2- Yuri Natsuki
Um mês antes: janeiro de 2022
Dandara
Vir para o Japão foi a melhor opção? Yuri sempre quis me conhecer e sempre diz que sou como uma irmã para ele. Eu espero que seja verdade, porque eu não quero ficar desamparada num país em que nunca estive antes.
Já estou no táxi com destino a casa de Yuri. Luciel, a minha capivara, está na casinha de viagem. Ficou muito bravo por ter que ficar horas preso. Pedi que me perdoasse umas 50 vezes e mesmo assim continua bravo.
Finalmente o táxi para na frente da casa de Yuri e eu saio do carro segurando com dificuldade a casinha de Luci. Coloco ela no chão e pago o taxista. Ele retira minha mala do porta-malas e vai embora.
Olho para a casa de Yuri. É muito bonita por fora. Tem um pequeno jardim na frente, uma cerca em volta e uma placa com o seu sobrenome, Natsuki.
— Agora está livre, Luci. — Abro a porta da casinha e Luciel sai.
"Eu deveria nunca mais te olhar por fazer essa covardia comigo. Vou fazer Rutiel te castigar!" Luciel grita na minha mente.
— Eu já pedi que me perdoasse. Eu sinto muito. — Suspiro. — Não tinha como te trazer se não fosse na casinha.
"Era só não viajarmos!" Luci grita mais alto. Massageio minhas têmporas. Acredito que ele continuará irritado por um bom tempo. Ainda bem que eu trouxe uma cartela de remédio para dor de cabeça.
Pego minha mala, a casinha e ando até a porta de Yuri. Toco a campainha. Meu coração bate forte e a ansiedade toma conta de mim. Finalmente conhecerei Yuri e espero que ele não me xingue por vir de surpresa.
Ele abre a porta e dá um lindo sorriso. Yuri é um homem de 26 anos. Parece um modelo de tão bonito, mas é um professor de colegial. É um homem enérgico, fã de animes e gosta bastante de palavrões.
— Não acredito. É você mesmo? — Ele dá um passo para trás e me olha melhor. — Caralho, nunca achei que a veria pessoalmente! — Ele me abraça. Sinto que meus ossos irão se quebrar.
— Vou morrer — digo sentindo falta de ar e Yuri me solta. Respiro fundo. — Obrigada pela recepção calorosa.
— Você é mais linda pessoalmente. — Ele dá um riso e cheira o meu pescoço. — E mais cheirosa que o meu computador.
Dou um risinho. Ele é uma graça.
— Que bom que ficou feliz. — Sorrio. Olho para o Luci, ele está comendo a grama do jardim. — Luci, venha aqui!
Ele me ignora.
— Minha capivara está comendo a sua grama. Desculpa. — Dou um sorriso sem graça.
— Grama cresce. É bom que não preciso aparar. Agora venha! — Ele me puxa para sua casa, trago a minha mala e a casinha e Yuri fecha a porta. — Deixe os sapatos aqui e coloque as pantufas.
Tiro minha sapatilha e coloco a pantufa com aparência de gatinho.
Olho em volta. Aqui é bem arrumada. A decoração é simples. A cozinha e a sala são no estilo cozinha americana. Sempre quis ter uma casa assim, só porque posso cozinhar enquanto assisto algo na televisão.
Meu estômago ronca. Foi só pensar em comida...
— Tenho macarrão instantâneo. Você gosta?
— Gosto, mas antes de comer eu queria te pedir uma coisa. — Curvo o meu corpo para frente. — Por favor, deixa eu morar com você? É até eu conseguir concluir o ensino médio e fazer o curso para me tornar técnica de enfermagem. Prometo arrumar um emprego para ajudar a pagar as contas e comprar comida. Além disso, Luciel é uma capivara muito gentil e sossegada, não vai incomodar.
Ele coloca a mão na minha cabeça e me acaricia.
— Pode ficar o tempo que precisar, Dan Dan.
— Dan Dan? — Levanto a cabeça e arqueio uma sobrancelha.
— Seu apelido. — Ele puxa a minha bochecha. — Fique aqui o quanto precisar. Tenho um quarto vazio. Pode usar ele.
Meus olhos se enchem de lágrimas. Nunca pensei que seria assim. Não achei que fosse ser recebida tão bem.
— Muito obrigada!
"Dan Dan? Ele quer ser íntimo demais de alguém que até ontem só conversava pela internet" Luci reclama. Olho para a porta fechada.
— Deixamos Luci lá fora.
Yuri abre a porta e minha capivara tagarela entra. Luci anda por toda a casa.
"O quarto dele fede a homem, isso é um mau sinal. Fique longe de lá. Você pode virar a presa de um homem sozinho que passa muito tempo usando a mão".
— Estou feliz por agora ter companhia. — Yuri passa o polegar na minha bochecha. — Você é minha única família.
"Lembre-se da frase que sua amiga sempre dizia: 'Deus fez os primos para não pegarmos os irmãos'. Mantenha distância de Yuri Natsuki ou vou acabar com esse rostinho de santo dele", Luci não para de falar essas coisas na minha mente. Acredito que ele está muito equivocado, mas esse assunto está me deixando constrangida.
Meu estômago ronca novamente.
— Não deve ter tomado café da manhã, não é? Vou preparar o macarrão. — Ele vai para a cozinha e abre uma porta do armário. Vejo várias e várias embalagens de macarrão instantâneo.
— Yuri, por acaso você come só isso? — pergunto com preocupação.
— Não. Claro que não. Aqui também tem hambúrguer, no congelador tem pacote de batata...
— Yuri! — Arregalo os olhos. — Você é um professor de educação física. Isso não faz muito sentido.
— Pois é. — Ele dá um risinho e morde o lábio. — Enquanto eu aparentar estar saudável não tem problema. Só não pode contar para os meus alunos.
"É melhor irmos embora antes que você o veja infartar por conta de uma artéria entupida". Às vezes o Luci é muito insensível... Procuro-o e o vejo atrás de mim. Pego ele no colo.
— Não diga essas coisas — sussurro. — Se for um bom garoto vou te dar uma erva especial para comer.
"Ainda estou bravo". Ele vira o rosto para o lado. Dou um beijo no seu rosto. Uma hora ou outra ele não resistirá a mim.
— Acho incrível que entre cachorro e gato você preferiu uma capivara. — Ele coloca o pote com o macarrão em cima da mesa junto de uma colher. Ainda bem que ele sabe que eu não sei comer com palitinhos.
Coloco Luci no chão e me sento à mesa. Yuri se senta ao meu lado virado para mim. Olho bem para o macarrão nada nutritivo e depois encaro Yuri. Abaixo as sobrancelhas.
— Olhando agora... Você está meio pálido. Irá reclamar se eu passar a fazer uma comida mais nutritiva para nós? Eu gosto de macarrão instantâneo, mas eu não quero parar num hospital e também não quero ver você em um.
— Você pode fazer o que quiser. A casa é sua.
— Obrigada. — Começo a comer.
— E como está a sua mãe? Ela deve ter ficado muito triste ao saber que você decidiu vir morar no Japão. Por que não fazemos uma chamada de vídeo para mostrar que você está bem?
Engasgo com o caldo do macarrão e começo a tossir.
— Não! — Coloco a mão no peito e arranho a garganta. — A verdade é que não estou conversando com ela.
— Pela viagem?
Olho no fundo dos olhos dele. Yuri sempre me viu como uma boa pessoa e eu não sinto vontade alguma de estragar a imagem que ele tem de mim.
"Não faça isso, Dan", Luci me avisa.
— Não é a viagem. É óbvio que é algo muito sério. Eu posso ver isso nos seus olhos. — Ele toca no meu ombro. — O que houve?
— E-eu não... — Aperto os olhos. Desculpa, Luci, mas eu não posso... Abro os olhos. — Eu vim atrás do meu pai.
— Para quê? Nem mesmo gostava de tocar no nome dele.
— Agora eu quero vê-lo. Quero que ele diga o motivo de ter me abandonado.
Espero que minha entidade me perdoe por isso.