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Capítulo 6 - Caelum

Sabia que o cheiro dela era familiar. Muito familiar. O meu lado lycan ficou tão aflorado que achei que poderia me transformar bem no meio do salão quando a garçonete surgiu a minha frente para nos servir.

O ciúme de Seraphina pareceu ser irracional, sei que nosso casamento tem parecido mais uma parceria empresarial do que com afeto e amor. Porém, eu nunca trairia Seraphina. Mesmo sem termos filhos, algo que nós dois ansiamos tanto ter, o respeito e admiração que possuiu pela minha esposa vai além de qualquer divergência que possamos ter agora.

Mas aqui estava ela. A mulher que me proporcionou a última noite de liberdade. Eu nunca esqueceria a marca em seu pescoço, tão delicada e charmosa. Assim que ela entrou no salão, o seu cheiro ficou exaltado por cima de todos os outros aromas, até cheguei a pensar que era apenas a nostalgia me rondando outra vez. A saudade de um tempo mais simples e feliz em minha vida, sem um casamento frio e sem um reino prestes a colapsar devido aos ataques dos Wolfspawn Renegades.

Ao se aproximar de nós, de forma impecável e maestria com a bandeja, a jovem havia envelhecido e mudado nesses cinco anos. O rosto alegre, malicioso e divertido que conheci na mesa do bar, ganhou o aspecto sério e frio que eu mal consegui associar com a mulher de cinco anos atrás. Só que o cheiro… isso nunca muda, o cheiro não mente. Mesmo quando ela se mostrou assustada com a acusação incabível de Seraphina, o cheiro dela se manteve, acima dos hormônios que liberamos quando sentimos medo.

A mesma coisa agora, com ela no chão aos meus pés, assustada com o baque que nossos corpos tiveram. O coração dela bate tão rápido quanto a de um beija-flor. Eu não conseguia ter certeza que era ela até ver a marca em seu pescoço. Aquela linda e delicada marca de uma lua crescente, que beijei tantas vezes naquela noite até o sol nascer.

O que ela faz aqui? Depois de cinco anos, o que ela planeja em vir até aqui? Será que minha magia naquela noite não foi boa o suficiente ela me reconheceu como rei?

“Você… o que você quer, hein?” indago com seriedade. Espantando a minha reação inicial ao vê-la.

Se ela surgiu agora querendo me chantagear por termos dormido juntos há cinco anos, o plano dela não vai vingar nem por um segundo. Já tenho problemas demais e uma mulher que eu só me deitei uma única vez antes de me casar, não fará parte da minha lista.

“Eu… eu… peço perdão, Majestade. Eu não queria ter manchado o senhor,” ela responde com uma gagueira nervosa. Fingindo desentendimento para o passo que tivemos.

Eu seguro ela pelo braço com força, obrigando-a a ficar de pé a minha frente. O seu rosto assustado fica ainda mais visível com a aproximação ao meu rosto. A lembrança daquela noite vem a minha mente como uma onda agitada. Os lábios macios e carnudos dela estão entreabertos, convidativos para que eu recordasse do nosso primeiro beijo.

“Quem é você? O que você quer, hein? Achou que iria vir aqui e não ser notada por mim? O seu cheiro é inconfundível, sabia disso?” As palavras saem de minha boca carregadas de impaciência, quase rosnadas, enquanto minha mão aperta o braço da jovem com uma força que beira a brutalidade. Sacudo o braço dela, esperando que me responda de uma vez, que me explique o motivo de sua presença em meu domínio. O que diabos ela está fazendo aqui?

O corpo da garçonete sacode como se fosse um saco de batata, instável e frágil em minhas mãos. Ela parece tão pequena, tão vulnerável diante de mim, e a realização disso apenas intensifica a frustração que sinto. Com a mão livre, ela tenta manter desesperadamente o equilíbrio, pressionando-a contra meu peito, seus olhos castanhos arregalados de terror, refletindo a brutalidade de minhas ações. Há um brilho de medo neles que me faz hesitar por um breve segundo, mas o sentimento logo é suprimido pela onda de desconfiança que me consome.

“Eu me chamo Aria, Majestade. Aria, sou apenas uma garçonete contratada. Peço perdão pelo incidente, eu devia ter olhado para onde eu andava, desculpas…” A voz dela treme, as palavras mal saem de sua boca, e há um quase soluço que ameaça escapar de sua garganta. Cada sílaba parece ser uma luta para ela, como se falar fosse uma tarefa árdua em face da minha presença intimidadora.

“Por que você veio até aqui, hein? O que você quer?” Minha voz ganha uma nova camada de impaciência, o tom mais cortante, enquanto aperto ainda mais o braço de Aria. Sinto os músculos sob minha mão se contraírem em resposta à dor, e vejo o rosto dela se contorcer de angústia.

Sua expressão, uma mistura de medo e sofrimento, apenas alimenta minhas suspeitas. Ela tenta, quase instintivamente, afastar minha mão de seu braço macio, mas sua tentativa é fraca, quase patética. Fito seu olhar com frieza, permitindo que minha fúria goteje como veneno, mesmo enquanto uma parte de mim tenta reprimir as memórias que insistem em emergir.

Anos atrás, eu a vi, não como ela é agora, mas em sonhos nebulosos, visões de uma mulher que de alguma forma se conectava à minha alma. Naqueles sonhos, sua presença era enigmática, envolta em mistério, e eu nunca pensei que a veria no mundo real, muito menos aqui, dentro do meu palácio. A ideia de que ela tenha tido a audácia de vir até aqui, de se infiltrar em meu território para… O quê? Tentar algo? A dúvida paira sobre mim como uma sombra.

“Para trabalhar, Majestade! Peço perdão,” Aria repete a mesma resposta, a voz dela tremula e impregnada de pavor. É claro que está apavorada, e consigo sentir isso na rigidez de seu corpo, na forma como ela tenta não tremer demais diante de mim. O cheiro dela, antes doce e familiar, agora é misturado com o inconfundível aroma do medo. É quase sufocante, e, ao mesmo tempo, intoxicante, como se seu pavor tivesse uma forma física que enchia o ar ao nosso redor.

No momento em que decido levá-la para fora do palácio, um estrondo alto ocorre no salão atrás de nós, interrompendo meu movimento. O som é tão poderoso que sinto o chão tremer sob meus pés, como se a própria terra estivesse se revoltando. Um baque violento atinge nossas costas, como uma onda de choque que se espalha pelo ambiente, derrubando-nos ao chão.

O impacto é brutal. Sinto o ar ser expulso dos meus pulmões ao bater no chão com força, e por um momento, o mundo ao meu redor se dissolve em um turbilhão de caos e confusão. Os sons ao meu redor se tornam distorcidos, uma mistura de gritos, uivos e um zumbido abafado que enche meus ouvidos, como se estivesse submerso em água. A dor lateja na minha cabeça, uma batida constante que ameaça rasgar minha concentração, e tudo o que posso fazer é lutar para recuperar meu fôlego.

Ao meu lado, Aria também está caída, o corpo dela estendido no chão frio. Vejo-a tossir violentamente, a poeira e a fumaça ao nosso redor dificultando a respiração. Ela tenta se levantar, a expressão em seu rosto ainda marcada pelo pavor, seus olhos amplamente abertos enquanto olha ao redor, como se tentando entender o que acabou de acontecer.

Tento me levantar, mas o mundo ainda parece balançar, e minhas pernas sentem como se fossem feitas de chumbo. A explosão, seja lá o que a tenha causado, transformou o ambiente ao nosso redor em um cenário de destruição e caos. A opulência do salão, com suas colunas majestosas e tetos altos, agora parece distante, e o som dos gritos que preenche o ar é uma cacofonia de terror e desespero.

No entanto, em meio a toda a confusão, minha atenção é imediatamente puxada de volta para Aria. Quem é ela realmente? O que ela quer de mim, de todos os lugares, por que ela está aqui?

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