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04

Meses se passaram, e agora sou a gerente da loja, as coisas melhoram um pouco. Não ganho tanto como em outras lojas, por que essa loja ainda é pequena e nossa cidade também, mas consegui quitar as dívidas, pelo menos as contas e algumas coisas que comprei para a casa, agora duas vezes ao mês comemos carnes, os demais dias são massas e legumes, já melhorou bastante nossa situação.

Meu irmão agora começou a trabalhar com jardinagem e ganha um bom dinheiro com isso. Meu pai de vez em quando ajuda meu irmão no serviço, mas ele nunca voltou a ser o homem que era: Carinhoso, amável, brincalhão. Ele cuida da gente, mas a maior parte do dia ele reclama, resmunga e sai para beber. Ele não soube lidar bem com o luto e agora sua vida é assim. Eu e meu irmão só queríamos ser amados, mas passamos amor um para o outro, isso já vale muito.

Meus horários de serviço agora são melhores, trabalho somente a parte da tarde. Parte da manhã dedico a arrumar a Fazenda e de noite faço a janta mais cedo e vou ler alguns livros. Minha mãe tinha alguns livros na sua estante, estão empoeirados mas nada que uma limpeza não resolva. E amo muito ler esses livros, mesmo que as histórias não sejam reais, eles me dão esperança no "amor".

Será que existe? As únicas pessoas que amo é meu pai e meu irmãozinho.

Nunca tive uma paixão na vida, nem sei como é isso, mas tudo tem sua hora, como minha mãe dizia.

Pelo que sei minha mãe cresceu na igreja ouvindo de Deus e serviu Ele até a morte. Ela encontrou o amor, foi amada, nos amou. Mas ela partiu, Deus a levou. Nunca me indignei com ele. Foi a hora dela, mas tivemos tão pouco tempo.

Lembro de uma frase que ela sempre falava:

" NÃO DESISTA DE DEUS, ELE NÃO DESISTE DE VOCÊ. "

" EU TE AMO E SEMPRE TE AMAREI."

" TENHA FÉ E ACREDITE EM DEUS."

Isso sempre fica martelando na minha cabeça. E sempre digo isso ao meu irmão. Oramos toda noite juntos, e tentamos sempre não reclamar da nossa vida e sim agradecer. Queremos parecer com nossa mãe: ser amável, doce e espalhar amor pelo mundo.

Dia seguinte é minha folga. Vou até o mercado com meu irmão e compramos algumas roupas, estávamos precisando. João ficou contente, havia muito tempo que não compramos nada, só pagamos.

Comprei para ele dois pares de roupa e um tênis que ele ficou apaixonado, e para mim dois simples vestidos, gosto de roupas simples, combina comigo.

Depois João fica encarando um lindo caminhão verde. Ele fecha a cara e sabe que suas economias não vai pagar o caminhão que tanto deseja.

Eu coloco minha mão em seu ombro. Ele se vira pra mim e eu digo:

— Pode pegar. — Digo sorrindo para ele.

Ele fica espantado e diz:

— Mas e suas economias?

— Bom… eu junto de novo, meu livro pode esperar, depois você me paga o livro.

Eu pisco para ele, e João me abraça forte e enche meu rosto de beijos.

Compro o caminhão para ele e quando estávamos indo para a estrada somos abordados por uma carroça muito linda, deve ser algum rico.

— Boa tarde jovens.

A voz é de um homem, me viro e quando observo o homem percebo quem é, seria difícil não reconhecer aqueles olhos verdes, é aquele senhor de meses atrás que estava tendo uma conversa estranha a qual não entendi direito, é o Senhor Jones.

Reparo que ele continua com o mesmo jeito elegante, usando terno e afins.

Fico com medo da forma como ele me fitou, seus olhos verdes pousam sobre meu corpo intensamente, assim como a primeira vez, não quero ter aquelas trocas de olhares intensas de novo.

Após sua troca de olhares sobre mim, ele diz:

— Subam, os levarei até sua casa. Vocês me conhecem, certo? Não sou nenhum estranho. Sou o dono do bar onde seu pai se encontra todas noites.

Que vergonha, céus.

Todo nosso dinheiro vai para esse senhor. Argh.

— Ahn. Tudo bem, vamos então, João.

Jones estende sua mão e entro na carroça, estendo a mão a João e ele se senta do meu lado.

Ficamos em silêncio durante o percurso até a nossa fazenda.

De vez em quando pegava Jones me olhando. Estava me admirando? Ou seria outra coisa? Bom, eu não sei, não vou ficar o encarando assim. Reviro os olhos e olho para a janela. Não devia ter aceitado essa carona, aliás.

Após chegarmos agradeço ao Senhor, mas ele sai da carroça e nos segue. Mas… por que? Eu não o convidei.

João entra em casa e vai guardar seu caminhão.

Encontro meu pai do lado de fora da fazenda e Jones e meu pai se cumprimentam, secamente.

— Que coincidência, Rodolfo. Encontrei seus filhos no centro da cidade, os trouxe em segurança pra você.

— Obrigado.

Meu pai responde seco e segura meu braço.

O que está acontecendo?

— Ora. Ora. O que acha que está fazendo? — Diz Jones sério, fitando meu pai.

— Levando minha filha para dentro, pra gente conversar. — Ele arfa para o Senhor Jones, eu francamente não sei o que está havendo.

— Não temos nada para conversar, Leôncio. — Jones chama um de seus guardas costas que estava na carroça conosco, nem tinha reparado nesses homens.

O homem negro e bem forte aparece ao lado de Jones, como ele ordenou.

— Por favor, relembre a Rodolfo nosso acordo.

O homem negro assente e avança contra meu pai. Ele vai agredi-lo.

Eu fico na frente do homem grandalhão e antes de levar um tapa dele eu ouço.

— NÃO TOQUE NA GAROTA.

Jones diz e o homem negro abaixa a mão e segura meu pai. Ele não consegue sair dos braços daquele homem forte. Meu pai tenta lutar e sair, mas ele não é forte o suficiente.

Fico sem saber o que fazer, se meu pai não teve chance contra aquele homem, imagina eu.

Olho para Jones apavorada com tal cena e digo:

— O que está havendo? Ele está te devendo alguma coisa? No seu bar? Eu posso pagar. Quitei todas as dívidas, só não sabia que papai tinha mais dívidas.

Jones sorri e diz.

— Ele já quitou. — Diz o Sr. Jones, me encarando, intensamente.

— Como assim? — Questiono sem entender o que está acontecendo.

Jones parece um pouco tenso no início, e suas mãos me parecem agitadas naquele momento, como se ele não soubesse como me contar o que estava acontecendo.

— Você não contou a sua filha? — Jones pergunta ao meu pai, que parece bastante tenso naquele momento.

Papai nega com um movimento de cabeça.

— Seu pai percebeu naquela noite que ele não tinha mais nada para vender... exceto os filhos.

— Não! — Exclamo surpresa, ele não faria isso.

— Ele te ofereceu a vários homens naquela noite... — Ele continua explicando, e eu só posso sentir meu coração se apertar dentro do meu peito. — No fim ele vendeu você pra mim. Eu disse que esperaria alguns meses para vir busca-la. Você já está quase completando dezoito, já é quase de maior.

Me viro olhando para meu pai não acreditando no que aquele senhor disse.

" Vendida?" Sério?

Meus olhos começam a lacrimejar e lágrimas escorrem pelo rosto.

Jones me olha com certa pena, mas ele ordena para o grandão pegar minhas coisas.

Não, Eu não posso ir.

Eu olho para meu pai que desaba no chão após o outro o soltar.

Ele começa a chorar desesperado. Eu vou até ele, me ajoelho e digo:

— Pai. Por que fez isso? Pai… — Suplico apavorada.

— Me desculpa. Naquele dia estava bêbado. Só vi o que tinha feito quando voltei para casa. Me perdoa. Eu fui um idiota, ainda sou... — Ele chora mais e me puxa para um abraço, eu retribuo, mesmo ele tendo feito isso, ele é meu pai, ele errou, mas eu o amo. Ele é minha família.

Ficamos nos abraçando e sinto ele tremer todo, ele está desesperado e eu também, nós não temos chances contra Jones e seu guarda costas.

Após ele secar suas lágrimas eu começo a falar:

— Pai. Eu te amo, sei que errou muito me vendendo... mas...

Fui interrompida pelas mãos de Jones me levantando, tento sair de seus braços mas ele é forte e sou incapaz de sair.

Meu pai se levanta com seus olhos cheios de lágrimas, tentando me socorrer, mas vejo o guarda costas dar um soco no estômago do meu pai e ele cai de costas no chão gemendo, eu fico com raiva e grito e começo a dar tapas em Jones. Ele fala alto:

— Para com isso menina. Não adianta querer escapar, seu pai vendeu você para mim, não há como voltar atrás.

Começo a desabar em choro e Jones me carrega até a carroça e me sento o mais distante dele possível, o guarda costa entra e a carroça se movimenta.

Não consegui ver mais meu pai, se ele estava bem. Só escutei sua voz bem baixa, abafada pela carroça, que começou a se movimentar. " Não a leve, só tenho meus filhos agora, não posso a perder. Por favor."

Sua voz em agonia me deixa mais com o coração partido. Eu não posso o deixar, nem ao meu irmão, não posso.

Eu estou encolhida, com medo do que vai me acontecer agora, porque o Senhor Jones é um desconhecido e isso me assusta.

Eu era uma mulher livre que lutava dia após dia para pôr comida em casa, e infelizmente descobri ao final do dia que fui vendida pelo meu próprio pai. E que agora, talvez, nunca mais o veja, nem meu irmãozinho.

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