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Marina

Me afastei de lá confusa. Percebi que minhas mãos estavam tremendo, eu as enfiei no bolso da calça.

A hostilidade comigo era evidente.

Será que ninguém percebia isso? Ele me culpava pelo acidente?

Agora mesmo, de manhã, Santino preferiu o café da manhã no quarto ao invés tomar comigo na sala de jantar. Quando nos encontramos, minutos mais tarde, no corredor, na hora que eu me dirigia ao meu "agora" quarto, onde fui escovar os dentes, ele apenas me respondeu ao meu "bom dia" de forma seca e cerimoniosa.

Era como se ele vestisse com suas atitudes, uma placa dizendo: Perigo, homem raivoso, não se aproxime!

E pensar que sempre tive uma grande curiosidade em conhecê-lo. Sempre procurei fotos dele na casa, mas nunca vi nenhuma. Ninguém falava dele para mim, como se aquele assunto fosse proibido.

Eu só sabia, a respeito dele, o pouco que me contaram: que ele era um arquiteto bem-sucedido e que atualmente trabalhava na construção de um shopping na África. Tinha vinte e sete anos e era solteiro. Nem sobre sua cicatriz e as queimaduras, eles tinham me falado.

Foram provocadas pelo acidente?

Com certeza!

Segundo Lola, Santino era um terror com as mulheres e agora ele não me parecia em nada com o perfil de homem que não podia ver um rabo de saia. E sim, um homem que se tornou recluso, por causa da aparência.

Por que eles não me falaram delas?

Fiquei pensando sobre a situação.

Talvez não me tenham contado para não dramatizar as coisas.

Suspirei.

Mas, uma coisa era certa, tudo estava sendo uma grande surpresa para mim.

Pensei no jeito seco, meio ogro dele me tratar.

Eh! Pelo jeito não perdi nada na minha ignorância com relação a ele.

—Estava te procurando. — Lola me disse, quando entrei na sala. Ela parecia apreensiva. — Onde você estava?

—Fui ver tio Lúcio...O que há com Santino? Por que é tão claro que ele não gosta de mim? —Por fim perguntei.

Lola piscou aturdida e sua expressão séria deu lugar a um sorriso, que me pareceu "Forçado".

—Querida, não entendi sua pergunta?

—Claro que entendeu. Desembucha, Lolita. — Eu cruzei os braços no peito. — Você pensa que não reparei a forma como Santino me trata? Frio, com aquele jeito respeitoso. Agora que nos reencontramos que saquei que ele sempre me evitou. E o jeito frio que me olha? Parece que ele quer me ver à milhas de distâncias! Ele me culpa pelo acidente?

—Meu Deus! Nem se atreva a pensar uma coisa dessas! —Lola ficou pálida.

Apertei meus lábios com força.

—Não? Então, qual é a explicação para uma pessoa que não vê a outra há anos e quando finalmente se reencontram, ele a trata como se ela fosse um cachorro sarnento?

Lola que tinha ficado séria com minhas palavras, deu um sorriso nervoso.

—Marina, você tem uma imaginação muito fértil. Deve ser esses livros de romances que anda lendo. Santino é fechado, introspectivo. Mas é uma boa pessoa. Se não gosta do jeito dele, ignore-o.

—Introspectivo? Isso é pouco para definir sua atitude comigo. Ele não é assim com você e nem com tio Lúcio.

—Marina, te garanto que Santino é um ótimo rapaz. É que desde o acidente ele se tornou recluso, fechado. E ele não te vê há três anos. Aos poucos as coisas irão se ajeitando. Espere e você verá!

Um dia ouvi dizer:

"Não corra atrás de um alguém que demonstra viver bem sem você." Talvez fosse isso que eu deveria fazer.

Suspirei.

—Você já contou para o senhor "Introspectivo" que estou morando definitivamente aqui? Como sabe, fiz meu último trabalho. Estou livre.

Graças a Deus, eu tinha a finalizado meus compromissos com o mundo da moda.

—Não, ainda não falei nada. — Lola me disse séria, me fitando com intensidade nos olhos.

Eu me sentei no sofá e fiquei a olhar para ela, enquanto ela arrumava um arranjo no aparador. Ela parecia nervosa.

Olhando minhas unhas bem-feitas fiquei a pensar na minha vida e em tudo que eu estava abandonando.

O mundo da moda um dia me fascinou. Depois que me recuperei do acidente, ficou dentro de mim um vazio, e talvez tenha sido isso que me fez gostar tanto daquela vida Fashion, agitada.

Fiz viagens pagas para os quatro cantos do mundo, descobri novas culturas, aprendi algumas línguas e conheci pessoas diferentes. Mas graças a Deus nunca fui para a África, pensei com sacarmos. E pensar que um dia até desejei que tivesse algum trabalho lá para ver Santino.

Balancei a cabeça e afastei meus pensamentos de Santino. Respirei fundo.

É a moda um dia me encantou. Mas, de uns meses para cá, eu fui perdendo o pique. Estava louca para me instalar num lugar e ficar no meu canto. Comuniquei isso a Lola e tio Lúcio. Contudo, quando contei da minha resolução de montar um apartamento e morar sozinha aqui mesmo em Morehall Foord, eles foram totalmente contra.

Eh! Mas isso antes da doença do coração de tio Lúcio se agravar. Suspirei ao pensar nisso.

Nunca tinha me sentido uma forasteira no seio daquela família, ao contrário. Mas agora, eu não sabia mais o que pensar.

Talvez eles tivessem mudado de ideia com relação a eu ficar na casa?

—Por que está com essa carinha triste? —Lola perguntou arrumando as almofadas da sala.

—Estava pensando se a proposta de eu morar aqui. Não mudou de figura? Ela ainda continua em pé?

Lola se virou para mim.

—Claro! Claro que continua em pé. Por que mudaria?

—Você ainda pergunta? Você sabe por quê.

Ela deu um suspiro.

—Minha querida, já conversamos sobre isso. Eu já contei sua história mil vezes. Quando nos conhecemos, você me contou toda a sua história. Você não tem ninguém, somente nós. Estava perdidinha na cidade...

—É, eu sei... Mas aqueles dias foram outros tempos, agora eu tenho como me manter. E Santino parece não gostar de mim. Como sabe, tenho amigos, e não posso sumir. Concorda? E sábado, eles virão aqui me ver.

Lola me fitou pensativa.

—Sim, eu sei, mas nós daremos um jeito, como sempre demos.

Eu suspirei:

—Se quiser posso dar uma desculpa. Falar a realidade. Que tio Lúcio está doente...

Lola me interrompeu:

—Nada disso. Eles ficarão na área externa, na piscina que fica em outra extremidade da casa. Não perturbarão, de modo algum.

—Lolita, prometo que será só esse Sábado. Cada um tem sua vida, e duvido que meus amigos ficarão vindo toda hora para cá, ainda mais quando eu montar a minha loja. E eu quero me dedicar a ela. Serei uma profissional na área, não terei isso como um passatempo.

Lola sabia que eu tinha uma boa grana guardada. Estava com o burro na sombra. Mas, encarava meu futuro trabalho como algo sério.

Lola pegou o espanador.

—E falando da loja, como andam as coisas?

—Não andam. Agora que vou correr atrás disso. Vou primeiro procurar um local adequado. E se o Senhor Esquisitão não fosse tão fechado, eu pediria a ele uma ajuda na configuração da loja.

Lola ergueu as sobrancelhas e sorriu.

—Hum. Não sei, não. Eu poderia falar com ele, mas não prometo nada. Santino é imprevisível. Ele pode aceitar te ajudar, ou não. Fique mais com o Não.

Meu celular tocou. Eu o tirei do bolso. No visor: Michael. Meu amigo cor-de-rosa e meu maquiador.

—Oi, Mike! Diga!

—Oi gatinha. Como estão as coisas? Tudo certo para a festa de despedida no Sábado?

—Está tudo certo. Só tem um, porém, eu já disse que não será uma festa. Meu padrinho não está bem.

Ouvi Michael rir do outro lado da linha.

—Sei, sei, sei. Aliás, todos nós sabemos disso, você já nos falou acho que umas mil vezes. Foi só um modo de me referir ao evento de Sábado. Bem, já sabe. Não precisa se preocupar com nada, levaremos tudo.

Eu sorria quando Santino entrou na sala.

— Você poderia vir aqui por favor? — Ele pediu para Lola, com aquela voz baixa, profunda e levemente arrogante, que havia me incomodado hoje de manhã. Ela imediatamente parou de espanar os móveis.

—Marina, está me ouvindo? —Michael gritava do outro lado. Eu não conseguia falar com a presença de Santino que ergueu mais o seu queixo arrogante. Senti nele um tipo de desafio, como se estivesse pronto para que eu visse seu rosto desfigurado.

Eu desviei meus olhos dos dele, e senti, pelo que conseguiu extrair de minha visão periférica, que seus olhos continuavam em mim.

—Marina?

Quando Santino deixou a sala, eu respirei melhor. Mas a imagem dele ficou cravada na minha mente. Estremeci ainda sentindo como se ele tivesse me tocado. Levei a mão ao meu cabelo numa atitude nervosa.

Com certeza, um dia ele fora muito belo. O lado que não estava marcado pela cicatriz mostrava, claramente, que ele um dia fora perfeito. Tão perfeito como uma estátua grega: maçãs do rosto marcadas, nariz aquilino, lábios esculpidos que podiam ser tanto sensuais quanto cruéis.

Muitas vezes eu me perguntava:

Quem disse que a beleza está na perfeição? Santino era uma prova disso. E tenho certeza de que ele não sabe disso. Se soubesse não seria o ogro que ele era.

Suspirei:

—Oi. —Disse, voltando minha atenção para Michael. —Você ainda está aí?

Michael tinha desligado...

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