CAPÍTULO 1 - HELLEN: A INFÂNCIA
Por tudo o que me lembro, comecei a ir para a escolinha desde que minha mamá teve que começar a trabalhar. Ela disse que começou a trabalhar, assim que assinou os papéis de divórcio, e que não sabia que estava grávida de mim. Ou seja, comecei a ir para o berçário, assim que comecei a desmamar, e mamá pôde voltar a trabalhar.
Me lembro de quando eu estava prestes a completar cinco anos, e um garoto chamado Pablo Mendonza, começou a rir de mim, dizendo que eu não tinha pai. Eu fechei a minha mão e soquei a cara dele, bem no nariz, e gritei que meu papá estava trabalhando em outro país, isto foi o que mamá me disse sobre ele. Pablo chorou como um bebezinho, e as outras crianças riram muito dele.
Claro que mamá foi chamada na administração da escolinha, juntamente aos papás de Pablo. Eles se reuniram na sala da diretora, enquanto eu e Pablo ficamos sentados do lado de fora. Ele se aproximou de mim e pediu desculpas por ter falado aquilo sobre o meu pai, então eu pedi desculpas por ter machucado o nariz dele.
Nós começamos a conversar e brincar. Nós ríamos juntos, quando a porta da sala da diretora se abriu. Os quatro adultos que saíram pela porta, olhavam para nós sem entender o que estava acontecendo. E nem poderiam. Éramos crianças, e como tal, inocentes que sabem perdoar uns aos outros. Inocentes que sabem pedir perdão.
— É… - disse a diretora depois de um tempinho, com um meio sorriso divertido, e as mãos na cintura. - parece que o assunto está resolvido. Se a preocupação era de que as crianças ficassem com algum trauma, elas já se resolveram entre si…
Enquanto nós conversávamos, descobri que eu não fui a primeira criança a bater em Pablo, e portanto, não era a primeira vez que seus papás vinham conversar com a diretora. Por isso, os papás dele perguntaram se eu tinha me desculpado com ele, e quando ele disse que sim, seus papás viraram para a minha mamá e a parabenizaram, por eu ser muito mais educada que as outras crianças dali.
Eu e Pablo viramos amigos, e ninguém mais mexeu com ele, nem comigo, por medo de apanhar de mim. Alguns dias depois, ele começou a trazer seus lanches em dobro, dizendo que sua mamá mandava uma parte para mim, por estar agradecida de eu defendê-lo das outras crianças.
Eu estava no paraíso… pena que esse paraíso não durou tanto. Uns três meses depois, minha mamá começou a reclamar de ter muita dor de cabeça, e teve um dia em que ela desmaiou no meio da rua, enquanto estava me levando ao parquinho para brincar com Pablo. Era um domingo à tarde, estávamos atravessando a rua para a entrada do parquinho.
Pablo e os papás dele, que esperavam na entrada, viram que minha mamá caiu e correram para ajudar. O papá de Pablo, o senhor Mendonza, carregou a mamá nos braços, até um banco na calçada, onde ele a colocou sentada. A senhora Mendonza ligou para a emergência; a ambulância chegou rapidamente, e todos fomos para o hospital. Mamá não acordou por doze horas, mesmo os médicos fazendo de tudo para ela acordar.
O laudo dos exames dela, saíram em duas horas, devido à emergência do assunto.
— O que vocês são da paciente? - perguntou o médico.
— Nossos filhos são amigos de escola. - a respondeu senhora Mendonza. - Eles iam brincar no parquinho, quando isso aconteceu.
— Sabem se ela tem algum parente?
— Só conhecemos a filha dela. - ela respondeu apontando para mim.
— Acho que mamá só tem eu. Nunca conheci tios ou abuelos. O que está acontecendo com a mamá, médico? - não falei de papá, pois eu não tinha ideia de como falar com ele, caso fosse necessário.
— Então vou ter que falar com vocês em particular, se vocês aceitarem. - Os Mendonza assentem. - Por favor, venham comigo.
Eles entraram numa sala com o médico. Eu e Pablo ficamos esperando, sentados na sala de espera. Quando eles voltaram, uma mulher veio com eles e se sentou perto de mim.
— Oi, Hellen! Como você está? - ela perguntou com um sorriso.
— Estou preocupada com a mamá. O que aconteceu com ela?
— A sua mamá desmaiou porque ela está dodói. Mas nós vamos tratar dela, está bem?
— O que ela tem?
— Ela tem uma bolinha na cabeça, e foi por isso que ela desmaiou. Mas nós vamos tratar dessa bolinha para a sua mamá ficar bem e não desmaiar mais. Você sabe se ela tem dor de cabeça ou se já desmaiou antes?
— Faz alguns dias que ela está dizendo que tem tido dor de cabeça, moça. Mas não falou de nenhum desmaio. Que tamanho é essa bolinha? Como ela foi parar na cabeça da mamá?
— É do tamanho de um grão de ervilha seca. É pequenininha. E com o tratamento, ela vai ficar bem. Você entendeu?
Assenti para ela, que sorriu para mim, mais uma vez. Retribuí seu sorriso, acreditando que tudo ia ficar com a mamá. E realmente ficou. Mamá fez tratamento duas vezes por semana, com uma coisa chamada químio. Ela ficou careca por um tempo, mas disse que estava adorando não ter que pentear os cabelos, quando perguntei se ela não podia deixar o cabelo crescer.
— Posso raspar a cabeça também, mamá? - perguntei, pois queria a maravilha de não ter que me preocupar com cabelos embaraçados.
— Melhor não, querida. - mamá sorriu para mim. - Eu amo os seus cabelos cacheados! Não temos muitos desses na França. E você fica lindíssima com seus cachinhos! - ela emendou quando comecei a fazer bico.
Acompanhei a mamá quase todas as vezes que ela foi ao hospital para fazer o tratamento. E muitas vezes, a vi vomitar, quando tiravam a agulha de químio, da veia do seu braço.
Alguns meses se passaram, a frequência que mamá tinha que fazer a tal químio diminuiu para uma vez por semana, depois para quinze dias. Mais dois meses, e mamá estava bem, disse o médico. O tumor tinha se estabilizado, e dificilmente voltaria a dar problemas. Mas ele disse também, que não poderia retirá-lo, pois tinha se desenvolvido no sistema nervoso central, e que, se tentasse tirá-lo dali, mamá poderia ter consequências graves, que ela poderia até ficar em estado vegetativo, em cima de uma cama.
Quando ouvi isso, não entendi o que o médico queria dizer, mas a maneira como ele disse, me fez perceber que não seria uma coisa boa. E quando perguntei à mamá o que aquilo significava…
— Hellen, estado vegetativo, é agir como um vegetal. O que o vegetal faz?
— Nunca vi um vegetal fazer nada, mamá. - respondi depois de pensar um pouco.
— É o que acontece com uma pessoa em estado vegetativo, querida. Ela não faz nada. Nem pensa.
— E, por que as pessoas fazem isso?
— Quando isso acontece com alguém, não é porque a pessoa quer. É como se a pessoa estivesse doente também.
— Virar um vegetal é um tipo de doença? - perguntei de olhos arregalados. Mamá riu baixinho.
— Sim, querida. É um tipo de doença. Este é o melhor jeito de te explicar agora. Te explico melhor quando você crescer e ficar mais velha.
Assim, uns seis a sete meses depois de mamá ter começado o tratamento, estava tudo bem novamente. Mamá voltou a trabalhar, pois durante o seu tratamento, ela teve que tirar uma licença do trabalho. E eu voltei a frequentar a escolinha todos os dias, pois eu a acompanhava ao hospital, e ficava com ela no dia seguinte ao tratamento, pois ela passava muito mal. Então, só ia para a escolinha de vez em quando.
A senhora Mendonza, organizou junto com a diretora, uma festinha de boas-vindas, como um bem vinda de volta, para mim. Tinha doces, salgados, suco, refrigerante e um bolo delicioso! Foi como uma festa de aniversário! Só que na escola. Então, naquele dia, não tivemos aula na nossa sala, e as crianças das outras salas, vieram comer um pouco com a gente, na hora do intervalo. Nossa sala ficou lotada!
Foi a festa mais cheia que eu tive! E a que eu mais brinquei, também, pois em casa, nunca teve muito espaço. Pena que mamá teve que ir trabalhar e não pode participar da festa com a gente.
Esse ano passou meio rápido. E mamá já disse que no próximo ano, eu vou para o primeiro ano do primário. Ela disse que é uma nova escola e terei novos amigos, mas que talvez, eu encontre alguns amigos, dessa escolinha, na escola nova. Estou torcendo para encontrar só os mais legais. Estou torcendo para que o Pablo também vá para a escolinha nova… assim posso continuar protegendo ele.