CAPÍTULO 04
Que mistérios há nesse mundo? O que há além do conhecido para encontrar?
Parecia outro mundo. Algo visto e descrito apenas em livros. Retratações de um mero desenho irreal… porém real.
É verdadeiro!
É belo!
É assustador!
Que terra era aquela se erguendo sobre o mar escuro como um farol de beleza e perigo. Seria uma ilha?
Grande demais!
O que era a América do Sul antes do descobrimento? Qual culturas e conhecimento se perdeu antes da terra ser fragmentada?
O que era antes dos territórios divididos como se fosse uma fatia de bolo?
Um sentimento ruim se apossou de Alexandre conforme o choque do que via tirava sua bebedeira. As embarcações se aproximavam apenas para ver o quão denso eram os rochedos e o quão magníficos eram os picos montanhosos a distância, com auroras boreais dançando sobre toda a extensão do que parecia ser um continente.
Selvagem… aquilo à frente das embarcações era completamente selvagem!
Era misterioso, anormal, e belo! Refletia muita luz muito antes dos navios chegarem à costa. Luz em meio a trevas como pontinhos que contornavam um lugar grande demais para ser simplesmente uma ilha.
Havia, montanhas ao fundo, o litoral é extenso, as árvores grandiosas exalando brilho e também… aquelas auroras boreais. Elas dançavam no céu estrelado a todo esplendor, serpenteando e trazendo luz com as estrelas.
A poderosa corrente na água, iluminada em meio aquele escuro, se desmanchava como uma corda desfiada até não passar de simples água brilhante. E perante a ela e aos picos dos rochedos litorâneos — igualmente fluorescentes —, erguiam-se um penhasco imponente e mortal.
Com vários e vários metros de altura, irregular, afiado pelo tempo e brutal. Suas rochas eram negras, sombrias e intimidavam os navios como se fossem meros barquinhos de papel. Naquele ambiente completamente diferente do que o acostumado, o precipício contornava os tesouros daquele novo mundo sem brechas visíveis para a invasão.
Que mistérios haverá além?
E para lá, o que sobrava da corrente os guiava como um ímã atraindo para aquele lugar diferente de tudo que eles já viram ou ouviram falar. Um novo mundo… um novo tesouro!
Um cenário possível apenas em livros de fantasia pulsando vida e calor. Aquele ambiente estava mais vivo do que jamais presenciaram na América do Sul, Europa ou qualquer outro continente conhecido.
Não… a terra de onde vieram era escura, fácil e simples. As estrelas sequer eram suficientes para iluminar suas noites, as árvores eram pequenas e os animais mal representavam algum risco perante as armas que a humanidade empunhava e as construções que erguiam.
Mas ali quase podia sentir a pulsação da terra através da água e do ar. Tudo muito complexo… ardendo luz com belíssimas auroras boreais dançando através das nuvens e das estrelas. O ambiente húmido carregava o cheiro selvagem de sua vegetação conforme o odor da embarcação era levado pela brisa local.
Eles mal podiam ver montanhas ao fundo, cor e brilho em meio a vegetação até que o penhasco impusesse seu grande tamanho e tampasse a vista como um guarda real de semblante fechado.
Eles estavam tão impressionados com aquele tamanho… aquela grandeza, a constelação completamente nova e o quanto eram insignificantes que sequer notaram a água abaixo deles!
E os humanos hesitaram em prosseguir… porque aquele mundo não era indefeso, não estava doente e consumido em depressão sem fim. Aquele lugar estava tão saudável quanto o mais poderoso dos touros, pulsando como o coração de dez mil cavalos, florescendo e evoluindo.
Aquele lugar é um tesouro!
Era surreal. Quase assustador!
Os rochedos erguiam-se pela água brilhante em belíssimos arcos de corais em musgo e conchas. Estavam na maré baixa e ela podia sentir a terra pulsar pela fraca luz que emanava das pequenas rachaduras nos rochedos.
As conchas pareciam conter essas mesmas luz em seu casulo brilhante. Dandara percebeu o interesse dos homens quando a embarcação se aproximou e viu a riqueza que emanava daquele lugar. Seria topázio em seu estado mais bruto preso em meio aos musgos?
Que minério branco era aquele impregnado em meio as conchas e cracas?
Aquela terra era rica. Era valiosa, portadora de cristais e minérios muito mais valiosos que ouro e diamante.
— O que vê? — Questionou Alexandre ao seu olheiro.
A lupa apontava para a terra em si, tentando encontrar seu fim no horizonte ou identificar algum animal, pessoas ou cidades. Mas tudo que ele vê são árvores e uma pigmentação verde fluorescente brotando em meio às suas falhas e rachaduras. Elas eram altas… densas e familiares à vegetação brasileira e diferentes, ao mesmo tempo.
— Nada — informou o primeiro homem.
Em cima do mastro, outro olheiro se atentava ao achado, mas a floresta também era escura onde as plantas não iluminavam.
— NADA! — Gritou para seu capitão.
E a mesma resposta veio dos demais navios conforme se aproximavam do litoral e o precipício parecia cada vez maior… imenso o suficiente para ocultar cada vez mais daquela terra.
No entanto…
— Capitão! O mar! — Gritou o marujo em outro navio.
A corrente, naquela altura, perdeu totalmente sua força e restava apenas o mar biominocente infestado de vida. A evolução de criaturas que a muito tempo havia deixado de existir nos litorais brasileiros. E mesmo as que ainda existem… não se compara aqueles monstros!
As algas, os recifes, a vegetação em si parecia não precisar da força daquela corrente resfriada e se mesclando com a coloração natural da água. Eles produziam seu próprio brilho tintilando e embaçado pelo movimento da água transparente. O verde, o amarelo, o laranja e o vermelho eram mesclados pelo azul natural da água.
E por lá, gigantes seguiam suas vidas.
Como explicar a existência de uma água-viva cuja cabeça parecia ser três vezes maior do que um corpo humano? Ou… que peixe era aquele com bigodes e todo explumado cujo tamanho era igual ao de um cavalo? Caralho! Aquele bicho similar a uma super anaconda era um enguia?
A vida marinha seguia seu curso conforme, nadando em meio aos corais, se alimentando ou apenas de passagem. De fato, não era para aquela água-viva estar ali, considerando o quanto os peixes estavam agressivos com ela.
Os menores, nada assustadores e consideravelmente normais dentro do possível nadavam em cardumes avermelhados para longe rebolando suas nadadeiras. Algas em formato de flores se abriram e fechavam ao seu próprio curso e naquela noite agitada, nenhum marinheiro parecia querer arriscar a sorte naquelas águas.
Dandara arfou, encabulada e uma corrente de ar bagunçou seus cachos irregulares. Ela sentiu o arrepio no pescoço quando seu cheiro foi levado para aquela terra enigmática direto para as narinas de todo um bando de predadores.
Os marinheiros decidiram esperar pela segurança do dia para explorar aquele novo mundo. Talvez, pela luz do sol, quanto o céu estivesse cinza pelo amanhecer, o lugar parecesse menos intimidador.
Grande erro.
O amanhecer trouxe um clima mais melancólico, bem diferente da noite vivida. Os corais e recifes se apagaram, deixando aparente seu formato afiado melancólico. Uma camada fina, porém densa de neblina acumulou-se próximo ao nível da água e o penhasco era o único que parecia menos intimidador.
Aquele lugar dava suas boas vindas aos marujos com a maré alta e amarga como a mais ranzinza das velhas solitárias.
Ou a mais metida das madames… com água se chocando com poder nos rochedos e a neblina mal revelando o horizonte. A água naquela manhã parecia ser um azul obsecuro como se ainda estivessem nas profundezas do oceano e as rochas, sem o brilho da noite se tornavam melancólicas e abandonadas, não importando as jóias incrustadas em suas formações moldadas pelo mar e pelo tempo.
Acima, nuvens de tempestade eram empurradas pela brisa fria, se movendo em sua própria corrente aérea vagamente… para o coração obscuro do continente amargo.
Se fossem agir pelo instinto, os homens preferiam correr daquele lugar quase como se presumissem a morte e o perigo que as criaturas peçonhentas daquele lugar representavam. Aquela terra era um lugar úmido, com calor e vastidão. Pântanos e selvas eram mais abundantes do que florestas e o único deserto em sua extensão eram as fileiras negras de rochedos montanhosos mal vistas ao fundo.
E nela… o covil esculpido das mais temidas feras. Um Titã para os Titãs que promete trucidar a vida sem nunca sequer ter verbalizado tais intenções.
O rei, na língua dos humanos.
E todos pareciam sentir sua presença rodeando seus ossos com a mais instintiva das eletricidades. Aquele lugar inteiro era como um covil de lobos!
Mas os navios estavam danificados…
Tinham que sair dali, encontrar o caminho para Europa ou a própria América do Sul!
Mas não haviam suprimentos para uma viagem de grande provável magnitude.
Fujir… deveriam fugir…
Mas a lógica os colocou em botes de madeira e se viram enfrentando a água hostil e a densa neblina em direção ao único lugar visível para aportarem; aquela pequena e tímida praia se estendendo para além dos rochedos.
Eles mal encontraram a diferença da areia negra com a água a horas atrás. Mal observaram aquele corredor… aquela entrada para o novo mundo perdido na vastidão do mundo.
Mas quando chegaram e pisaram em terra a muito tempo… os homens olharam para cima, mais, esticaram o pescoço e hesitaram ao constatarem que aquele lugar não era mesmo um ilha.
As árvores pareciam normais ao longe, agora que estavam diante deles eram devastadoras. Um grande tronco era o equivalente a dez homens amarrados, erguendo-se até que sua copa encontrasse os rochedos. Estava solitária e quase excluída, velha antiga e amargurada com suas raízes se enroscando em meio aos musgos nos pedregulhos e ocupando todo o espaço de terra em meio a areia.
O continente rugiu sons desconhecidos aos homens, o arrebentar do mar, a brisa mas folhagens e o chamado dos muitos animais que deveriam vagar naquele litoral. Não pássaros… outra coisa mais gutural, maior, mais ameaçador do que uma simples e patética gaivota.
Deveriam ser todos alvos fáceis naquele litoral…
Mas precisavam de recursos para se reabastecem e aquele mundo brotava riqueza em meras rochedos litorâneos… o instinto de sobrevivência falhava nos humanos e então, de viram tocando aquela grande árvore.
Estava fria, úmida, com suas cascas severas surrada por séculos de existência. Deveria estar morta, mas era tão ranzinza quando o mundo em que nasceu e recusava seu destino. Ela cheira a grama e alguma outra substância viscosa e salgada.
Não havia muitas escolhas para chegar ao todo esplendor daquele novo mundo. Tiveram que escalar seus cascos velhos, segurarem em suas raízes rígidas, enjoarem de sua seiva escorregadia e empurrem seus corpos molengas e fraco para cima, para onde musgos brotavam do tronco e engatinharem para a copa que um dia provavelmente já foi densa.
E não olhar para baixo… para a queda brutal daquela giganta, para a areia negra e os pedregulhos deslocados da grande e natural muralha de pedra que cercava aquele litoral. Seria mais seguro retornar ao navio e contornar a costa em busca de outra entrada? Mas isso requeria descer aquela árvore, pisar em falso e…
Um homem caiu.
Um desequilíbrio. Um passo em falso… um escorregão nos musgos que se formavam acima entre os muitos ninhos de passarinho e a gravidade o puxou para baixo.
Vários e vários metros de grito.
Então o estrondo da queda e o silêncio.
"Cheguei!", o cheiro do abundante sangue informava as criaturas locais. "O jantar está servido!"
As criaturas aceitariam de bom grado esse mimo.
Foi necessário tempo para os marujos se recuperarem e tornarem a engatinhar pelas árvores, tremendo, hesitando e redobrando o cuidado quando passou pela seiva escorregadia, os musgos, os pequenos insetos — nada anormais — e torcendo para que aquele grande tronco que se esquivava em direção aos rochedos não despencasse todos para baixo. A árvore parecia não gostar… estava rangendo como uma porta velha ou madeira ao limite de quebrar.
Mas eles chegaram ao fim, encostaram naquela muralha e sentiram o calor da nova terra. O sol não estava forte, havia cansaço de amanhecer e o frio predominava aquela manhã, contudo, as rochas estavam tão quentes como se tivessem aquecidas pelo sol a horas.
O primeiro dos homens era o que correriam maior risco, porém também foi o primeiro a se impulsionar e encarar a vastidão gigante de verde e negro que se erguia poderosamente a sua frente. Conforme ele olhava aquela mescla de selva e floresta, mal percebia que era o lugar em que muitas lendas eram inspiradas.
Desde plantas carnívoras até bestas assassinas.
E eles eram os primeiros a pisar ali? Na nova terra? Uma descoberta talvez maior que a de Pedro Álvares Cabral?
Um sorriso hesitante desenhou os lábios do humano. Seu peito se estufou com o ar gélido e ele ficou confiante quando mais marujos ficaram ao seu lado… com rifles, espadas e pistolas prontos para intimidar qualquer um que ofereça perigo.
Como os nativos do Brasil.
Mas os nativos daquela região não são do tipo que se intimida facilmente.
Muito menos com humanos.
E ninguém ali se curvaria aos seus caprichos arrogantes.
Cordas foram lançadas ao parapeito dos rochedos, amarrados a árvores e imprimindo uma forma mais fácil e segura de subir. Mais botes ancoraram na margem de areia negra e os capitães desembarcaram.
E juntos, deram boas vindas ao novo mundo!