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Seis

Não preciso de despertador para me acordar no meio da madrugada, acordo sozinha e me arrumo o mais rápido possível. Mário não havia dormido em casa, o quê para mim não era nenhuma novidade. Era até bom ele não estar em casa mesmo, iria estranhar eu estar saído de casa antes de amanhecer e ainda por cima num domingo.

Antes mesmo de terminar de me arrumar, ouço Vaneide bater o mais sutil na porta.

- Oi - digo baixo, abraçando meu próprio corpo, quando o vento frio da madrugada vem ao meu encontro.

- Oi. Trouxe as coisas que é pra levar - diz ela, me entregando uma sacola plástica resistente quadrada que, pego de imediato - Se você sair agora, não vai ter muita gente na fila.

- Tá - Entro novamente dentro de casa, pegando minha bolsa, dando uma rápida olhada em Júlia, antes de ir ao encontro de Vaneide.

- Não se preocupe que fico de olho nela.

- Tá bom. Obrigada.

- Boa sorte.

E eu estava mais do que precisando.

Desço a favela em passos rápidos, não por estar temendo ser assaltada ou algo pior, mas por estar com medo de perder o ônibus.

No ponto de ônibus já havia bastante pessoas, maioria mulheres, com bolsas grandes assim como eu, que deduzi que fossem comida, assim igual a que estava também levando até aquele momento para um desconhecido.

Pelos próximos minutos, entro na espera do coletivo, mantendo minha mente vazia, enquanto o frio fazia questão em adentrar pelas minhas roupas. Não sabia o quê exatamente vestir, a verdade era que não sabia qual era a roupa apropriada para aquela ocasião, mas prestei atenção nas outras mulheres e, percebi que a grande maioria estava vestida em vestidos, só não entendi se haviam combinado ou se era uma regra.

Havia optado por ir de calça jeans e camiseta, era o quê eu sempre usava para ir para o trabalho e estava indo para um trabalho naquele momento. Um trabalho que nunca passou pela minha cabeça fazer, não que não fosse digno, era, melhor do que roubar mas, que nunca imaginei que iria fazer ou que conseguisse. Claro, ainda estava duvidando que iria conseguir mas, já estava ali, não tinha como voltar atrás e até tinha, mas meu empréstimo e o próprio Índio, não deixava eu voltar.

Quando o ônibus chegou, deixei que a pequena multidão na minha frente, entrasse primeiro, acabando por ser a última. Não me importava, ainda estava na dúvida se deveria ir ou não e, ficar por último foi meu jeito de me dar mais uma chance para voltar atrás. E acabei não voltando mesmo.

Quando me dou conta, já estou num segundo ônibus, um pouco mais cheio e com todos com um único destino, meu coração neste ponto já estava quase saindo pela boca, já não conseguia mais controlar as batidas dele que estavam completamente descompensadas, muito menos minhas mãos que estavam suando descontroladamente.

O ônibus continuou avançando, até chegar no ponto perto do presidio e todo mundo querer descer ao mesmo tempo do ônibus, menos eu. Paralisei enquanto via todas aquelas mulheres descendo e o presidio não muito longe dali, pior do que havia imaginado, já que nunca tinha entrado em em um.

Minhas pernas se movem sem eu querer para fora do ônibus, começando uma breve caminhada até uma fila extensa que se estendia da entrada do presidio.

Na fila, ouço diversas conversas ao mesmo tempo e sinto a ansiedade no ar, em ver quem estava preso atrás daqueles muros já algum tempo. Algumas estavam indo para sua última visita, outras, estavam começando naquela rotina e só queria encontrar ali alguém como eu, que só estava ali mesmo por causa do dinheiro. O quê eu não sabia se era ruim ou não.

Devido a situação que estava, preferi pensar que não era e era deste modo que o mundo funcionava.

Ás oito da manhã, aos poucos, em passos lentos, a fila começou a andar e meu coração que estava quieto até então, deu um sobressalto, disparando.

Parecia que só por quê eu estava ali, a fila estava andando rápido, isso segundo uma senhora nas minhas costas, que estava feliz pela rapidez. Quando finalmente chego no portão do presidio, sou direcionada para uma sala sem ao menos falarem comigo.

- Tira a roupa e agacha sobre o espelho - diz uma mulher, na minha frente, assim que entro no cômodo com poucos móveis.

Só precisei de poucos segundos, para entender o motivo pelo qual aquelas mulheres vieram de vestido. Era para facilitar justamente naquela hora.

Tiro todas as roupas que estava vestindo, deixando numa cadeira ao lado num amontoado. Fico completamente nua, do jeito que vim ao mundo na frente daquela mulher que nunca vi na minha vida, com um gesto dela, me agacho sobre o espelho e permaneço naquela posição por alguns segundos, até ela mandar eu levantar e me vestir.

Me visto o mais rápido possível, querendo apenas sair dali o mais rápido e acabar de uma vez com tudo aquilo. Mas assim que saio da sala, sou levada até uma espécie de recepção, aonde preciso dar meus documentos e assinar uma folha com outros nomes.

Só então depois de todo esse processo, que sou levada para uma espécie de pátio, com diversas cadeiras e mesas, estava parcialmente quase cheio, o que não era muito bom para as pessoas que estavam ainda do lado de fora na fila para entrar.

Meus olhos vagam pelos presos, tentando descobrir qual era o preso que eu estava visitando, o quê difícil de saber, já que Vaneide não me disse quem ele era, apenas havia um papel no meio das coisas que estava levando com o nome completo dele.

Vou até o guarda mais próximo, segurando o papel um pouco amassado e com uma letra nada bonita, um garrancho na verdade, mas que dava para ler.

- Bom dia - digo ao me aproximar - Estou procurando um preso, o nome dele é Marco... - Antes que eu dissesse o sobrenome, ele me interrompe.

- Visita íntima?

- É - digo sem jeito.

- Não é aqui não - diz andando na minha frente, meio que não me dando alternativa a não ser seguir ele por um corredor frio e sem muita iluminação - É aqui - Ele para de repente em frente a uma porta fechada - E ele já tá esperando.

Ali no corredor, podia ouvir gemidos abafados vindo dos cômodos perto daquele e um frio percorreu pela minha espinha. Não sabia o quê esperar atrás daquela porta, poderia encontrar um ogro, como também poderia encontrar alguém que eu gostasse no final das contas. Só que na maioria das vezes, a vida não era nada gentil e não perdia uma oportunidade para ferrar om alguém.

Já estava aceitando que ela não iria perder aquela chance de me fuder.

Abro a porta do cômodo, entrando devagar, passos receosos. Meu olhar vaga rapidamente pelo quarto, até recair sobre um homem sentado nos pés da cama. Nitidamente, ele era mais velho do que eu, digo isto com base nas rugas de expressão espalhadas pelo seu rosto mas, pelo outro lado, o corpo dele estava em forma, tinha braços musculosos e uma barriga que para a idade dele, estava fora do padrão. Mesmo assim, ele não era tão ruim quanto eu havia imaginado, claro, tirando aquela expressão dele que não estava gostando nem um pouco de me ver ali ou melhor, que eu não era o que ele estava esperando.

Havia pensando em tantas coisas, que havia esquecido aquele pequeno detalhe. Ele não gostar de mim. Se estivesse no lugar dele, também não gostaria, não estava nem um pouco vestida apropriada para a ocasião naquela calça jeans um pouco larga e camiseta, deveria ter vestido algo mais sensual, um vestido talvez... que valorizasse as poucas curvas que eu tinha e passado até um pouco de maquiagem, um batom pelo menos!

Decidir ir no basicão, não havia ajudado nem um pouco e me odiei por isso, ainda mais por saber que poderia sair dali sem dinheiro algum.

- Oi - murmuro, sem jeito, segurando a sacola com mais força que o necessário.

Ele me olha de cima a baixo, sem mudar a expressão de seu rosto.

- Quantos anos tu tem?

Importava minha idade? Vaneide não havia mencionado nada, muito menos que ele era mais velho que eu.

- Vinte e um.

- Vinte e um - Ele repete, estreitando os olhos, continuando a me analisar - Foi a Vaneide que mandou você?

- É. E... mandou essas coisas - Me aproximo da cama simples, com colchão fino, colocando ao lado dele a sacola. Ele não hesita em abri-la e ver tudo que estava lá dentro.

Não demora para ele voltar a me encarar, me analisar, como se quisesse responder suas próprias perguntas sozinho. Não gosto, claro, preferia que ele me enchesse de pergunta, estar ali na frente dele, num quarto e ainda por cima sabendo que precisaria ficar nua novamente e agora na frente de um homem que, iria usar meu corpo como ele quisesse, havia feito todas minhas emoções se tornar um grande emaranhado.

- É lá da Rocinha mesmo? - pergunta por fim, deixando por poucos instantes a tensão, clima, seja o que for, mais leve.

- Sou - digo com um breve sorriso - Nasci lá e me criei.

Ele assenti devagar.

- E você... tem...?

- Filhos? - Interrompo ele, quando a palavra não sai da boca dele e me questiono novamente se aquilo também importava. Bom, talvez a única exigência dele, que Vaneide havia esquecido de mencionar, era que ele queria uma mulher virgem e sem filhos, óbvio - Tenho.

- Tem? - Ele repete, de novo, piscando algumas vezes, com a expressão mudando por um instante e voltar a como estava antes.

- Tenho... - digo convicta - Uma menina. Júlia.

- Quantos anos?

Franzo levemente o cenho, sem entender o motivo de quantas perguntas. Se eu soubesse que era uma entrevista, teria ficado mais... tranquila. Inspiro profundamente, mudando o peso do corpo de um pé para o outro, tentando levar aquela situação da melhor forma possível.

- Vai fazer sete anos.

- Então ela tem seis anos.

- Isso.

- Tem foto? - Franzo o cenho com mais força, não vendo aquela pergunta como algo bom. Ele estava interessado em mim ou... que tipo de pedófilo ele era?!

Dou um passo para trás, pressionando meus lábios, não gostando nem um pouco do rumo que aquela conversa estava tomando.

- Calma aí! - diz ele rapidamente, levantando - Não é o quê você tá pensando.

- E você lá sabe o quê estou pensando?! - digo alterando a voz, percebendo ao dizer isso que, ele a intenção dele estava longe de ser o quê estava pensando, ele não parecia estar com segundas intenções obscuras.

- Me desculpa pela pergunta, tá legal? - diz baixo, voltando a sentar - Só queria puxar conversa. Não tô preso aqui por pedofilia não.

Engulo em seco.

- E por quê tá preso aqui então?

Ele dá de ombros, o olhar no chão, sem evitar de me olhar naquele momento.

- Dizem que é por homicídio.

Prendo o ar, sentindo meu corpo se retrair, mesmo assim, não demonstrei.

- E é?

Ele ergue cabeça, me olhando. Ele não tinha o olhar de um assassino, não sei se tinha como ver isso apenas no olhar, mas ele não me parecia um assassino, a menos que ele estivesse sabendo muito bem como esconder aquilo.

- O que você acha?

Abro e fecho a minha boca, sem saber o quê dizer. Não era bom eu expor minhas opiniões, eu geralmente quando fazia isso, as pessoas não gostavam muito de ouvir a verdade, ele não podia gostar da verdade...

Umedeço meus lábios com a língua, olhando para o cômodo simples, sem nenhuma decoração a não ser aquela cama. Ela continuava lá, querendo saber se iria ser usada, o tempo estava passando e não sabia se iríamos usar ou não, Marco poderia não estar querendo ter nada com uma mulher como eu, nada atraente, nada sensual.

- Você não parece ter matado alguém.

- Já matei sim alguém - Ele ressalta para a minha surpresa - Mas não a pessoa que estão dizendo que matei.

- Então você já matou... - murmuro, convicta de que estava na frente de um assassino.

- Matei sim.

- Mas, você não tá preso aqui só por causa disso, não é?

- Não...

Claro que não, nunca era só um crime. Só que pelo menos agora, ele deveria saber que o crime não compensava.

- Não estou aqui pra julgar - Ele estreita o olhar - Nem você e nem as outras pessoas. Estou aqui...

- Sei por quê tá aqui - diz ele novamente me interrompendo - Tava precisando de alguém.

- Eu sei, pra...

- Isso mesmo - Ele ergue o queixo - Mas você... - Ele hesita novamente, me olhando de cima a baixo, como se estivesse buscando tesão.

- Tem como parar? - digo baixo, desconfortável. Ele volta a me olhar nos olhos - De me olhar desse jeito?

- E como quer que eu olhe pra você?

Era uma boa pergunta, uma boa pergunta mesmo que eu não tinha a resposta. Não sabia qual era o jeito correto dos homens olhar para uma mulher, só sentia que não era aquele, aquele jeito dele me olhar, estava me deixando muito desconfortável. Era apenas o quê eu sabia.

- Só não me olha assim - sussurro.

- Tá - diz no mesmo instante, respirando pelos lábios entre abertos - Não vou olhar mais assim.

Fungo, assentindo, segundo com força a minha bolsa, querendo me desprender dela para fazer o quê tinha que fazer.

- Quer que eu me deite na...?

- Não - diz ele, mais uma vez, sem ao menos permitir que eu terminasse, o quê me fez ligar o sinal de alerta.

- Por quê não?

Ele dá de ombros.

- Tá na cara que você não tá a vontade que, não quer isso.

- Eu quero sim! - A forma com que digo, soa desesperado, mas eu não estava desesperada para transar com ele, não... precisava daquele dinheiro.

Ele força um meio sorriso.

- Não tá parecendo.

- Você quer que eu tire minha roupa? - Consigo me afastar da minha bolsa - É isso? - Faço menção em tirar a roupa, ele levanta, impedindo que eu prosseguisse.

- Não quero - diz sério, com todas as palavras.

Ele precisava me dar um motivo, não podia só dizer que não queria, tinha me dizer o quê não havia gostado ou se eu era ou não era a pessoa que ele estava esperando. Era só dizer, ele só tinha que me dizer! Mais que saco...!

- E o quê você quer então? - Minha voz sai baixa, um pouco trêmula, mas saí e surpreendentemente, ele já tinha uma resposta na ponta da língua.

- Vai embora - diz por fim, antes de sair do quarto, levando com ele as coisas que eu havia levado, me deixando sozinha naquele quarto e agora ouvindo os gemidos abafados no quarto ao lado.

Uma parte minha queria se sentir feliz, por não ter que abrir as pernas para um desconhecido, mas a outra, só conseguia pensar em Índio e no que ele poderia fazer contra eu e a minha filha.

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