Capítulo 3 O porta-retratos
Elis atravessou a praça dos Ipês, o hospital principal e chegou ao endereço marcado na folha de papel. Notou que a casa a sua frente era sofisticada, apesar dos materiais de baixo custo. Havia um portão de grades pretas que permitia a visão de um jardim bem cuidado e aparado, e mais adiante, alguns curtos degraus davam entrada à uma porta branca de estilo vitoriano.
Elegância foi a palavra que na sua mente descrevia o pai solteiro.
Ao tocar a campainha, um homem calvo desceu as escadas balançando suas chaves na mão. Ele tinha pele branca e olhos ávidos que exprimiam firmeza.
─ Boa noite, em que posso ajudá-la? ─ Perguntou por detrás dos portões.
─ Sou Elis Cavalcanti e trabalho na DT. Estou responsável pelas buscas do seu filho ─ disse e mostrou o distintivo no bolso. ─ Eu sei que está tarde, mas preciso fazer algumas perguntas.
─ Por favor, entre! ─ disse abrindo ligeiramente o cadeado dos portões.
Ouviu-se da rua, um som da sirene de um carro de polícia. Não precisou que ele parasse para que Elis soubesse quem o dirigia; Heitor, que gostava de lembrar a todos do seu trabalho na polícia. Este era também um dos defeitos que faziam a mulher cautelosa detestar seu parceiro.
─ Boa noite, meu senhor ─ disse um rapaz baixo que abria desajeitadamente as portas do carro. ─ Sou o investigador Heitor Pescoço, e trabalho ao lado da Elis para a del... — foi interrompido.
─ Certo, Heitor. O homem já sabe por que estamos aqui ─ virou-se para o rapaz com impaciência. ─ Vamos entrar, por favor.
Sem desacatar o pedido, os três seguiram para a porta principal. A sala de visitas possuía dois sofás marrons de couro sobre um tapete persiano. Uma mesa com diversos porta-retratos trazia um sentimento íntimo ao ambiente, e ao lado esquerdo estava disposto um piano cor de madeira. A parede era enfeitada por um singular relógio oval.
─ Espero que se sintam à vontade. Querem café ou água? ─ disse apontando o sofá para os visitantes.
─ Não, obrigado ─ respondeu Heitor.
─ Eu gostaria de um café, se não for muito incômodo. ─ Elis disse.
Após serem deixados a sós, Elis foi até a mesa de retratos e puxou um que lhe chamou atenção. Na foto havia um recém-nascido e uma mulher, ela logo presumiu que se tratasse de Felipe e sua mãe. E mesmo com o embotamento dado pelo tempo à fotografia, dava-se para notar certo olhar de penúria vindo da mulher, e junto a isso, seus lábios estavam cerrados. Palavras podem mentir, mas fotografias não, sua tia costumava falar.
─ Aqui está teu café! ─ Disse Baltazar colocando a xícara de café nas vistas da investigadora.
─ Muito obrigada. ─ E pôs o retrato de volta ao seu lugar.
─ Então senhor Baltazar... É esse teu nome, não é? ─ Perguntou Heitor com os olhos inquisitivos e postura ereta, sentindo-se em um romance policial.
Heitor tinha traços infantis. Seu cabelo loiro, a baixa estatura e o nariz arrebitado tornava sua imagem angelical e inocente. Tais características condiziam com sua personalidade, tendo em vista toda sua ignorância com as mazelas humanas. Tudo de bobo lhe era interessante. E só havia conseguido um posto na delegacia por ser filho de um respeitável sargento.
─ Sim, senhor ─ Baltazar respondeu.
─ Nos conte como foi a última vez que o senhor viu o seu filho.
─ Assim como todos os dias, eu o coloquei na cama para dormir. Apaguei as luzes e segui para o meu quarto. Estava tudo muito normal.
─ Certo. ─ Heitor anotou no seu papel. ─ E durante a noite? Não ouviu nenhum barulho estranho?
Elis se divertia com as perguntas programadas e comuns do seu parceiro. Mas não ousaria o impedir, já que respostas relativamente simples eram a chave de grandes descobertas.
─ Não. E como poderia? Eu durmo igual uma pedra.
─ Uhum... ─ Heitor continuou anotando em seu bloquinho. ─ Com qual roupa ele estava vestido?
─ Um pijama verde de bolinhas pretas ─ Os olhos de Baltazar tomaram tons de pesar. ─ Me digam, sinceramente, há alguma possibilidade de terem raptado meu menino?
─ Há sempre possibilidades ─ disse fechando o bloco de notas. ─ Mas no momento não podemos te falar nada de muito concreto.
─ Baltazar ─ Elis perguntou chamando a atenção dos homens ─, o que aconteceu com sua mulher?
— Minha mulher... — respondeu com a expressão surpresa. — Ela foi assassinada há muito tempo. Foi um caso de erro de alvo. Ninguém sabe muito bem o que aconteceu, mas a mataram inocentemente.
— Isso aconteceu aqui?
— Sim.
— Só mais uma coisa antes de partirmos ─ Elis curvou os ombros para frente. — Poderia nos mostrar o quarto do seu filho?
— É claro. Me acompanhem.
— Elis, no que você está pensando? Já descobriu alguma coisa? Por que tu falou sobre a mãe do menino? — Heitor perguntou animadamente após a saída de Baltazar, para ele, qualquer fala da mulher fazia parte de um enredo mirabolante.
Elis analisava o quarto com uma expressão de quem não queria ser interrompida. Heitor adorava cada parte daquilo, ele tivera uma paixonite pela parceira no início da relação. Mas com o passar do tempo e as inúmeras ameaças de socos para suas persistentes indagações, o rapaz deixou de lado sua paixão para dar lugar a uma irritante admiração.
O quarto da criança era simples, havia uma cama de cor bege que combinava com o guarda-roupa não muito grande, e ao seu lado uma pequena cômoda. Em cima das prateleiras estavam gibis e alguns carrinhos de coleção, e em frente a cama, havia uma janela com grades que dava para a rua.
— Não é assim que se descobrem coisas, Heitor — respondeu a investigadora enquanto observava o quarto. — Para alguém chegar a qualquer conclusão é preciso haver uma série de fatores e circunstâncias.
Sobre a cama, havia um lençol verde desarrumado e uma almofada branca.
— Interessante — Elis chegou mais perto —, o lençol se encontra desarrumado e a almofada não está amarrotada. — Ela seguiu para o guarda-roupa e abriu as portas. — Como eu imaginava... o pijama que ele usou está em perfeito estado no cabide.
— O que tu quer dizer com isso?
— As palavras dizem por si só. O ambiente foi alterado. Naturalmente, o peso da nossa cabeça faz com que o travesseiro fique amarrotado. Logo, por que Felipe arrumaria apenas o travesseiro e não os lençóis? Além do mais, o pijama está aqui, intacto.
Sua atenção se desviou para o outro lado do quarto, onde estava a pequena cômoda. Sobre ela havia um livro intitulado "O Escaravelho do Diabo", Elis memorizou aquele nome e desligou as luzes do pequeno quarto azul.