CAPÍTULO 3 - HELLEN: MAIS DA INFÂNCIA
Ouvi as palavras da psicóloga, mas eu não entendi bem o porquê minha mamá tinha que ir embora, e principalmente, porque eu não poderia ir com ela. Para onde minha mamá ia que eu não podia ir com ela? Independente disso, continuei fazendo companhia à minha mamá, noite e dia.
Uma das coisas que ela me disse, foi que talvez minha mamá piorasse um pouco, mas que não sabia quando isso iria acontecer, ou se realmente iria acontecer. Que minha mamá, talvez, se fosse de repente.
Infelizmente, a previsão que ela tinha, de que minha mamá pudesse piorar um pouco, acabou acontecendo, mas foi bem pior do que ela pensava: minha mamá piorou… e muito! Em pouco tempo, minha mamá já não conseguia mais comer e, mais um pouco depois, minha mamá passava pouco tempo acordada. Tinha crises de convulsões severas; no começo, enquanto estava acordada, mas depois de um tempo, tinha essas crises até mesmo dormindo.
Os Mendonza sempre vinham visitar a minha mamá. Eles ficavam com ela e eu saía para brincar um pouco com Pablo. Era quando eu tinha um descanso de tudo o que estava acontecendo. Simplesmente me desligava da doença da minha mamá. Me desligava do fato de não estar indo para a escola, brincando com meus colegas, ou indo para a minha casa.
— Faz muito tempo que eu não abraço a minha mamá… - falei para a psicóloga, que agora vinha me ver quase todos os dias.
— Mas você pode abraçá-la, Hellen.
— Eu sei. Mas eu sempre acho que vou machucá-la…
— Não tenha medo, Hellen. Você não a vai machucar mais do que ela já está machucada.
Quando a psicóloga saiu, olhei para a minha mamá, peguei sua mão e a coloquei em minha cabeça, como se ela estivesse fazendo carinho em mim. Senti o calor de sua mão por poucos minutos, pois ela teve mais uma crise de convulsões. Apertei o botão de emergência e, quando os enfermeiros e os médicos chegaram, a psicóloga voltou e me tirou de perto dela. Lutei para ficar, mas ela não deixou; me carregou no colo para fora do quarto, mesmo eu esperneando e gritando que não queria ir.
Quando voltei, mamá estava sentada na poltrona onde eu geralmente ficava. Fiquei encantada ao ver que ela parecia estar bem melhor. Afinal, havia quase um ano que ela já não se levantava mais da cama. Corri para abraçá-la quando ela abriu os seus braços para mim. Mamá me encheu de beijos, como há muito tempo não fazia. Deitamos juntas na cama de hospital, e ela me contou historinhas para dormir. Foi uma semana inteira assim. Uma semana inteira com mamá se sentindo bem.
Chegou meu aniversário de nove anos. Mais uma vez as enfermeira e os médicos me fizeram uma festa. Mamá sorria o tempo todo. Suas crises diminuíram bastante, e ela estava tendo bons momentos. Passou quase um mês desde que ela apresentou essa melhora. Eu já estava começando a achar que ela teria alta em breve…
Seis meses depois do meu aniversário, mamá começou a ter algumas crises esporádicas, mas continuava carinhosa quando estava bem. Mas ela teve uma crise que durou uma semana. Ela não acordou por uma semana. Quando ela finalmente acordou, passou uma semana sem conseguir dormir. Essa alternação durou quase dois meses… e então, mamá dormiu e não acordou mais.
Durante os dois meses que ela ficou alternando em ficar dormindo e ficar acordada, eu a ouvi contar muitas histórias de sua vida. Pela primeira vez, ela me falou um pouco mais sobre o meu papá. Ela disse que eles se conheceram na lanchonete em que ela trabalhava, que ele disse que tinha se encantado com ela e passou a ir na lanchonete todos os dias para vê-la, e que começaram a namorar em um mês.
Eu contei à mamá o que a psicóloga disse sobre eu ir morar com o meu papá, e mamá me disse que era para eu pedir a ele para ficar com os papás dele. Perguntei a ela para onde ela estava indo, e o motivo de eu não poder ir com ela. Mamá disse que um dia eu iria também, e que nos encontraríamos de novo, portanto, que eu não me preocupasse com isso agora. Ela disse que naqueles dias, era para continuarmos a fazer companhia uma para a outra, estava muito carinhosa, e disse que iria sentir minha falta. Então eu pedi a ela que não fosse. Pedi que ficasse comigo. Mas ela disse que não podia, e que eu ia entender um dia.
Antes de dormir para sempre, passamos nosso último dia juntas, brincando. Mamá se levantou, fomos tomar sol, almoçamos juntas. Ela até conseguiu correr atrás de mim, enquanto brincávamos de pega-pega. Nos divertimos e rimos muito, nós duas, juntas naquele dia.
No café da tarde, mamá quis alimentar a sua menininha, como ela disse. Deixei que ela me desse comida na boca, como ela queria. Então ela disse que estava cansada, e que iria dormir um pouco. Me fez sentar na poltrona com um livro, beijou minha testa e disse que me amava muito. Então ela se deitou na cama de hospital, com um sorriso largo no rosto.
Quando uma das enfermeiras chegou, aquela que me levou para a lanchonete, quando colocaram e quando tiraram o tubo da boca da mamá; bem, ela viu mamá sorrindo e olhou para mim. Então ela chegou perto da mamá, e colocou a mão em seu braço. Depois me chamou para irmos à lanchonete. Aceitei com um sorriso.
Enquanto íamos para a lanchonete, ela falou alguma coisa na sala das enfermeiras, mas eu não ouvi o que era. E, quando chegamos à lanchonete, a psicóloga já estava lá nos esperando. Ela disse que mamá tinha ido embora. Eu disse a ela que mamá estava dormindo, e ela me disse que era disso que ela estava falando… que mamá não iria acordar mais.
Pensei que ela iria acordar depois de uma semana, mas colocaram mamá numa caixa grande com tampa. Mamá estava linda, cercada de flores, mas como eles disseram, ela não voltou mais.
Os Mendonza conversaram com a assistente social e com a psicóloga, e elas deixaram que eu ficasse na casa deles por um mês e meio. Eles foram falando comigo, explicando que elas estavam em contato com o meu papá, e marcando um dia para nós nos conhecermos. Eu não tinha pressa em conhecer ele. Não sabia porque, mas não tinha a menor vontade de o conhecer. Mas, segundo todos eles, tinha que ser assim.
Mas, durante os mais de quarenta dias que fiquei na casa dos Mendonza, fui para a escola com o Pablo todos os dias; fiz alguns testes, na sala da diretora e ela me colocou na mesma sala que ele, pois eu tinha ido muito bem nos testes.
— Se você continuar assim, você poderá pular mais alguns anos na escola, Hellen. - ela me disse depois de eu fazer os testes, com um sorriso em seu rosto.
Segundo ela, eu sou especial, pois sou mais inteligente que a maioria das crianças.
Todos os dias, depois das aulas, a senhora Mendonza, levava o Pablo e eu para o parque, perto da casa deles e nós brincávamos a tarde toda. E todos os sábados, comíamos pizza, ou lanches, ou íamos jantar fora. Era uma rotina bem diferente da que eu tinha com a mamá. Mas, mesmo sendo gostoso, eu nunca me esqueci dela.
Então chegou uma tarde de domingo, em que os papás de Pablo me chamaram para conversar. Nos sentamos na sala. A psicóloga e a assistente social estavam lá também, além de uma enfermeira.
— Hellen, você sabe por que estamos aqui? - a psicóloga me perguntou.
— Porque vocês querem que eu conheça o meu papá. - respondi baixinho, e de cabeça baixa.
— Exatamente, querida. - a assistente social falou. - Você tem um papá vivo, então você deve morar com ela.
— Mas e se eu não quiser? - olhei nos olhos dela. - Eu estou bem aqui com o Pablo e os papás dele. É quase tão bom como estar com a mamá. E eu nunca vi o meu papá. Por favor?
Elas se entreolharam parecendo tristes.
— Hellen, temos leis que devemos seguir. - a psicóloga disse. - Sentimos muito.
Os papás de Pablo colocaram suas mãos em meus ombros e disseram para elas, que se meu papá deixasse, eles me adotariam. Elas responderam que, segundo ele, ele já tinha um plano para mim, e iria começar a colocar em prática, assim que o teste de paternidade provasse que eu realmente sou filha dele.
Depois disso, a enfermeira passou um cotonete na minha boca, segundo ela, para coletar saliva, e cortou as pontas de um dos meus cachos de cabelos.
Dois dias depois, eu estava me despedindo dos Mendonza, e indo para uma casa de acolhimento, para conhecer o meu papá.