Capítulo 7
Saí da sala e o segui até o que parecia ser seu escritório.
-Sentar-se.
Sentei-me e olhei para ele esperando que ele dissesse alguma coisa, mas na realidade nada me veio à mente, apenas o corpinho da minha princesa que estava naquela cama.
-O que quer comigo?
“Sei que está difícil agora, mas queríamos que você pensasse na possibilidade de sua filha salvar outra vida”, disse ele, me deixando confuso.
-Como assim?
-Como você sabe, foi morte cerebral, o que significa que o coração e outros órgãos de sua filha estão em perfeito estado, e se você autorizar a doação de alguns órgãos dela poderá salvar a vida de Antony.
Isso nunca passou pela minha cabeça, confesso que me deixou pensando, como pude deixar que abrissem o corpo dela mesmo depois de ela estar morta? Eu tive que descansar. Mas num momento vazio pensei no que a Alissa iria querer, ela era tão boa, tão pequena, que tenho certeza que iria querer ajudar outras pessoas.
-E para onde vão esses órgãos?
-Olha, tem listas de pessoas que estão esperando há meses, anos por órgãos, algumas estão quase morrendo, esse seu gesto pode salvá-las.
Não havia nada em que pensar, ele faria o que sabia que Ali iria querer.
“Autorizo a doação”, disse, sentindo um pouco de conforto por saber que perdi minha filha, mas que outras famílias poderiam ter alegria.
Ana:
-Mamãe, de que cor é essa estrela?
-Não sei querido, parece amarelo né?
-Está dobrado.
"Talvez", disse ele, rindo e beijando suas bochechas.
Eu estava sentado em uma cadeira em frente à janela do quarto, olhando para o céu com Angel no colo.
TOC TOC
-Entre.
“Com licença, mas é importante”, disse o médico, não sei por que, mas parecia estar sorrindo.
“O que aconteceu?” perguntei me levantando e colocando Ángel na cama, tomando cuidado para não tirar o soro que corria em suas veias.
-Ana apareceu.
-O que apareceu o Dr. Vicente?
“O coração está chegando aqui, temos que preparar o Ángel para a cirurgia imediatamente”, disse sorrindo.
Meus olhos já estavam cheios de lágrimas, apareceu o que salvaria minha filha, se esse transplante der certo ela não vai morrer.
-Graças a Deus.
“Temos que levá-la agora”, disse ele.
Vicente era um homem que deveria ter sido na sua idade.
"Venha, anjo", disse ele, aceitando-o com calma.
-Onde está a mamãe?
“Você se lembra do novo coração que você precisava?” eu perguntei, beijando seu rosto.
-Então você não está mais me machucando?
“Apareceu essa mesma filha e agora você vai ter que fazer uma cirurgia para poder colocar aqui”, disse ele, encontrando o peito dela.
-Você não vai mais ter que morar com a mamãe Alisson?
-Não meu amor, se tudo der certo você ainda vai ficar aqui comigo, o que você acha?
"Eu vou ficar com você, mãe." Ele disse sorrindo.
-Mas vai doer?
"Não meu amor, agora vai parar de doer para sempre", disse ele sorrindo.
Ela sorriu, sorriu como não sorria há meses.
-Por que está chorando?
"E felicidade, amor", disse ele, abraçando-a.
Nós a levamos para uma sala onde a prepararam. Fiquei apenas observando de longe até terminarem de arrumar tudo e fiquei com ela ao lado da maca em que ela estava.
-Você vai estar aqui quando eu acordar, certo?
-Estou indo meu anjo, não se preocupe.
“Doutor, ele está aqui”, disse uma enfermeira entrando na sala.
“Leve a menina para a sala de cirurgia agora”, disse ele e saiu da sala.
-Mamãe tem que sair daqui agora, filha.
"Eu não quero ficar longe de você", disse ele, fazendo beicinho.
-Vão te levar para ganhar um coração novo, filha, você não quer ficar boa?
Ela parecia pensativa.
-Que o.
-Então vá com eles, a mãe promete que estará aqui quando você acordar, ok?
Ela apenas balançou a cabeça.
-Eu te amo meu pequeno sol.
"Eu te amo, mamãe", disse ele, beijando meu rosto.
“Então vamos, pequena?” uma enfermeira gentil a chamou e ela apenas permaneceu em silêncio.
E logo eles saíram para os corredores com minha filha.
Sentei-me no corredor da sala de cirurgia e fiquei ali, contando cada segundo do que estava acontecendo, pensando em tudo que passamos nesses últimos meses.
-Cuide dela Alisson, cuide dela meu Deus.
Juro que se Deus deu a ele essa oportunidade por algum motivo, e prometo que se ele sair bem desta sala de cirurgia, ficarei grato pelo resto da minha vida.
“Alguns morrem para que outros renasçam”
Antônio:
Se você ouvir o tique-taque do relógio de mesa, o barulho parece distante, mas ao mesmo tempo tão próximo que seus ponteiros indicam: horas, ei, já é tarde. As horas passam nesta mesa de escritório.
Olho para o copo que tenho na mão, o líquido dentro é um convite à bebida, de cor clara, digamos transparente, mas quando ingerido tem um efeito forte.
Tomo outro gole da bebida e é reconfortante consumir. A cada gole sinto o álcool entrar em meu corpo e tirar a dor. Sem dor, me permito pensar nos bons momentos, nos sorrisos e nos beijos da minha neve branca.
Um mês, foi exatamente o tempo que demorou para aquele caixão descer com o corpo da minha filhinha, um mês em que não tenho mais alegria.
Nesse tempo foi tudo muito lento, não fiz nada, só me tranquei em casa e chorei. Essa semana o Mathias me trouxe para a realidade, não posso viver assim, tenho a empresa, e tem vários funcionários que precisam de mim para a empresa funcionar.
Todas as noites, quando termina o expediente, ainda estou no escritório, não quero voltar para aquela casa. Cada vez que entro e olho para aquelas escadas, a cena revive na minha cabeça, minha filha deitada no chão enquanto o sangue a cobre. É triste estar naquela casa e não ouvir ela rir, não ver ela sorrir, não ouvir ela me chamar de “papai”, é o pior, não sentir o poder que aquele beijo foi lançado.
Por isso prefiro ficar aqui, me afogar nesse whisky e reviver as boas lembranças.
-Eu sabia que você ainda estava aqui.-Mathias entra na sala sem bater.
-Você não aprendeu a bater?
“Até aprendi, mas quando se trata de você tenho que quebrar algumas regras”, diz um pouco nervoso.
-Oque Quer?
-Tia Ângela está preocupada, ela te liga no telefone e você não atende Antonio, ela liga para sua casa e Nana não sabe onde você está.
-Se for esse o problema, não se preocupe, vou ligar para minha mãe e dizer que estou bem.
-Você não vê?
-Que?
-Você está afundando cara, eu sei que você sente falta da Ali, todos nós sentimos falta dele, mas infelizmente ela não está mais aqui, e você tem que seguir em frente com sua vida, pelo menos tentar.
-Ela era minha vida.
Ficamos em silêncio por alguns minutos, parece pensar Mathias.
-Pense que ela está em um bom lugar e que não gostaria de ver você assim.
Além disso, você esqueceu? Ela salvou uma vida Antonio.
Naquela época resolveram tirar só o coração da minha filhinha, por algum motivo não retiraram nenhum outro órgão além desse, me pareceu que o coração era mais importante.
Aquele foi o dia mais triste do mundo, não consegui arrumar as coisas para o velório, então o Mathias arrumou tudo. Meus pais e a Nana ficaram muito tristes, choraram muito, assim como eu.
Minha mãe ficou comigo uma semana, mas como diz Mathias, “a vida continua”, e ela teve que sair para isso.
Nana quase não fala comigo, só o necessário, sei que ela se sente culpada por não estar com Alissa naquele momento, mas a verdade é que a única culpada sou eu, sou e sempre serei EU.
-Pelo menos um familiar ficou feliz naquele dia.-digo pensando no coração que foi doado.
Uma esperança surge na minha cabeça, talvez possa ser a coisa certa.
-Por que você está pensando tanto?
-É isso cara, você vai me ajudar a encontrar a pessoa que fez o transplante da minha filha.
Ele parece assustado.
-Por que você quer isso, Antonio? Você sabe que essas coisas são anônimas.
-Só quero saber quem é, ver se deu tudo certo e pronto. Talvez assim eu aceite melhor, talvez quando ver um sorriso nos lábios de alguém.
-Vamos ter problemas.
-Assim que eu ver que está tudo bem com ela, irei embora e nunca mais me aproximarei daquela pessoa.
-Você não me pede para não chorar? Só sei de uma coisa, vai ser uma merda, escute o que estou te falando, muita merda.-Ele diz andando pela sala.
-Tudo vai ficar bem, você vai ver.
-Por onde começamos?
-Um investigador? Porque precisamos obter informações do hospital.
-Eu conheço um, vou falar com ele.
-Vou tentar procurar algo nos registros que tenho, quando fizeram o transplante precisaram de várias assinaturas minhas, então tenho cópias de vários documentos.
-Tudo bem, mas já aviso, se nos prenderem será tudo culpa sua, para todos os efeitos eu não fiz NADA.
-Pare de ter medo.
-Tudo bem, mas vamos lá, tente ir até sua casa, não adianta fugir de lá.
-Essa casa traz lembranças ruins.
-Você já pensou em se mudar? Poderia ser melhor.
-Eu não tinha pensado nisso, talvez pense, não quero fugir, só quero que as lembranças daquele dia vão embora de mim.
-Pense na melhor forma de viver sua vida Antony, Alissa iria querer isso.
-Vou pensar no Mathías.
-Então agora estou indo embora, amanhã vou tentar investigar e vamos tentar saber para qual hospital foi a doação.
-Ok, eu também vou.
A caminhada para casa é feita com o som ligado em volume baixo, as palavras de Elvis Presley soam calmas e ao mesmo tempo fortes, ele sempre sabe o que está dizendo.
Quando chego em casa e abro a porta, as memórias estão vivas novamente. Posso ver aquela garotinha jogada no chão e posso ouvir os gritos de Nana.
-Chico Antônio?
Nana aparece no quarto, me despertando das lembranças que me atormentam.
-Ah, olá Naná.