Capítulo V
Eu ainda estava desnorteado com o beijo que tínhamos trocado, só conseguia me perguntar o que foi aquilo? Que boca era aquela? E o fogo? Sabia o que era uma boa química, mas isso estava em outro patamar.
— Já cansou da folga? — Matheus gritou estacionando o carro na frente do hospital.
— Sabe como é, não me aguentaram por muito tempo.
Matheus abriu a porta do carona, eu não ia dizer pra ele que podia fazer isso sozinho, minhas mãos não estavam tão ruins assim, mas iria aproveitar um pouco mais a mordomia.
Pulei no banco ao seu lado e ele arrancou com o carro enquanto eu voltava a me perder em pensamentos.
Cristina, nunca a tinha visto na ilha, era óbvio que não frequentávamos os mesmos lugares, mas ela tinha vindo até esse lado e se havia uma coisa que eu não acreditava era em coincidências.
— Ei! — gritei quando senti o punho dele acertar meu ombro.
— Está pensando naquela garota ainda, não é? Nem me ouviu falar.
Eu estava, não tinha nem porque negar e algo me dizia que eu não conseguiria tirá-la da minha cabeça tão cedo.
— Qual é o problema de estar pensando nela?
— O problema é que ela não é daqui, é verão e a ilha está cheia de turistas gatas — lá ia ele com o discurso de sempre. — Quero que aproveite o verão e não que se apaixone por uma garota, que vai te deixar assim que o mês acabar!
Esse era o mantra que Matheus insistia em nos passar, isso porque há dois anos ele se apaixonou perdidamente por uma mulher que estava só de passagem na ilha. Em um dia eles estavam dormindo juntos, andando de mãos dadas, e no outro ela tinha ido embora da ilha, até mesmo o número de celular que ela deixou era falso.
Eu lembrava como meu irmão tinha ficado arrasado quando descobriu que ela evaporou sem nenhum rastro, o deixando para trás apenas com as lembranças.
Nunca me apaixonei por ninguém de fora, todos os meus relacionamentos foram com garotas locais, por isso eu só conseguia imaginar como deveria doer descobrir que todos os momentos que tiveram foram regados a mentiras.
— Já entendi, sei que ela vai embora cara, mas quero provar mais uma vez aquela boca gostosa. — a mão dele se fechou em minha nuca com força. — Matheus me larga!
— Então estavam usando o hospital de motel? Agora entendi porque te chutaram. — ele me sacudiu mais um pouco pelo pescoço, antes de bagunçar meus cabelos. — Só fique de olhos abertos, ok?
Meu irmão desviou os olhos da estrada por um segundo, me encarando e ali estava todas as palavras que ele não dizia: não quero que se machuque. Dei um tapinha em seu ombro antes de afastar sua mão e me virar para a janela, olhando a areia da praia e o mar há poucos metros de distancia.
Desde que nosso pai partiu, há dez anos, Matheus tomou para si essa responsabilidade, como se fosse sua obrigação cuidar dos irmãos mais novos. Mas era difícil quando ele era apenas três anos mais velho do que eu, escadinha começava com Matheus de vinte e oito, então vinha o mais gato da família, vulgo eu, com vinte e quatro e por fim Ian, o bebê de vinte e dois.
Mamãe morreu quando ele nasceu, não sei muito sobre ela além do que papai e tia Julia contavam, sei que todos herdamos a cabelereira loira dela e eu fui o único a vir com os olhos verdes do nosso pai, enquanto os outros dois nasceram com o azul do mar, como o dela.
Papai era um pescador local, que amava surfar nas horas vagas e foi assim que conheceu a mulher da sua vida. Ele sempre contava como se conheceram e se apaixonaram perdidamente.
Mas apesar de tudo a família dela era contra, a única pessoa que apoiou o relacionamento dos dois foi tia Julia, por isso nunca conhecemos ninguém da nossa mãe e cá entre nós, acho melhor assim.
— Posso saber onde Ian se meteu? Ele deveria estar de olho em você.
— Chega a ser piada dar uma tarefa dessas pra ele. Só tem uma pessoa com quem ele pode estar sem se entediar rápido.
— Lua! — falamos em uníssom.
***
Me joguei no primeiro puff que avistei na loja, já tinha batido a cabeça na parede, mentalmente falando, por não ter pedido o número dela. Seria um longo tempo até o horário de visitas amanhã.
— Tia Julia está sozinha no quiosque, porque acha que aquele idiota está com você no hospital.
— Eu iria até lá ajudar se não... — ergui as mãos mostrando as mãos cobertas de pomada.
— Haha, para se pegar com a princesinha estava ótimo, não é? Eu devia deixar você sozinho cuidando da loja o resto do dia, enquanto aproveito a praia.
— Se estivesse na praia no horário certo, teria aproveitado as primeiras ondas do dia, antes de abrir a loja.
Matheus abriu a boca para protestar, mas antes que eu pudesse falar a sineta da porta soou e vozes femininas nos atingiram.
— Bom dia meninas!
O grupo de quatro garotas falava eufóricas, rindo entre si e assim que colocaram os olhos nele ficaram ainda mais animadas. O que eu podia dizer? Estava no sangue a beleza, a lábia e o jeito com as mulheres.
— Ouvimos dizer que sua loja tem as melhores pranchas. — uma delas disse se aproximando e foi inevitável não esquadrinhar todas elas.
Não era mentira, vendíamos as melhores pranchas, mas quem mais procurava por elas eram os locais ou surfistas bem informados.
Nossa loja ficava bem no limite entre os dois lados da ilha, o que nos ajudava e muito, pois conseguíamos todo o tipo de cliente.
— Então vocês querem pegar algumas ondas? — Matheus jogou. Mas estava na cara que não era isso, olhando para elas dava para dizer que nenhuma tinha se atrevido a subir em uma prancha na vida.
— Estávamos esperando encontrar algum professor de bobeira por aqui.
— Alguém que pudesse, sabe, nos ajudar a surfar nesse fim de semana.
O cachorro sorriu e não demorou a se virar para mostrar as pranchas que tinham disponíveis ali na loja. Se cada uma delas levasse uma prancha já seria um bom dinheiro, mas eu sabia que ele ainda descolaria o numero delas e as convidaria para uma noite na praia.
Fogueira, praia, luau e um cara bem longe da realidade delas, era a combinação perfeita e o que a maioria das garotas vinha atrás.
Uma aventura de uma noite, um momento quente com um cara de outra classe social. Éramos um experimento de verão e estávamos bem com isso.
— E você, gatinho? Não está a fim de me dar umas aulas?
A garota se sentou no puff ao meu lado e se virou em minha direção, os longos cabelos castanhos roçaram meu joelho e eu deixei que meu sorriso se alargasse. Ela era linda, os olhos cor de mel estavam focados nos meus, dava para ver que era determinada com o que queria.
— Infelizmente vou ter que me manter longe do mar por uns dias. — expliquei erguendo as mãos machucadas e seus olhos se arregalaram.
— Como isso aconteceu?
— Corais gatinha, um descuido e acabei assim. — eu não precisei nem fazer a carinha de cachorro sem dono, bastou mostrar o machucado para ela se chegar ainda mais perto.
— Ai coitadinho. — a voz manhosa foi acompanhada de uma mão segurando minha coxa. — Meninas olhem isso, ele se machucou nos corais.
Rapidamente eu estava cercado de mulheres, se mostrando bem prestativas e preocupadas com meu estado. Se tia Julia estivesse aqui diria que não valíamos nada e eu tinha que concordar com ela dessa vez, não valia mesmo.
Pela próxima meia hora elas se mantiveram ali, conversando, rindo, comprando coisas que na realidade não precisavam, como biquínis, óculos de sol e é claro as pranchas. Elas só deixaram a loja quando outros clientes chegaram.
Matheus se incumbiu de dar aula para elas no dia seguinte, ainda iríamos levar Gael a tira colo, enquanto eu ficaria na praia ensinando ele ajudaria Ian com as meninas na água.
— Então quer dizer que foi um descuido que te deixou assim? — ele questionou baixo perto do meu ouvido, repetindo minhas palavras.
Eu abri a boca para protestar, mas ele se afastou indo ajudar o cliente com os tamanhos das camisetas.
Levei meus braços a cabeça, tentado a coçar minha nuca, e me joguei para trás, afundando no estofado do puff. Eu era um tremendo filho da puta, disse aquilo sem nem me dar conta do que falei, mas ele mesmo tinha dito aquilo, o verão estava aí e a ilha agora estava cheia de garotas em busca de uma aventura, Cris podia ser uma delas também. Eu ainda iria ao hospital atrás dela no dia seguinte, isso era uma certeza, não esqueceria ela tão rápido sem terminar o que começamos.