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Capítulo 5 - Aria

A expressão no rosto do coordenador, uma mistura de desculpas envergonhadas e um certo temor, só aumenta a sensação de sufoco em meu peito. Sua postura inclinada diante da rainha Seraphina e do rei Caelum, como se estivesse tentando compensar um erro gravíssimo, me faz sentir minúscula, insignificante, um inseto prestes a ser esmagado. As palavras dele, tão suaves quanto desesperadas, parecem ecoar pelo salão, cada uma mais pesada que a anterior, e a sensação de que estou sendo observada por todos se torna insuportável. O peso do julgamento silencioso parece recair sobre meus ombros, uma pressão que ameaça me esmagar ali mesmo.

Enquanto repasso cada momento em minha mente, cada detalhe do que fiz, o som dos risos e das conversas ao redor se transforma em um zumbido distante, como se eu estivesse submersa em um oceano de incertezas. As paredes do grande salão parecem se fechar ao meu redor, tornando o espaço antes majestoso em algo opressor.

Os olhares dos convidados se tornam farpas invisíveis que perfuram minha pele, mesmo que a maioria nem esteja prestando atenção em mim. A vergonha me corrói por dentro, fazendo com que eu deseje desaparecer, evaporar, ser engolida por qualquer canto escuro do salão onde a luz das lâmpadas não pudesse me encontrar. Saio a passos ligeiros e silenciosos para a cozinha, junto com Malik atrás de mim.

Quando finalmente atravessamos a porta da cozinha, o ar mais quente e carregado com o cheiro de especiarias e alimentos recém-preparados me recebe, trazendo um breve alívio. Mas o desespero logo toma conta novamente. Sem conseguir evitar, as palavras saem de mim em um jorro descontrolado, implorando por compreensão, por uma chance de me redimir. Minha voz treme, carregada de medo, enquanto meus olhos buscam os de Malik, na esperança de encontrar alguma faísca de misericórdia.

“Peço mil perdões, eu não sei o que fiz de errado! Por favor, não desconte do meu pagamento, eu preciso muito do dinheiro!” digo com desespero na voz.

Ele, com firmeza, coloca as mãos em meus ombros, um gesto simples, mas carregado de autoridade e calma. O toque é como uma âncora, me prendendo à realidade, evitando que eu seja levada pela maré de pânico que ameaça me afogar. Suas palavras, embora duras, carregam um consolo inesperado.

“Esse é seu primeiro aviso, não se preocupe. A rainha deve estar de mau-humor e precisava de alguém para descontar. Vá servir os outros convidados e fique longe, extremamente longe da mesa do rei e da rainha, entendido?”

“Sim, senhor. Muito obrigada! Eu não vou decepcionado, prometo!” respondo cheia de gratidão e ansiedade.

Deixo a bandeja, que agora parece pesar o dobro, e rapidamente pego outra com canapés, mais leves, como se isso pudesse de alguma forma aliviar o fardo em meu coração. Respiro fundo, tentando acalmar o turbilhão de pensamentos e sentimentos, e mais uma vez, endireito a postura. Tento manter minha mente concentrada no que estou fazendo, preciso conseguir passar por essa noite sem qualquer incidente. O medo de ser mandada embora, de perder o sustento para Thorne e Elowen, meus dois pequenos tesouros, é maior do que qualquer orgulho ferido. Eu não posso falhar. Não por mim, mas por eles.

Passo pela porta da cozinha e vou com passos decididos andado com a bandeja na mão pelo largo corredor que interliga com o salão. Faltando poucos passos para entrar no salão, uma figura enorme surge na esquina e eu esbarro com tudo na pessoa. Caio no chão junto com a bandeja de canapés. O impacto é grande e eu fico tonta por alguns instantes.

Quando levanto os olhos para saber se esbarrei em outro garçom ou convidado, sou surpreendida com a presença chocada do rei Caelum a minha frente. Sinto o meu coração querer sair pela minha boca ao ver a presença imponente do rei Caelum acima de mim.

A expressão dele é severa, como se cada músculo de seu rosto estivesse esculpido em pedra, os lábios pressionados em uma linha dura, e seus olhos verdes, tão intensos que parecem atravessar minha alma, fuzilam-me com uma fúria silenciosa.

Percebo, com um nó no estômago, que alguns dos canapés caídos mancharam sua calça escura com um molho branco espesso, uma visão que só amplifica o pavor que consome meu ser. O chão de mármore sob mim é frio e implacável, e a realidade do que fiz se instala em minha mente como uma pedra no fundo de um poço.

Ainda no chão, a bandeja escorregadia presa em minhas mãos trêmulas, eu tento desesperadamente reunir meus pensamentos, mas é como tentar pegar água com as mãos; tudo me escapa. Por que eu, por que justo eu? As perguntas giram na minha mente, mas sem respostas. Tudo que consigo sentir é o medo frio que me envolve como um manto, apertando meu peito com a força de uma corrente invisível.

Levo alguns instantes preciosos, paralisada pelo choque, antes que meus instintos assumam finalmente o controle e eu comece a recolher a sujeira desajeitadamente, meus dedos tentando, inutilmente, limpar o molho da calça do rei.

“Perdão, Majestade. Eu não vi por onde eu estava andando e...” gaguejo as palavras com nervosismo.

Minha voz é fraca, mal um sussurro, e minha mente ecoa apenas um pensamento desesperado: Merda, merda, merda! Estou perdida. Serei mandada embora, serei banida do castelo. Ou pior, ele pode me mandar para a prisão, um lugar escuro e frio, onde minha vida será arruinada por uma calça manchada.

Fico de joelhos no chão, com as mãos sujas de molho, recolhendo os canapés um por um, a cada movimento me sinto menor, mais insignificante. A dor em meus joelhos pressionados contra o mármore parece distante, quase irrelevante, comparada ao medo que cresce dentro de mim como um incêndio descontrolado. Não consigo encará-lo de novo. Não posso. A imagem de sua fúria está gravada em minha mente, e estou pronta para receber a sentença, qualquer que seja, pois sei que não há perdão para alguém como eu, uma simples serva que ousou cometer tal erro diante de um rei.

“Sua criatura…” O som grave e retumbante da voz do rei Caelum faz com que cada músculo do meu corpo se contraia em puro terror. A raiva em suas palavras é palpável, e cada sílaba parece ser uma sentença de morte. Entretanto, ele para no meio da frase, o que me surpreende tanto quanto o som de sua voz. Por um momento, fico imóvel, o coração batendo tão rápido que sinto como se ele fosse explodir.

Por reflexo, meus olhos se levantam lentamente, apesar do pavor que me mantém enraizada ao chão. Preciso entender, preciso saber por que ele parou. Quando nossos olhos se encontram, o que vejo me surpreende tanto quanto o mais terrível pesadelo. A expressão severa e carrancuda do rei Caelum, que minutos antes parecia esculpida em rocha, está transformada. Agora, ele parece confuso, atordoado, como se tivesse visto algo que não deveria estar ali.

Ele me encara, catatônico, os olhos verdes fixados em mim com uma intensidade que me deixa sem ar, como se houvesse algo em meu rosto, algo que o deixou sem palavras.

Nesse instante de constrangimento e tensão, meu coração ainda acelerado, permito-me uma olhada mais longa em seu rosto. A cada detalhe que percebo, minha mente se distrai momentaneamente do terror da situação. Se não fosse por tudo isso, eu poderia simplesmente suspirar de encanto pela beleza imponente de Caelum. Os contornos de seu rosto, tão finamente esculpidos, a firmeza de seu queixo, os olhos verdes que parecem ter sido pintados pela mão de um artista divino, tudo nele exala uma aura de poder e realeza que é quase impossível de ignorar.

“Você…” Caelum diz, mas desta vez sua voz é um sussurro, quase inaudível, mas o suficiente para fazer minha espinha gelar. Há algo no tom dele, algo que me faz sentir um frio na base da coluna, como se um vento gélido tivesse atravessado o salão. Seus olhos continuam fixados em mim, mas a raiva que antes queimava neles se foi. Em seu lugar, há algo diferente, algo que eu não consigo identificar completamente. Por um breve instante, o olhar de Caelum é como se ele estivesse vendo um fantasma, ou uma lembrança antiga que voltou para assombrá-lo.

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