4- Sumiço
Estar com Yuri é ótimo. Nossos momentos juntos são perfeitos. Descobri que ele sabe cozinhar muito bem, sabe costurar, plantar... O único problema mesmo é a preguiça.
Além disso, ele tem jogos ótimos de console. A empresa do seu amigo cria jogos, por isso ele tem vários que ainda nem foram lançados. Ficamos tão animados com um jogo que o Iwata deu para ele que passamos a madrugada jogando.
Zen Iwata é um homem muito sério e reservado, mas posso perceber o quanto gosta de Yuri. São diferentes em todos os sentidos e acho que isso deixa a amizade deles muito mais especial. Adoro vê-los juntos.
No momento, estou sozinha no parque com Luci. Ele estava com saudade de nadar num lago e aqui tem um bem grande.
Estendo um pano no chão e me deito sobre ele.
"O poste de luz está vindo" Luci me avisa. Não entendo a birra dele com o Iwata. Abro os olhos e vejo o senhor Iwata me encarando.
— Boa tarde. — Levanto. — O que faz aqui?
— Yuri me pediu para te entregar isso... — Ele me dá a chave da casa de Yuri.
— Por quê? Yuri saiu?
— Pensei que pudesse saber de algo. Ele estava agitado, apreenssivo. Saiu e me pediu para entregar a chave.
— Obrigada.
— Tenho que trabalhar. Com licença. — Ele vai embora...
Voltamos para casa e faz horas que mandei uma mensagem perguntando para Yuri quando iria chegar e não obtive resposta.
— Onde ele está? — Bufo e desligo a televisão.
Ouço o meu celular tocar e me levanto do sofá para pegá-lo na mesa. É um número que eu não conheço. Atendo a ligação.
— Alô! Quem é?
— Sou eu, Iwata. Yuri voltou para casa?
— Ainda não. É normal ele sair assim?
— Não. Ele não responde minhas mensagens e não atende as minhas chamadas. Já tentou ligar para ele?
— Só mandei mensagem.
— Ligue você. Talvez ele atenda.
— Vou ligar.
Ele desliga a chamada e eu ligo para o Yuri. Ligo uma, duas, três vezes e ele não atende...
Já são 23 horas da noite e o Yuri ainda não chegou em casa. Só pode ter acontecido algo e eu não posso fazer nada.
— Ligue novamente — sussurra Rutiel. Olho para os lados tentando encontrá-lo no quarto, mas ele não está aqui.
— Obrigada, Ruti. — Sorrio.
Ligo para Yuri e dessa vez sou atendida. Ele diz:
— Como você está?
— Eu? Eu estou ótima, senhor Yuri Natsuki. — Coloco uma mão na cintura e bufo. — Como VOCÊ está?
— Estou na praia. Aquela que passamos perto para comprar frutos-do-mar.
Sua voz é cansada, triste.
— Eu vou aí. Me espera?
— Sim.
Desligo a chamada e ligo para o Iwata.
— Dandara, ele chegou?
— Me ligou. Vou encontrá-lo na praia do bairro ao lado.
— Não vá sozinha. Eu vou aí te buscar.
— Tudo bem.
Desligo a chamada e olho para Luci. "Não me olhe com essa carinha triste. Seu primo está vivo", diz.
— Só isso não basta para mim. — Suspiro e me sento no chão. — Ele não está bem.
Luci se deita no meu colo e o acaricio.
"Então o faça ficar bem. Você consegue fazer qualquer um ficar bem."
Dou um sorriso triste. Espero que eu realmente consiga.
Ouço a campainha tocar. Luci sai do meu colo e nós dois saímos do quarto. Ao abrir a porta da casa, vejo Iwata. Está de terno ainda. Deve ter acabado de sair do trabalho.
— Vamos. — Ele me dá as costas e anda até o seu carro.
Saio de casa com Luci e entro no carro me sentando no banco ao lado do motorista. Ruti se senta no meu colo e eu fecho a porta.
Iwata encara a minha capivara.
— Pode retirar esse animal, por favor?
— Luci não consegue ficar longe de mim.
Ele estreita os olhos.
— É sério?
— Não estou mentindo.
— Certo. — Ele começa a dirigir.
Coloco o cinto de segurança e respiro fundo. Lembro do sorriso de Yuri, das competições de vídeo game e da comida gostosa. Desde que cheguei, não o vi ficar triste. Isso foi muito repentino.
— Yuri falou o porquê de não ter voltado para casa? — Iwata pergunta.
— Não. Ele parecia triste. Sabe o que pode ter o deixado assim?
— Não. — Ele reveza o olhar entre mim e a estrada, mas não fala nada.
— Vocês são amigos desde quando?
— Deve ter uns 4 anos... Se me permite perguntar, como está sendo morar com Yuri?
— Ótimo. Ele me trata muito bem.
— Percebi que ele está mais feliz que o de costume. Anteontem estava fazendo caminhada matinal. Isso é muito incomum, mas bom. — Vejo ele dar um leve sorriso quase imperceptível.
Quero continuar fazendo Yuri feliz. Vou zelar pelo que restou da minha família. Não é justo que o meu primo fique triste quando ele só sabe me fazer sorrir e contagiar a todos com o seu jeito divertido.
— Apesar de ser filha de Masaki Natsuki, eu vejo que você não tem nenhum traço da personalidade dele. — Ele para o carro no sinal vermelho e agora só olha para mim. — Continue assim, por favor. Tenha em excesso o que o seu pai nunca teve e nunca terá: bondade. — Iwata volta a olhar para frente. O sinal fica verde e ele volta a dirigir...
Chegamos na praia e agora estamos andando por ela a procura de Yuri. O vento bagunça nossos cabelos e a brisa gélida arrepia meus pelos. O mar está agitado, então não há ninguém na água.
— Ali! — Iwata aponta para uma pessoa sentada no chão, próxima ao mar.
Corremos até lá. É Yuri. Ele se levanta. Olha para nós dois com tristeza e abaixa a cabeça.
— O que aconteceu? — pergunta Iwata.
— Não quero falar sobre.
— O que aconteceu? — ele pergunta de forma mais dura.
Foi por esse tipo de pergunta insistente que eu preferi mentir para Yuri e não contar o que houve no Brasil.
— O importante é que agora estamos com ele. — Sorrio e o abraço. — Por favor, não faça isso de novo.
— Não vou. Desculpa — Ele funda a cabeça no meu pescoço e me abraça com força. — Desculpa.
Ouço ele fungar e sinto ele molhar meu pescoço. Está chorando. Sem conseguir me conter, também começo a chorar.
Desfazemos o abraço. Nós dois limpamos nossas lágrimas, mas não paramos de chorar.
— Por que está chorando, sua besta? — Ele dá um risinho. — Eu estou bem.
— Chorar faz bem à saúde.
Ele olha para Iwata.
— Me desculpa?
Iwata não o responde. Simplesmente o abraça...
Voltamos para casa e Yuri foi logo se deitar para dormir.
— Devo voltar para casa. — Iwata anda até a porta da frente e calça os seus sapatos. — Em duas semanas terá um evento esportivo no parque para a diversão do público. Convença o Yuri a ir com você.
— Esporte? Calor?
Isso só pode significar uma coisa para mim: terá homens sem camisa. Isso é terrível.
— Será bom para ele. Vá, por favor.
— Tá. — Forço um sorriso. Farei isso pelo Yuri.
— Mais uma coisa: acho que ele se divertirá se nós três participarmos. Então vá com roupa apropriada. Boa noite.
— Boa noite.
Ele sai e fecha a porta.
Os três?... Iwata de regata mostrando seus músculos? As veias do braço saltando? Ele balançando seus cabelos ao vento? Derramando água no corpo? A regata marcando o seu abdômen?
Ajoelho-me no chão e coloco a mão no coração.
— Pai nosso que estás no céu, santificado seja o vosso nome... Eu esqueci o resto. Vou tentar outra coisa: pirulito que bate-bate, pirulito que já bateu...
"Parece que você nunca vai deixar de ser safada", Luci resmunga. Olho para o lado e o vejo me encarando.
— É difícil deixar os maus hábitos. — Choramingo. — Mas um dia ainda serei uma moça recatada. Rutiel vai ter orgulho de mim.
Fecho os olhos e me imagino vestida de anjo. De repente acabo me imaginando como um anjo caído e rodeada por homens maravilhosos. Controlar meus pensamentos impuros é uma tarefa terrivelmente difícil.