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Santino

Santino

Foi um choque muito grande quando vi meu pai tão debilitado. Minha tia Lola tinha falado do estado grave dele. Mas entre ouvir e ver, a diferença era muito grande. Ele estava deitado na cama com um grande corte no peito, devido a uma cirurgia do coração e pelo diagnóstico dos médicos, não lhe restava muito tempo de vida. Mas eles não sabiam ao certo o quanto ele ainda aguentaria.

Suspirei.

Seu aspecto também não era bom, estava muito magro e amarelo pálido. Uma enfermeira de meia-idade o acompanhava dia e noite.

Uma sensação odiosa de ter me afastado por tanto tempo tomou conta do meu coração. Fechei os olhos num súbito espasmo de angustia. Mas como? Eu refiz minha vida, catei os cacos. Só me afastando eu consegui essa façanha de refazê-la.

A lembrança do meu acidente me veio com força e tudo que deixei para trás por causa dele. Balanceia a cabeça e me aproximei mais da cama, afastando meus pensamentos me concentrei no meu pai moribundo. Sentei ao lado do corpo frágil e magro, coberto por apenas um lençol branco. Eu cobri sua mão que estava exposta com a minha. Estava tão fria, embora estivesse calor.

Desde que parti, só vim vê-lo duas vezes, e fiquei no máximo cinco dias. Eu trabalhava como arquiteto na África há três longos anos. Pedi transferência para lá, logo depois de ter me recuperado do acidente. Eu estava finalizando o trabalho, que fui designado. A construção de uma grande Shopping em Akwanga, na Nigéria. Quando, à noite, recebi o telefonema de tia Lola me informando a saúde de meu pai.

Transtornado, no dia seguinte mesmo, consegui um voo para a Inglaterra. Graças a Deus cheguei a tempo de....

Não! Não podia nem pensar sobre isso!

Não! Ele não ia morrer!

Lúcio Berluccine sempre foi forte. Ele sairá dessa! Ainda terá muitos anos de vida. Ele irá se recuperar da cirurgia.

Finalmente, meu pai abriu os olhos e virou seu rosto em minha direção.

—Filho! —Ele disse emocionado.

Forcei um sorriso e dei um aperto forte em sua mão. Não consegui falar de tão emocionado que eu estava.

—Estou feliz em vê-lo. —Ele tossiu e sentiu dor ao fazê-lo.

—Eu...eu também. —Eu disse com a voz embargada.

—Você... você me parece bem. Forte como um touro. —Ele tossiu.

—Papai, por favor, não fale. Não se esforce muito.

Ele sorriu, mas seu olhar era infeliz. Isso me deu um nó na garganta.

—Eu estava morrendo de saudades. — Ele disse com voz fraca.

Eu coloquei a minha testa na mão de meu pai e meus olhos foram banhado pelas lágrimas. Eu as enxuguei rápido e endireitando os meus ombros, disse a mim mesmo que eu não podia me deixar levar pela fraqueza. Eu precisava ser forte nessa hora, mostrar segurança.

—Eu também, papai. Estou feliz por estar em casa.

Ele, então, me estudou.

—Já viu Marina?

Desde o acidente, nunca mais eu tinha visto Marina. Toda vez que os visitei, sempre me certifiquei que ela não estaria presente. E isso, não foi difícil, pois Marina era modelo, vivia viajando. Eles eram muito apegados a ela. Lola então, nem se fala. Ela que cuidou de Marina depois do acidente. Se apegou muito à garota órfão e tímida.

Eu respirei fundo.

—Já.

—E?

— E nada, pai. Ela continua na mesma. —Respirei fundo. —Melhor assim, tudo ficou no passado.

—Como foi a reação dela ao vê-lo? —Meu pai me perguntou cuidadoso e tossiu.

Eu ri com desgosto.

—Ela pensou que eu fosse um estuprador, um ladrão, sei lá... Cheguei de madrugada e fui direto para o meu antigo quarto. —Soltei um ar angustiado. —Ela estava lá. Não tive culpa, eu não sabia, se soubesse com certeza eu teria evitado. Você sabe disso.

—É, eu sei. —Meu pai disse pensativo.

—Lola não te contou? —Perguntei desconfiado.

Lola sempre tinha alguma novidade para contar, falava pelos cotovelos. Era impossível que ela não tivesse contado para papai do que ocorreu.

Meu pai riu, se entregando.

—Contou, mas eu queria ouvir de você.

—Sabia. —Eu sorri sem humor.

Suspirei e fitei minhas mãos pensativo, me lembrando do grande pavor que vi nos olhos dela.

Será que se não fosse a minha aparência, ela teria me olhado de maneira diferente?

Sentindo-me sendo observado, fitei meu pai que estava olhando para a porta. Virei meu rosto e vi Marina parada ali sem ação.

—Entre, Marina. —Meu pai convidou.

Com o coração agitado, eu nem raciocinei direito e me levantei.

—Pai, mais tarde eu volto. Fiquem à vontade.

—Imagina, só porque eu cheguei. Fique! —Ela disse com o queixo erguido com desafios nos olhos verdes.

Eu desviei com dificuldade meus olhos dos dela.

—Depois eu volto e conversamos com calma. —Eu disse para papai, resoluto a deixar o quarto.

—Não! Fique. Mais tarde eu volto, você já, gentilmente, cedeu seu quarto para mim. Não quero abusar de sua hospitalidade. —Percebi toda a ironia em sua voz.

A expressão do meu rosto se manteve impenetrável e eu me sentei novamente.

Quando Marina saiu eu tentei manter uma conversa normal com meu pai. Falamos de meu trabalho na África, da minha rotina, da falta de infraestrutura das pessoas que vivem lá. Tentei passar a máxima naturalidade possível, mas meu coração estava angustiado, por tudo. Meu pai ouvia tudo calado, quando percebi seus olhos cansados, lhe beijei a testa.

—Descanse papai.

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