Capítulo IV
Eu não sei por que tinha dito a enfermeira que Joe era meu acompanhante, meia hora atrás queria me livrar dele e agora estava torcendo para que ele pudesse ficar ali mais um pouco.
Havia algo em sua áurea que estava me fazendo bem, não que eu fosse admitir isso algum dia, mas ele me fazia se sentir mais confortável.
— Se você quiser, é claro. Não quero atrapalhar nenhum plano, já vi que deve ter mais problemas do que uma manhã de surfe perdida. — lhe garanti, a última coisa que queria era causar problemas para ele, mas Joe abanou a mão no ar, dispensando o que eu tinha dito.
— Não dê muito crédito a tudo que Ian fala, quando ele nasceu o filtro veio faltando.
Sorri com suas palavras, dava para sentir todo carinho que ele tinha pelo irmão transbordando nelas. Nunca tive irmãos, éramos apenas eu e meus pais, também nunca fomos uma família muito unida e nos últimos meses parecia que o pouco que tínhamos havia desabado.
— Sempre quis ter irmãos, a vida com certeza seria menos tediosa.
— Haha, da série dadivas da vida que não apreciamos: vem ai ser filho único. — Joe disse com um olhar longe. — É brincadeira, eu adoro meus irmãos, minha vida seria muito solitária sem eles... não que esteja dizendo que sua vida é solitária. — ele correu com as palavras tentando se explicar.
— Não, você está certo, minha vida é solitária. — não havia pesar em minha fala, apenas estava concordando com o que ele havia dito, mas não teve como evitar o quão triste pareceu.
— Eu não... — desconcertado ele levou a mão a nuca, bagunçando os fios grandes, mas decidiu não continuar o assunto deprimente. — Mas se quiser experimentar a sensação de ter um irmão pentelho, eu empresto o Ian, mas não aceito devolução antes de vinte e quatro horas.
— Tenho certeza que a namorada dele não aprovaria isso. — dispensei sorrindo.
— A garota que estava aqui com ele? Não, não. Lua e ele são melhores amigos desde a pré-escola, totalmente inseparáveis, nada além disso.
Joe continuava andando pelo quarto, parecia inquieto e eu me perguntei se ele conseguiria mesmo se manter ali dentro por muito tempo. Pelo jeito aventureiro ele eu duvidava que ele conseguisse ficar trancafiado naquele quarto o resto do dia.
— Mas então, temos um acordo? Ian é seu irmão por um mês, o que acha? O garoto é uma draga, mas para matar a curiosidade de como é ter um irmão ele vai ser perfeito.
Ele parou de frente a máquina que continuava com o bip irritante, com o sorriso rasgado no rosto e uma leveza no olhar, Joe exalava uma alegria tão genuína que me fazia ter inveja.
Era claro que nós éramos de mundos totalmente diferentes, sua vida era simples, qualquer um podia perceber isso olhando em suas roupas e no modo confortável que ele transitava ali naquele hospital público.
Como ele mesmo havia dito: meu lugar era do outro lado da ilha. Eu pertencia onde os grandes resorts e hotéis estavam localizados, onde ficava meu apartamento.
Mas porque havia algo nele que me fazia sentir tão a vontade para ser eu mesma? Eu queria saber o que havia em Joe de diferente? O que tinha nele que me dava vontade de continuar ali?
— Vou ter que recusar a proposta do irmão de aluguel, mas aceito as aulas de surfe! — afirmei torcendo que assim eu conseguisse mais tempo para desvendá-lo. — Mas vai ter que me ajudar a comprar uma prancha, porque não faço ideia de como se escolhe essas coisas.
Os olhos dele se iluminaram e em dois passos ele alcançou a cama, se jogando ao meu lado, como se fossemos velhos conhecidos conversando em uma tarde de segunda.
— E se fizermos juntos sua prancha? — minha confusão deve ter ficado nítida, pois ele emendou — Nós fabricamos algumas pranchas, mais para os locais da ilha, se quiser pode me ajudar a fazer a sua.
Joe começou a explicar como era o processo e quanto mais ele falava mais minhas sobrancelhas se erguiam, a paixão com que ele contava o passo a passo me deixou ainda mais curiosa para vê-lo fazendo.
Ele chegou mais perto sacando o celular do bolso e passando por algumas fotos, me mostrando pranchas que ele e os irmãos tinham feito.
— Você é uma caixinha de surpresas. — murmurei o observando de perto, mas ele parecia alheio ao que eu tinha dito.
Enquanto rolava pela galeria e eu aproveitei o momento de distração para gravar seu rosto, os fios do cabelo grande caiam em sua testa e eu quase estiquei a mão os tirando do caminho, mas desviei o olhar para o nariz cheio de pintinhas, pequenas sardas quase imperceptíveis na pele bronzeada, e assim de perto eu consegui notar a leve camada de pelos que desciam pelo maxilar e contornavam o lábios, tão claros que mal dava para se ver.
Focar meu olhar ali foi um erro, pois Joe se virou, ficando cara a cara comigo, e eu tinha certeza que havia me perguntado alguma coisa que não ouvi, só vi seus lábios se mexendo.
Estávamos perigosamente perto um do outro, com seu rosto virado em minha direção não precisava me mover mais de um centímetro para grudar nossos lábios.
E como se pudesse ler meus pensamentos ele eliminou o espaço que nos separava, os lábios macios se moveram sobre os meus com calma e eu suspirei quando seus dedos tocaram minha pele, me puxando ainda mais perto.
Senti a língua deslizando sobre meu lábio pedindo passagem e assim que abri lhe dando o que queria, Joe sugou meu lábio inferior, antes de enfiar a língua em minha boca.
Nunca um beijo tinha me feito sentir daquele jeito, a forma como ele esfregou a língua contra a minha, como se a convidasse para uma dança sensual, me deixou ainda mais quente. Segui seus passos e enrosquei minha língua a sua, deixando que ele ditasse o ritmo. Minhas mãos subiram por sua cintura, e apesar da camisa fina, consegui sentir a pele em combustão como a minha.
Antes que me desse conta eu buscava mais dele, queria descobrir até onde ele me levaria se continuássemos com aquilo. O aperto de seus dedos em minha nuca se intensificou e eu enrolei minhas mãos em sua camisa o puxando de encontro a mim.
Não me importei com a dor incomoda nas pernas quando joguei uma de cada lado de seu quadril, queria sentar em seu colo, sentir seu corpo contra o meu, queria que ele me tocasse em cada canto.
Joe me puxou, me ajudando a montá-lo e eu gemi contra seus lábios quando senti sua ereção encaixada entre minhas pernas.
— Merda. — ele murmurou contra minha pele de forma sôfrega, cheguei a pensar que se afastaria dando um fim aquela loucura, mas tudo o que ele fez foi beijar meu pescoço me causando arrepios.
Os lábios subiram até minha orelha, onde ele fez questão de morder o lóbulo me arrancando arquejos.
Aquilo parecia tão errado, eu não o conhecia, estávamos em um hospital, ele tinha colocado sua vida em risco por minha causa. Mas ainda sim era um encaixe perfeito, tão bom que silenciava tudo a nossa volta.
— Mocinha nós... Que palhaçada é essa aqui? — o grito nos parou no mesmo instante. — Que pouca vergonha é essa? Foi pra isso que pediu para ele ficar? Pois bem, para fora agora!
A enfermeira só esperou que Joe me sentasse de volta na cama antes de puxá-lo pelo braço.
— Espera! — eu gritei, mas ela continuou o arrastando.
Queria poder correr atrás dele, mas com os pés do jeito que estavam eu não conseguiria nem ao menos pisar no chão.
Antes que eu fizesse alguma loucura, Joe entrou correndo dentro do quarto e colou seus lábios nos meus com rapidez.
— Vamos Joe, não complica cara! — um segurança, que mais parecia um armário entrou logo atrás o puxando pelos ombros.
— Prometo que volto amanhã! — ele gritou enquanto se deixava arrastar para fora do quarto.
Eu não consegui dizer nada a tempo, só fiquei ali olhando a cortina balançando enquanto ainda sentia seus lábios sobre os meus.
Não demorou muito para que o furacão baixinho, entrasse novamente no quarto. A cara da mulher não estava nada boa e eu me perguntei se aquela raiva toda era só pela cena que tinha acabado de presenciar.
— Sei quem você é mocinha. — sua voz grave e sem resquício da boa vontade que tinha me oferecido mais cedo, foi como um balde de água fria. — Tenho uma amiga em um hospital do outro lado da ilha e seu pai está prestes a jogar nos jornais seu rosto como desaparecida, já estão repassando sua foto pela região.
Joguei as pernas para fora da maca, pronta para saltar e fugir dali como conseguisse.
— Droga! — praguejei quando apoiei o pé direito no chão, mesmo com as camadas de ataduras os cortes ardiam como um inferno.
— Você é podre de rica, porque ficaria em um hospital como esse? — suas palavras me deixaram em alerta. — Não sei o que aconteceu com você ou porque está fugindo do seu pai, mas se precisa de ajuda é só me dizer.
Eu a encarei com puro desdém, ela só podia estar brincando, me oferecer ajuda agora, quando com certeza já havia avisado eles do meu paradeiro.
— Já fez o suficiente, não acha?
Meu pai deveria ter chegado a ilha para se aparecer nas câmera e iria me querer ao seu lado, afinal tínhamos que manter a imagem de família perfeita. Esse era o único motivo para que estivesse preocupado comigo e a única explicação para ter chegado tão rápido aqui.
— Não venha descontar em mim seus problemas, mocinha. Quanto tempo achou que conseguiria se fingir para aquele garoto? Quanto tempo até que descobrissem que a filha de um magnata estava aqui? As notícias correm, não se esconderia aqui por muito tempo. Por isso eu insisto, se precisa de ajuda é só me dizer e vamos a delegacia imediatamente.
Continuei ali sentada na maca, com as pernas penduradas sem coragem de pisar no chão, sem coragem de encarar minha vida e a mulher a minha frente.
Eu sabia que não poderia me esconder para sempre, mas por algumas horas eu me esqueci de quem eu era e me deixei ser feliz. Por algumas horas eu sorri como não fazia há muito tempo.
Mas ela estava certa, tinha chegado a hora de voltar a realidade e encarar meus problemas.
— Pode avisar que estou aqui. — disse com a voz em um sussurro.
Todo o calor que senti minutos atrás havia se esvaído, o gelo do vazio e da solidão se alastrava por minha pele, levando embora qualquer resquício do que tinha acontecido horas atrás.