Capítulo 4 Visitas e cigarros
O dia começou com o céu fechado e clima quente. Elis dirigia impaciente devido ao trânsito que resolvera dar as caras na pequena cidade. Como se não bastasse, sua cabeça latejava pela alta dosagem de uísque que tinha ingerido na noite anterior.
— Bom dia, Sunshine — Heitor disse em seu costumeiro humor matinal. — Está pronta para mais um dia de investigações?
— Heitor, hoje não! — Elis o advertiu antes que começasse a tagarelice.
— Tome — estendeu uma xícara para a mulher — Este café irá te ajudar. Hoje temos muito trabalho a fazer! Crianças para conversar, relatórios para serem feitos...
— Jesus! — Disse olhando em suplica para o céu.
— Bom dia, crianças! — Frank entrou pela porta, fazendo-se ser notado por todos — Já estão discutindo uma hora dessas?
— Mas é claro que não! Como de costume, nossa amiga se enterrou em bebidas ontem à noite e acordou de mal humor. Nada de novo sob o sol!
— Quer dizer que nem você me respeita mais? — Elis olhou incrédula para o rapaz.
— Não se assole. Suas dependências fazem parte do charme — deu uma picadela divertida.
— Eu não entendi o que você quis dizer com isso e nem quero. Frank — Elis se virou para o homem —, preciso do endereço de todas as crianças que estavam com Felipe na tarde anterior ao seu desaparecimento.
Heitor olhou para a mulher e deu um sorriso tão largo que seus olhos ficaram espremidos.
— Frank, por favor, rápido! Antes que eu perca o resto da minha paciência!
—Aqui estão os nomes e os endereços — disse o delegado entregando um papel que tirara do bolso. — Então, como foi ontem na casa do menino?
—Tudo correu bem. Mais tarde conversamos.
Elis saiu apressada pelas portas da pequena delegacia na esperança de que Heitor evaporasse por detrás dela.
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Elis e Heitor chegaram à casa de Pedrinho. Se tratava de um lugar limpo e arrumado com azulejos florais nas paredes. A sala em que estavam era confortável e havia uma velha tevê transmitindo as programações matinais.
— Bom dia, Pedro. — Elis disse sentada em um sofá de pano. — Virginia, obrigada por nos receber em sua casa.
O menino aparentava angustia com resquícios de agitação. Era uma criança miúda de cabelo preto e pele branca como a neve. A mãe tinha aparência muito semelhante à do filho, exceto pelo cabelo encaracolado. Ambos estavam sentados nas poltronas espalhadas pela sala.
— Pedro, nós gostaríamos de conversar um pouquinho sobre a última vez que você viu o Felipe. Será muito importante para o encontrarmos — solicitou Elis.
— Podem me perguntar qualquer coisa.
— Virginia, eu sei que deve estar muito preocupada — se dirigiu à mãe. — Mas gostaríamos de conversar a sós com seu filho, se for possível.
— Oh, claro. Farei alguma coisa para vocês beberem — Virginia levantou-se da poltrona e foi a até a cozinha.
— Então, Pedrinho. Nós queremos saber, em detalhes, o que aconteceu naquele dia. — Heitor se ajustou com seu bloquinho de notas na mão.
— Pois bem, nós estávamos reunidos no clubinho da Alvorada. E como de costume contávamos estórias de terror. Era a minha vez e eu escolhi falar sobre a lenda de dona Nancy — ele corria com as palavras. — E Felipe começou a dizer que tudo isso não passava de besteira, e que sairia de casa à noite para provar. Mas ninguém levou muito a sério, sabe? Depois disso todos saíram para brincar na rua.
— Você não se lembra de ter notado algo de estranho no comportamento dele?
— Não, senhor. Estava tudo muito normal.
— E no outro dia, por que você resolveu ir até a casa dele?
— Não sei, são aqueles pressentimentos ruins que a gente tem às vezes. Eu queria conferir se tudo estava bem. Infelizmente, não estava.
— Você sabe de alguém que poderia querer fazer mal a ele?
— Na escola tem esses meninos chatos, sabe? Que enchem nossa paciência e nos provocam, essas são as únicas pessoas que poderiam querer fazer algo contra ele. Se chamam Maurício e Ricardo.
— Diga-me, Pedro — dessa vez, perguntou Elis. — Seu amigo tinha costume de ler livros?
— Não mesmo — o menino deu uma risada — Felipe não era um dos mais inteligentes, nem dos interessados. Então... vocês são adultos e podem não me levar a sério, mas e se dona Nancy realmente o capturou? É o que tudo indica.
— Ora, tu tem idade suficiente para saber que almas ficam no além e não nas estradas — repreendeu Heitor.
— Bom, se a dona Nancy estiver por trás disso, nós daremos um jeito de pegá-la — falou Elis dando um sorriso para a criança.
Heitor a olhou com estranheza e, por fim, finalizou o bate-papo.
— Bom, acho que terminamos por aqui!
— Então quer dizer que temos uma criança desaparecida e você está aqui sentada lendo um livro infantil? — perguntou Frank ao ver Elis sentada na cadeira de Francisco com as pernas esparramadas sobre a mesa.
— Bom dia, querido. Saiba que o meu dia ontem foi cheio por causa disso — disse vasculhando o bolso atrás de cigarros. — Agora estou fazendo um momento recreação e gostaria de não ser interrompida. — Puxou o livrinho de volta ao rosto.
Frank olhou o ambiente e prosseguiu:
— E por onde anda Francisco, afinal?
— Não sei... — Passou uma página do livro. — Ah, sim. Ele foi à casa de uma sobrinha doente e me pediu para ficar aqui.
— Presumo que você já tenha uma lista de suspeitos, han? — disse arrastando uma cadeira para frente da investigadora.
— Uh, que bom humor matinal... tome um para relaxar — apontou os cigarros para o homem.
— Não, obrigado.
— Tem certeza? Não é todo o dia que ofereço cigarros.
— E Heitor? Onde está?
— Pedi que ele me trouxesse alguma comida — Frank a olhou com repreensão e antes que pudesse falar, ela prosseguiu: — O que há? Ninguém consegue pensar de barriga vazia.
— Você hoje está cheia das gracinhas. Como anda o caso?
— Não encontrei nada relevante. Ontem fomos falar com as tais crianças, mas não serviu de nada. Todos disseram as mesmas coisas: "Felipe queria provar que a lenda não passava de uma farsa" — disse fazendo uma voz fina. —Era um discurso tão semelhante que se eles fossem crescidos eu diria que era uma conspiração - fez alguns segundos de silêncio enquanto Elis tragava o cigarro, e de sobressalto continuou — ah, sim. Também falamos com umas crianças que não iam com a cara do menino. Não que eu acreditasse que elas serviriam de alguma coisa, mas, responsabilidades do trabalho! Os dois juraram não saber nada sobre o ocorrido, e... Acho que só.
— Se eu não lhe conhecesse tão bem me dava por vencido. Mas sei que se não houvesse nenhuma ideia passando por essa cabecinha, você estaria num mau humor do diabo — ele arrastou sua cadeira para mais perto. — Vamos, desembucha.
— Eu já disse. Não há nada.
— Você acha que está perdoada pelo último caso que me deixou a parte de tudo, e no fim, quase me fez enfrentar um processo judicial por invadir a casa de uma senhora de 54 anos?
— Eu estava fugindo de um homicida!
— Exatamente! Fugindo de um homicida. Sem que ninguém soubesse uma letra do que se passava.
— Só acho que ainda não estamos na linha correta de investigação. Mas, preciso que faça um favor para mim.
— Diga.
— Preciso do arquivo do caso de assassinato da mãe do Felipe, o mais rápido possível.
— Sem problemas, só quero que você não saía por aí pintando céus e terra por conta própria. Pode ser muito perigoso.
Fez-se um barulho das portas se abrindo e por elas Heitor tentava passar sem derrubar as três sacolas de comida que segurava em suas mãos.
— Então, chaminé — disse se referindo a Elis. — Trouxe pães de queijo, tapioca de frango, iogurte, rosquinhas... descobri que não sei o seu gosto alimentar.
Elis levantou-se, abriu as sacolas e pegou um pedaço de Brownie.
— Pode deixar o resto de presente para o Frank. Porque agora nós temos trabalho a fazer. — Pegou o maço de cigarros da mesa retangular e se dirigiu a saída.