CAPÍTULO 2 - HELLEN: A INFÂNCIA CONTINUA
Comecei na escola nova, faltavam apenas três meses para eu fazer seis anos. Torci e rezei tanto, que Pablo ficou na mesma sala que eu, no primeiro ano. Mais tarde, ficamos sabendo que os papás dele conversaram com a diretora da escola nova e a convenceu de nos colocarmos juntos.
Graças a alguns amigos que vieram da escolinha, minha fama de valente e de minha amizade com Pablo, foi espalhada pela escola nova, então ninguém mexia com nenhum de nós dois, e muitos outros vieram fazer amizade com a gente, e assim montamos uma turminha. Isso tudo continuou quando estávamos no segundo ano. Bem… até a metade do segundo ano.
Três meses e poucos dias depois de eu completar sete anos, de repente, mamá sentiu uma dor forte de cabeça. Tão forte, que ela caiu no chão, se contorcendo de dor, e agarrando a cabeça com as mãos. Mamá gemia e gritava, se retorcendo no chão.
Peguei o celular dela e liguei para a emergência, e a ambulância chegou rápido, mais uma vez. Quando estávamos no hospital, liguei para os Mendonza, que foram para lá me acompanhar e falar com os médicos. Um deles, era o mesmo médico que estava lá na primeira crise de mamá. Então, como ele já sabia o que tinha acontecido com ela antes, ele repetiu os exames em sua cabeça, e em pouco tempo ele tinha o diagnóstico em mãos.
Depois de os Mendonza conversarem com ele, a mesma mulher que falou comigo da outra vez, veio ao meu encontro, na sala de espera. Mas dessa vez, tinha uma outra mulher junto. Essa outra mulher, era uma médica, e se apresentou como psicóloga. Não me lembro o nome dela. Nem da assistente social, que estava falando comigo pela segunda vez.
— Olha, Hellen… - a assistente social começou a falar, depois de ter me cumprimentado. - a situação da sua mamá, parece estar pior agora do que esteve da última vez em que vocês estiveram aqui.
— O que você quer dizer com isso? - eu senti meu corpo começar a tremer. Eu estava com medo do que ela ia falar.
— Ela vai ter que ficar aqui no hospital. - a psicóloga respondeu. - Você tem algum lugar para ir? Tem com quem ficar?
— Você pode ficar conosco, se quiser, Hellen. - a senhora Mendonza disse, antes que eu pudesse responder.
— Eu gostaria de ficar com a minha mamá. - todos olharam para mim e, pelos seus olhares, parecia que achavam que eu não estava entendendo o que estava acontecendo. - Aqui no hospital. - completei, para que entendessem.
— Olha, Hellen…
— A minha mamá não tem direito a um acompanhante? - interrompi a psicóloga. - Eu não tenho outros parentes por perto. Minha mamá nasceu na França, era filha única e meus abuelos morreram num acidente de carro, quando ela tinha vinte e dois anos. Ela decidiu vir para a Espanha e se casou com o meu papá, menos de um ano depois de chegar aqui, segundo ela. E ela diz que papá foi trabalhar em outro país, sem saber que ela estava grávida. Mamá começou a trabalhar desde que papá viajou.
A psicóloga e a assistente social se entreolharam, me pediram licença e saíram por alguns minutos. Os Mendonza repetiram a oferta de eu ficar com eles, enquanto mamá fazia o tratamento, mas eu repeti que queria ficar com mamá, mesmo que fosse no hospital.
— Hellen, você sabe o nome do seu papá? - a assistente social perguntou, quando as duas voltaram.
— Diego Fernandes. Está na minha certidão de nascimento.
— Tudo bem. Nós vamos tentar achá-lo, está bem? - assinto para ela. - Nós vamos deixar que você acompanhe sua mamá por uns dias. Se tudo correr bem, vamos deixando você ficar, até acharmos o seu papá. Assim que o acharmos, você terá que ficar com ele.
— Mas eu nem o conheço…
— Mesmo assim, terá que ficar com ele. - a psicóloga respondeu. - Um hospital não é lugar para crianças ficarem como acompanhante, Hellen. Tem muita coisa feia acontecendo aqui dentro. Coisas que uma criança nunca deveria presenciar.
— Mas se mamá estivesse em casa e acontecesse uma dessas coisas, eu não iria presenciar? E se acontecesse comigo, eu estaria vivendo uma dessas coisas que eu não deveria presenciar?
— Tudo bem, Hellen. A gente vai procurar o seu papá, e quando o acharmos, você terá um tempo para se acostumar a ele, está bem? Você passará algumas horas com ele por dia, até que se acostume, antes de ir morar com ele, está bem assim? - a psicóloga pergunta, enquanto a assistente social esconde o riso.
— Mas… e se eu não me acostumar com ele? - pergunto estreitando os olhos.
— Então teremos que achar outra solução.
— Mas eu já dei a solução. Quero ficar com a minha mamá! Eu posso ficar como acompanhante dela.
— Vamos ver, está bem?
Os dias foram se passando, e mamá recomeçou todo o tratamento. Descobri que ela não estava raspando a cabeça, pois os cabelos dela ficavam no travesseiro, todas as noites. Um dia, peguei um pouco dos cabelos dela no travesseiro, e guardei na minha bolsinha, sem ninguém ver. Prometi a mim mesma que, quando crescesse, mandaria fazer uma boneca com os cabelos dela. Nem sabia por qual motivo, isso tinha passado pela minha cabeça.
Mamá ficou totalmente careca de novo, e seu cabelo não estava crescendo de volta, quando eu fiz oito anos… e ela não tinha tido alta do hospital, também. Mas as enfermeiras me trouxeram um bolo, com vela, docinhos e salgadinhos. Cantaram parabéns para mim, elas e os médicos. Foi muito legal.
Naquele dia, mamá estava parecendo estar melhor. Mas não durou muito tempo. Três ou quatro dias depois, colocaram um tubo na boca de minha mamá, e me explicaram que era para que ela pudesse respirar melhor, pois ela estava com pneumonia. Disseram também, que isso era normal, já que a químio que ela estava tomando, estava fazendo com que a imunidade dela enfraquecesse.
Levou mais de um mês para que eles retirassem o tubo da boca de minha mamá. Eu não vi colocarem, e nem tirarem. Nesses dois procedimentos, uma das enfermeiras me levou para a lanchonete do hospital, para tomar um refrigerante, e ficar conversando comigo por um tempo.
— Por que você está me tirando daqui?
— Para você tomar um pouco de ar puro e de sol… e um refrigerante, também. - ela sorriu para mim, e eu sorri de volta para ela.
Enquanto eu estava no hospital, acompanhando minha mamá, nem sempre minha mamá comia a comida, então eu guardava para eu e ela comermos mais tarde, pois às vezes dava fome em horários em que ninguém trazia comida, ou lanche.
Vários meses se passaram, até que a psicóloga veio falar comigo, no quarto da minha mamá.
— Você está sozinha? Cadê a assistente social? - perguntei.
— Não preciso que ela me acompanhe, Hellen. - ela sorriu para mim. - Na verdade, é ela que precisa que eu a acompanhe às vezes.
— Ah… você veio me dizer que vocês acharam o meu papá? - olhei desconfiada para ela.
— Nós achamos o seu papá há meses, Hellen.
— E por que eu não estou passando tempo com ele para me acostumar? - franzi o cenho para ela.
— Porque achamos que sua mamá está mais confortável com você aqui. - assenti olhando para a minha mamá, que estava dormindo. - Hellen, preciso falar uma coisa muito séria para você. - olhei para ela, nesse momento. - Os exames mostram que sua mamá não está melhorando.
— Vocês não vão parar o tratamento dela, vão?
— Não, querida. Ela vai continuar sendo tratada. Você se lembra do que a assistente social falou para você, quando a sua mamá desmaiou, há três anos?
— Que minha mamá tinha uma bolinha na cabeça. Do tamanho de uma ervilha seca. Que o tratamento daquela época iria funcionar. E o médico disse que não podia retirar, que mamá poderia virar um vegetal, se alguma coisa desse errado.
— Muito bem! - ela fala assentindo. - Nós achamos o seu papá, pouco depois de sua mamá ser internada aqui, há mais de um ano. Mas agora, precisamos que você o conheça.
— Mas, por que agora?
— Porque não sabemos quando você terá que ir morar com ele.
— Mas eu não quero ter que ir morar com ele! Não quero deixar a Espanha! Eu não quero deixar a minha mamá!
— Querida, entenda! - ela pegou minha mão entre as dela. Meus olhos se encheram de lágrimas. - Não sabemos quanto tempo sua mamá ficará conosco. Enquanto ela estiver aqui, você poderá ficar, não importa o que aconteça. Mas quando ela se for, você terá que ir com ele…