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CAPÍTULO 4 - O PAPÁ

Eu estava numa sala, perto da porta, e podia ouvir tudo o que se passava na sala ao lado, que era a sala da assistente social. Ouvi quando um homem chegou, falando de um jeito esquisito. Ele falava coisas como “tá ligado?”, “a mina”, e “o barato é o seguinte”, entre outras coisas.

A assistente social, disse a ele que eu realmente era filha dele, e que se ele não me quisesse, ele poderia assinar um termo, que havia uma família que já estava interessada em me adotar.

— E eles querem ficar com a mina sem pagar nada? - foi a resposta dele. - Aí não dá, né tia?

— Eu não sou sua tia, senhor Hernandes. Tenha o mínimo de respeito, por favor. - ela disse em um tom sério. - E se o senhor não estiver interessado, posso fazer com que os papéis de adoção saiam rapidamente.

— Ai, cara…

— Já pedi para que tenha educação, senhor, Hernandes! - ela o interrompeu. - Não fale palavrões nesse recinto.

— Desculpa, gata.

— Respeito, Senhor Hernandes!

— Aí? Me chama de Diego, e me passa o seu telefone.

— O senhor vai cuidar da sua filha ou não, senhor Hernandes?

— Meus papás cuidam dela. Se preocupa, não.

— Seus papás? Tem certeza?

— Já mandei a letra pra eles. Aceitaram de boa.

— Fico mais aliviada com isso! - ela falou para ele, e veio me buscar. - Hellen, venha conhecer seu papá.

Engoli seco e saí da sala. Vi meu papá pela primeira vez, e já sabia que não queria ir com ele. Ele parecia meio sujo, usava um boné, calças rasgadas, mas não do jeito que se usa na moda. A camiseta era esquisita, usava chinelos nos pés, e faltavam muitos dentes em sua boca. Além de estar sentado todo largado e espalhado na cadeira.

— Oi, Hellen. - ele disse. - Eu sou seu papá. E você é muito bonita, sabia? Mais bonita do que eu esperava! Poxa! Tem os cabelos da minha mamá e o rosto da Marie. - ele sorriu, mas não consegui sorrir de volta. - Vou me dar muito bem com você, gatinha!

Ele deu uma risadinha baixa, que me fez tremer e sentir arrepios na minha espinha. Engoli seco, olhando para a assistente social.

— Hellen, vou deixar meu cartão com você, está bem? - ela me disse, se agachando em minha frente e me entregando o seu cartão. - Me ligue a qualquer hora, se você precisar. Pode ligar a cobrar de qualquer número, está bem? - assenti para ela. - Em trinta dias, eu vou visitar você, para ver se você está bem, e se o seu papá realmente deixou você com os seus abuelos, está bem, querida?

— Está bem.

Foi tudo o que consegui dizer, e eu disse baixinho. Peguei o cartão que ela tinha me dado, e coloquei no bolso da minha calça jeans. Eu a abracei e disse em seu ouvido, que eu não queria ir com ele, que estava com um mau pressentimento. Mas ela respondeu que tudo ficaria bem, que era só eu ligar para ela, se alguma coisa estivesse errada, ou se não estivesse do meu agrado. Assenti novamente, afinal, eu só precisava ligar para ela, se alguma coisa não estivesse bem.

Quando chegamos na casa de meu papá, vi que era muito menor do que a casa em que vivia com minha mamá. Na verdade, só tinha um cômodo e um banheiro; estava tudo muito sujo e bagunçado, além de feder muito.

— Ahn… senhor Hernandes?

— Sou seu papá, Hellen. Me chama de papá. - ele sorriu para mim.

Eu não consegui terminar de falar. Tudo o que eu conseguia fazer, era olhar para aquela boca que faltavam muitos dentes e os que restavam, estavam muito pretos. Ele colocou minha mala num canto e mandou que eu fosse tomar banho. Assenti, peguei uma roupa limpa em minha mala e entrei no banheiro.

Na casa em que morei com minha mamá, eu tinha meu próprio quarto, apesar de a casa ser pequena. E no tempo em que passei com os Mendonza, também tive um quarto só para mim. Agora, na casa do meu papá, tinha apenas um cômodo, com um amontoado de coisas.

Antes de fechar a porta do banheiro, perguntei para ele, onde era para colocar as roupas que eu iria tirar. Ele mandou que eu deixasse a porta entreaberta, e jogasse as roupas para fora, que ele as colocaria para lavar. Que eu não precisava me preocupar com nada.

Fiz como ele falou, mas esqueci de tirar o cartão da assistente social. Quando peguei as roupas de volta, que ele não tinha posto para lavar, o cartão havia sumido.

Naquele mesmo dia à noite, ele saiu comigo para uns lugares que eu nunca tinha visto antes, mas que tinham muitos carros chiques, que pareciam ser bem caros. Vi meu papá abordar vários carros, ele falava baixo com a pessoa que estivesse dentro do carro. Ouvi vários homens perguntando se ele estava louco e acelerar seus carros e irem embora. Também vi alguns homens olharem para mim e depois para ele de volta, sem responder nada.

Até que houve um homem muito bonito, que me olhou, se aproximou de mim e perguntou se eu era realmente filha dele. Assenti, mas ele veio mais perto de mim, se abaixou e pediu que eu respondesse, falando com ele.

— Sim. - falei baixinho. - É o nome dele em minha certidão de nascimento.

— E qual é o seu nome, mocinha?

— Hellen Marie Gagnan. Não tenho o sobrenome dele. Só o da minha mamá.

— E onde está a sua mamá?

— Mamá dormiu e não acordou mais. Ela tem uma bolinha na cabeça, que o médico não pode tirar.

— Ela está dormindo no hospital? - ele perguntou com as sobrancelhas franzidas.

— Não está mais. Eles colocaram ela numa caixa grande, que tem tampa. Depois levaram ela para um lugar e colocaram embaixo da terra.

— Entendi. - ele abaixou o olhar por alguns segundos, assentindo. - Seu papá te trata bem? Ele fez alguma coisa com você que não tenha gostado?

— Eu só o conheci hoje. Minha mamá disse que ele estava trabalhando fora do país, quando eu nasci. - ele assentiu com um sorriso leve no rosto, enquanto eu respirava fundo, sentindo o cheiro gostoso que vinha dele.

Ele se levantou, olhou para o meu papá. Ele o olhou da cabeça aos pés e de volta.

— Quanto você quer? - ele perguntou sério.

— Olha… você está vendo que ela é linda! Sei que vocês ricos têm um gosto diferente, e…

— Eu perguntei quanto você quer! - o homem disse, com um jeito ameaçador.

— Ah! Eu não sei te dizer, cara. Ela é minha filha… uma filha não tem preço. - ele mostrou os poucos dentes pretos de sua boca.

— Te dou cem mil euros para levar ela hoje. Mas eu quero a certidão de nascimento dela.

Eu não estava entendendo nada do que eles estavam falando. Mas se fosse para me livrar daquele homem que dizia que era meu papá, eu iria com o homem cheiroso, de bom grado. Ele parecia muito melhor que o meu papá!

— Assim não, bacana! - o meu papá deu uma risadinha baixa. - Vai ter que se casar com ela!

— Como é que eu vou me casar com uma menina de nove anos? Você é maluco?

“ — Casar?” - pensei. - “Eu sou uma criança. Não pode ser de mim que eles estão falando!” - não me meti na conversa. Mamá sempre disse que eu nunca me metesse quando dois adultos estivessem conversando.

— Existem alguns países que casam, bacana. Você escolhe… Índia, Etiópia, Irã, Iraque, Nigéria. Esses foram os que eu pesquisei. Vocês se convertem ao Islamismo de manhã e se casam à tarde. Ou no dia seguinte.

O homem cheiroso olhou para mim, mais uma vez, depois fechou os olhos e respirou fundo.

— Eu não sei se devo confiar em você com essa menina.

— Cara! Ela é minha filha! O que você acha que eu vou fazer com ela?

— Eu espero que nada!

— Olha, eu vou ensinar a ela o que ela vai ter que fazer pra você…

— Você o quê? - o homem cheiroso pegou meu papá pelo colarinho e o levantou do chão.

— Eu só vou mostrar, bacana! Ela é minha filha, eu não vou tocar nela! Ela vai pra você, virgenzinha! Eu juro! O que você acha que eu sou? Acha que eu tocaria na minha própria filha? - ele arregalava os olhos enquanto respondia para o homem cheiroso.

— Você está vendendo a própria filha! - ele falou entre os dentes. - O que você quer que eu espere?

— Bacana, eu prometo que não vou tocar nela! Ela é minha filha, cara. E eu não sou rico pra ter esses gosto estranho!

— Vou levar vocês para casa. Amanhã cedo eu busco de volta. Se ela me disser que você fez alguma coisa com ela, se considere um homem morto! - então ele colocou meu papá no chão, e abriu a porta do carro. - Entrem!

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