando ele levara uma acompanhante a uma das lendárias festas que seus pais tinham oferecido

em Camp para celebrar o Ano-Novo. Mulheres altas, incrivelmente bonitas e

eloquentes

que não coravam e atropelavam as palavras como tolas. Ele não era tão ostensivo quando o

irmão playboy dela, Jessie. Era mais como John naquele aspecto, preferindo manter sua vida

particular longe do domínio público.

– Não estou com ninguém hospedado lá.

Ele não estava com ninguém hospedado lá? Ou não estava com ninguém em qualquer lugar?

E por que ela estava pensando sobre a vida amorosa dele? Não era como se estivesse

interessada nele. Não estava interessada em ninguém. Não desde que Mathew morrera.

Ignorava

homens atraentes. Afastava rapidamente qualquer homem que flertava com ela ou tentava

conquistá-la. Não que Leon usasse seu charme com ela, ou algo assim. Era educado, mas

distante. Indiferente. Quanto a flertar… bem, se ele pudesse aprender a sorrir vez ou outra,

poderia ajudar.

Ela não soube por que estava persistindo tanto para obter um convite. Talvez fosse porque

nunca passara nenhum tempo com ele sem outras pessoas por perto. Talvez fosse porque ele

perdera o pai recentemente e ela quisesse saber por que não contara isso a ninguém antes do

funeral. Talvez fosse por que queria ver onde Leon passara os primeiros oito anos da vida,

antes de ter se mudado para a Inglaterra. E como havia sido quando criança. Brincara e adorara

diversão, como a maioria das crianças, ou fora sério e inexpressivo como agora?

– Então, estará bem se eu ficar lá com você? Não vou atrapalhar?

Ele a olhou franzindo o cenho, como de costume. Mergulhado em pensamentos, ou com

reprovação? Ela nunca sabia dizer ao certo.

– Não há uma governanta lá.

– Eu sei cozinhar. E posso ajudá-lo a arrumar as coisas antes de vender o lugar. Vai ser

divertido.

O silêncio prolongou-se.

Mia teve a impressão de que ele estava refletindo a respeito. Pesando os prós e os contras.

Finalmente, respirou fundo e soltou o ar devagar.

– Está certo. Eu lhe mandarei um e-mail sobre o voo.

Ela levantou da mesa e começou a colocar o casaco, libertando o cabelo da gola.

– Você se importa se eu sair com você? Havia um grupo de paparazzi no meu encalço antes.

Entrei aqui para escapar deles. Seria bom voltar ao trabalho sem ser abordada.

– Sem problemas. Estou indo mesmo naquela direção.

LEON CAMINHOU ao lado de Mia até a galeria. Sempre se admirava em como ela era

pequena. Tinha a constituição de uma bailarina, com membros delicados e um rosto de fada,

grandes olhos castanho-claros e cabelo ruivo. Sua pele, porém, não tinha uma única sarda; era

branca e perfeita como leite. Tinha uma beleza etérea. Lembrava-o de uma personagem de um

conto de fadas – uma fada inocente perdida no meio de um mundo maluco e fora de controle.

Ao vê-la escondida no café, tivera aquela ideia. Parecera... certo, de algum modo. Ela

precisava de um esconderijo e ele precisava de alguém para ajudá-lo a ordenar a confusão que

seu pai deixara. Talvez tivesse sido melhor contratar alguém do próprio lugar. Talvez pudesse

vender o lote sem a avaliação adequada. Ora, ele nem sequer sabia realmente por que pedira a

Mia para fazer aquilo, exceto porque sabia que estava tendo dificuldades com o escândalo

envolvendo seu pai e sua meia-irmã.

Isso e o fato de que não podia suportar a ideia de ficar naquela villa sozinho com apenas os

fantasmas do passado para assombrá-lo. Ele não voltara lá desde o dia em que saíra, quando

tinha oito anos de idade.

Não era de sua natureza agir tão impulsivamente, mas ao ver Mia escondida atrás da

planta dera-se conta de como ela estava estressada por causa do mais recente pecado do pai. Os

irmãos haviam comentado que a imprensa havia acampado diante do apartamento dela no mês

anterior. Não podia dar um passo sem que uma câmera ou um microfone fossem enfiados na

sua cara. Ser filha de celebridades estava lhe custando caro.

Leon sempre sentira um pouco de compaixão por Mia. Era constantemente

comparada à mãe cheia de vivacidade e glamorosa e sempre saía perdendo. Agora, estava sendo

comparada à meia-irmã. Kat Winwood era linda. Não havia dúvida quanto a isso. Era do tipo de

beleza que se via nos outdoors. Era de parar o trânsito. A beleza de Mia era serena, à qual

uma pessoa tinha de se acostumar. E ela era tímida de uma maneira antiquada e graciosa. Ele

não conhecia muitas mulheres que coravam como ela. Nunca flertava. E nunca saía com

ninguém. Não desde que perdera o primeiro e único namorado para a leucemia quando tinha

dezesseis anos. Leon não podia deixar de lhe admirar a lealdade, mesmo que, pessoalmente,

achasse que ela estava jogando a vida fora. Mas quem era ele para julgá-la?

Não tinha nenhum plano para um final feliz também.

Mia era a melhor pessoa para aconselhá-lo sobre a coleção do pai. Era confiável e sensata.

Era competente, eficiente e tinha o olho clínico. Ajudara o irmão John a comprar ótimas peças

em vários leilões. Podia avistar uma falsificação a vinte passos de distância. Levaria apenas uma

semana ou duas para verificar a coleção, e ele estaria lhe fazendo um favor nesse meio tempo.

Mas havia uma coisa que ela não sabia sobre ele.

Ele não contara nem mesmo a John ou Jessie sobre Rosalina.

Era por aquele motivo que fora ao funeral do pai sozinho. Voltar para Nice fora como abrir

uma ferida.

Houvera inúmeras vezes em que poderia ter mencionado o fato. Poderia ter contado aos dois

melhores amigos o segredo trágico que carregava feito uma algema em torno do coração. Mas,

em vez disso, deixara todos pensando que era filho único. A cada vez que pensava na irmã

caçula, sentia o coração ficar apertado. A lembrança de seu rosto rechonchudo e do sorriso

alegre com uma covinha fazia a culpa golpeá-lo como uma guilhotina.

Durante todos aqueles anos, não dissera nada. A

ninguém. Deixara aquela parte de sua vida –

sua antiga vida, sua infância – na França. Sua vida dividia-se em duas partes: França e

Inglaterra. Antes e depois. Às vezes, o “antes” era como um sonho ruim – um pesadelo horrível.

Mas então ele acordava e se dava conta, com um aperto no peito, de que era verdade. Que não

havia escapatória, que era doloroso, mas que era verdade. Não importava onde ele vivesse, a

distância que viajasse ou o quanto se empenhasse para bloquear as lembranças. A culpa o

atormentava. Incomodava-o durante o dia. Torturava-o à noite. Espetava agulhas em sua cabeça

até que ele estivesse cego de dor.

Falar sobre a família era uma tortura para ele. Pura e incessante tortura. Odiava sequer pensar

a respeito. Não tinha uma família.

Sua família fora destruída vinte e sete anos antes e fora ele a fazê-lo.

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