3- Zen Iwata
— E como pretende o achar? Ninguém sabe onde meu tio está.
— Não se preocupe. — Sorrio. — Eu dou meu jeito...
Após me acomodar no quarto vazio, dormi num colchonete com Luci. Yuri foi trabalhar, então quando acordei ele não estava em casa. Tomei banho e coloquei um vestido.
Vejo Luci deitado no cobertor. Ele dorme serenamente após ter me xingado muito por mentir para Yuri.
Saio do quarto e me sento no sofá da sala para assistir algo na televisão.
— Tem sido uma menina muito malvada — Ruti diz no meu ouvido.
Olho para o lado o vendo sentado no sofá. Rutiel é a minha entidade. Sua cor representante é o branco, por isso os pelos corporais, as roupas e as íris dos seus olhos são brancas. Se parece muito com um homem albino.
— Gostou da minha aparência? — Ele se levanta e dá uma volta.
Ruti está com a aparência de um homem japonês e usa a roupa tradicional do país, um quimono. Ele é muito elegante e gracioso, até mesmo quando fala. Sua voz sempre é mansa e isso me faz lembrar que ele não tem emoções humanas. Rutiel é perfeito e só pode ser assim porque não é e nunca foi humano. Pensar nisso às vezes me deixa triste, porque eu sei que é impossível eu ser perfeita. E mesmo batalhando para ser uma boa pessoa, continuo a fazer coisas que são nitidamente erradas.
— Não consigo dizer a verdade para o Yuri. — Ajoelho-me no chão. — Sinto muito. — Abaixo a cabeça.
— Tudo bem não querer contar o que você fez, mas não precisava mentir. Deveria ter dito ser algo pessoal e que não gostaria de compartilhar. Às vezes dizer isso funciona.
— Tive medo dele insistir. Qual punição me dará?
— Seja boa para o seu primo.
Levanto a cabeça. Eu ouvi direito?
— Ser boa para o Yuri? Isso não é uma punição.
— Apenas faça o que eu disse com maestria. Gosta do Yuri, não é? Cuide, apoie, converse... Dê o melhor de si pela sua família.
— Vou dar. Obrigada. — Sorrio.
A campainha toca. Eu me levanto e vou atender. Ruti me acompanha. Abro a porta e olho para cima para encarar um homem alto. Nossa, parece um poste de luz. Ele usa terno, tem uma expressão séria. Não é velho, deve ter quase a mesma idade de Yuri. Seus olhos e seu cabelo são castanhos. Ele é lindo, muito lindo.
Eu disse lindo? Olho para Ruti e sorrio sem graça. Ruti balança a cabeça para os lados, repreendendo meu pensamento.
— Para o que está olhando? — pergunta o homem. Sua voz faz os pelos dos meus braços se arrepiarem. Tem uma voz muito máscula. Ave Maria, esse homem é um pecado!
— Nenhum lugar. — Sorrio. — Quem é o senhor?
— Sou Zen Iwata, prazer em conhecê-la. Yuri se encontra?
— Ele já deve estar voltando da escola. Quer o esperar aqui? Pode entrar. — Dou espaço para ele entrar, mas ele não entra.
— Qual o seu nome?
— Dandara.
— Prefiro o esperar no jardim, senhorita Dandara.
— É falta de educação deixá-lo sozinho, então ficarei aí com o senhor. — Saio e fecho a porta.
Ficamos um ao lado do outro olhando para o nada.
— Se me permite perguntar, a senhorita namora Yuri?
— Yuri é o meu primo. Sou Dandara Natsuki.
— Você... — Ele estreita os olhos.
— Algum problema? — Encolho os ombros. Eu sinto que ele tem ódio no olhar.
Ruti, também acha isso? Olho para os lados, ele foi embora.
— Zen! — Yuri corre sorridente até nós. Sua roupa esportiva está muito úmida de suor. Parece que a aula foi agitada. — O que faz aqui?
— Por que demorou a chegar?
— Tive um imprevisto no caminho de volta. Como está? Parece que já conheceu a Dan Dan.
— Sim.
Yuri passa por nós e entra na casa retirando os seus sapatos e colocando as pantufas. Zen faz o mesmo. Também entro e fecho a porta.
— Hoje o dia foi cansativo, mas divertido. Espere um pouco, já converso com você. — Yuri entra no banheiro e fecha a porta. Ouço a água do chuveiro caindo no chão. Acho que irá demorar um pouco.
Zen me olha de lado.
— Acaso está no Japão para ver o seu pai?
— Conhece o meu pai? — Arqueio as sobrancelhas. — Respondendo a sua pergunta: mais ou menos.
— Onde ele está? — Ele cerra os punhos.
Onde essa conversa irá levar? Engulo em seco.
— Não sei onde ele está. Não tenho nem ideia.
— Sabe o que o seu pai fez comigo? — Ele se aproxima de mim. Seus olhos me mostram profundo ódio e tristeza. Compartilho desse mesmo sentimento pelo homem que um dia já me chamou de filha e me deu o seu sobrenome.
— Não tenho nem ideia.
— Masaki Natsuki coagiu minha irmã mais nova a roubar dinheiro da empresa da minha família e depois fugiram juntos.
— Sinto muito. Depois que ele foi comprar cigarro que eu vi que ele não valia nada. — Suspiro e abaixo as sobrancelhas. — Saber que isso aconteceu me entristece.
— O que cigarro tem a ver com isso? — Ele franze as sobrancelhas. Dou um sorriso sem graça.
— Eu quis dizer que ele me abandonou.
Yuri abre a porta do banheiro e vejo que ele está só com uma toalha enrolada na cintura. Fecho os olhos e tento lembrar da oração do Pai-Nosso... A oração não é da minha religião, mas serve para me distrair e tirar meu pensamento da imagem de Yuri. Não é que eu sinta atração por ele, não é exatamente isso. Yuri é minha família. É simplesmente uma precaução para eu não sentir um mísero sentimento bom por vê-lo sem camisa. É pecado eu ver. Melhor dizendo: é uma infração gravíssima do meu celibato.
— Desculpa, Dan Dan. Esqueci que agora tenho uma companhia feminina. Vou me vestir.
Ouço a porta do quarto dele ser fechada e abro os olhos. Pouco tempo depois Yuri sai do quarto vestido e perfumado.
— Ouvi toda a conversa. — Yuri passa a mão pelo cabelo. — Contou a ela que está investigando o paradeiro dos dois?
— Não.
— Dan Dan vai morar comigo a partir de hoje e veio para o Japão procurar o tio Masaki. Deve ser algo muito importante para vocês dois e até que para mim também é. Eu amava o meu tio e ele fez as duas pessoas que eu mais gosto sofrerem, vocês dois. Então, por favor, Zen, ache ele. — Ele curva o corpo para frente. — Preciso vê-lo.
Também curvo o meu corpo para frente. Mesmo o meu motivo de ter vindo não ter sido o meu pai, seria realmente ótimo que ele fosse achado. Digo ao Iwata:
— Ache o meu pai para ele pagar pelo que fez.
— Não se preocupem — ele diz e ergo a cabeça para o encarar. — Não vou medir esforços para isso. Ele será encontrado!
Sua convicção me contagia e faz eu não ter dúvidas de que isso realmente acontecerá.