Seja boa e gentil
Agora eu entendia porque Andress não foi me ver. E também porque Mabel não quis saber notícias. Ou mesmo meu avô. Tudo estava ficando muito claro. Parecia ser um plano... Para tirar todos do caminho.
Mas... Com qual objetivo?
Desci as escadas imediatamente, sentindo nojo, vergonha, raiva de mim mesma por não ter visto o que esteve na minha frente o tempo inteiro.
Fernanda ainda no mesmo lugar, me esperando.
- Senhora... Eu... Sinto muito.
- Quanto tempo faz que Mabel saiu desta casa? – Perguntei seriamente enquanto limpava as lágrimas.
- Sete meses.
- E quando Ashley tomou meu lugar?
- Algumas... Semanas... Depois que a senhora entrou em coma.
- Quantas semanas exatamente?
Fernanda abaixou o olhar, temerosa.
- Por favor, Fernanda. Eu preciso saber.
- Uma semana, senhora.
- Preciso de um favor. – Pedi.
- Qualquer coisa, senhora.
- Não conte a Andress que estive aqui, por favor.
- Não contarei.
- Ashley está morando aqui?
- Ela... Trouxe algumas coisas. E passa a maior parte do tempo nesta casa com o senhor Andress. Eles... Inclusive viajaram juntos. Mas creio que não tenha trazido todos os pertences ainda.
- Devem estar esperando que eu morra para que ela venha de fato se apossar de tudo que é meu. – Olhei para o nada.
- Sinto muito, senhora. Tentei evitar que visse tudo isto.
- Não comente nada com ninguém. Eu... Preciso pensar no que farei.
- Isso significa que não ficará na sua casa?
- Não... Não agora. Irei para... Minha outra casa. Lá... Pensarei melhor... Estou muito confusa... – Pus as mãos nas têmporas, cansada.
- Posso ajudá-la em alguma coisa, senhora?
- Sim, pode... – olhei-a – Chame um táxi. E peça que me pegue no pórtico, por favor.
- Sim, farei isto. Irá... Andando até lá?
- Sim. – Confirmei.
Saí e fechei a porta, andando pela rua deserta do condomínio em direção ao pórtico de entrada. A noite estava bonita para um passeio e lembrei que eu costumava muito fazer aquilo... Sozinha, porque Andress nunca estava comigo.
Eu não tinha lembranças ruins de nós dois. Então por que Andress tinha agido daquela maneira, como se eu nunca tivesse significado nada para ele?
E Ashley? Ela era a minha melhor amiga! E o que houve com Kayde? Ele era louco pela noiva.
Cheguei ao pórtico e passei pelos grandes portões do condomínio luxuoso, embarcando no táxi.
- Para onde, senhora? – O motorista perguntou.
Não tive dificuldades para lembrar o endereço e dizer onde ficava o lugar onde eu queria ir.
DEZESSEIS ANOS ANTES...
Jamais esqueceria o momento quando a porta do táxi se abriu e mamãe desceu comigo do carro, segurando minha mão carinhosamente.
Observei o portão de grades de ferro branco tão alto que parecia que as ponteiras douradas encostariam no céu. Os ferros se entortavam na região central dele, formando uma letra H, sendo que a parte da fechadura ficava exatamente no meio da parte horizontal da letra.
Os muros que se alastravam para cada lado do portão, parecendo não ter mais fim. Olhei atentamente para tudo e perguntei, amedrontada:
- Isso é um orfanato, mamãe? Ou uma prisão?
Ela sorriu carinhosamente e agachou-se, com o rosto na altura do meu:
- Não, Maria! Isto tudo é a propriedade dos Hauser... E também seu.
- Tem uma casa aí dentro? – Perguntei, incerta, olhando para o caminho sinuoso de pedras que havia entre as árvores altas e magricelas.
- Sim, tem uma casa gigantesca. E você terá um quarto só seu.
- Por que só tem folhas na cabeça destas árvores? – Fiquei confusa olhando os galhos só ao final dos troncos.
Mamãe riu:
- Elas são “esbeltas”, não é mesmo?
Assenti.
Ela ajeitou meus cabelos longos para trás das orelhas, em seguida passando as mãos da raiz até o final dos fios, que iam até a altura da cintura.
- Nunca esqueça que amo você, está bem?
Senti vontade de chorar, mas me contive:
- Então por que tenho que ficar aqui, mamãe? Por que não vem comigo?
- Eu não posso, meu amor. E um dia você entenderá isto... Eu juro. Só quero que entenda que tudo que estou fazendo é pelo seu bem. No futuro talvez me agradeça... Ou me odeie para sempre. Ainda assim, tentarei me convencer eternamente de que foi pelo seu bem.
Abaixei o olhar, tentando ser forte e imaginando que quando ela partisse, seria bem difícil conter as lágrimas.
Mamãe me encheu de beijos na bochecha e depois apertou-me contra seu peito:
- Lembre-se do que eu lhe disse... Seja gentil e bondosa.
- Eu serei.
- Por pior que as pessoas a tratem, dê a elas o que você tem de melhor.
- Minha bondade e gentileza. – Repeti o que ela praticamente me dizia todos os dias.
- Faça com que seu avô entenda que o fato de você ser pobre não significa que não seja honesta e inteligente. Dê muito orgulho a esta família... E os conquiste. Seu coração é puro e verdadeiro e sei que jamais conhecerão alguém assim, meu amor. Porque eles não sabem o que significa amor, carinho ou mesmo gratidão. Pode fazer isso pela mamãe?
- Sim, eu posso.
- Você nasceu para isto, Maria... Para mostrar aos Hauser que o dinheiro não é tudo. E foi por este motivo que a criei longe deles, meu bem... Mesmo sabendo que um dia reivindicariam o que acreditam ser de sua propriedade. Mas quero que entenda que é livre! E independentemente do que aconteça, sempre serei sua mãe.
- Eu... Posso... Não ficar? – Tentei.
Ela sorriu tristemente:
- Passei 9 anos lhe preparando para este momento, Maria.
- Mas não podemos desistir, mamãe?
- Infelizmente não, meu amor.
- Mas... Nunca mais irei vê-la novamente?