Não acho que deva subir
— O senhor Alexis Hauser foi interditado pela família e se encontra numa clínica de repouso. Ao menos... Foi o que li no jornal há um tempo atrás.
— Como assim? — Fiquei atordoada.
— Talvez seja muita informação para pouco tempo, Maria Eduarda.
— Eu sou a família dele. Meu avô só tem a mim. Como assim alguém o interditou? E se realmente foi feito, não foi pela “família”.
— Irei intervir na ligação para seu marido.
— Acha que consegue? — Fiquei esperançosa.
— Falarei diretamente com a diretora do hospital. Tenho uma boa relação com ela.
— Obrigada, doutora Verbena... Muito obrigada. Sei que tenho uma grande dívida com a senhora. E prometo que pagarei cada centavo. Não sei o que está acontecendo, mas garanto que minha família tem posses e...
— Não quero seu dinheiro, Maria Eduarda. Sinceramente, tenho o bastante e o que paguei para que ficasse internada aqui não me fará falta alguma.
— Desculpe... Se a ofendi.
Ela respirou fundo e voltou ao semblante tranquilo:
— Está tudo bem. Assim que eu verificar o resultado de todos os exames lhe darei alta. E tentarei fazer tudo o mais rápido possível, já que não tenho certeza de quanto tempo conseguirei intervir na situação de avisarem seu marido.
— Obrigada, doutora Verbena.
A mulher saiu em direção à porta e antes de sair, me encarou e perguntou de forma séria:
— Não pensa na possibilidade de seu marido não ter vindo vê-la simplesmente porque... Não quis?
Eu sorri, certa do que dizia:
— Não. Sei que aconteceu alguma coisa para que Andress agisse desta forma. E por isso mesmo quero surpreendê-lo. Imagino o quanto esteja sofrendo, pensando que não há possibilidade alguma de que eu volte do coma algum dia.
— Você entende que o “não procurar” ou “não querer saber notícias” inclui também ligações?
— Sim, eu entendi! Não tive dificuldade de compreensão. Meu marido não veio ao hospital e não ligou para saber como eu estava. E sigo tendo a certeza de que aconteceu alguma coisa para Andress agir assim. Ele me ama. E esta é a única certeza que eu sempre tive na vida, doutora.
Ela sorriu e fechou a porta. E fiquei confusa do motivo da doutora Verbena parecer querer me alertar para alguma coisa com relação à atitude de meu marido.
Eu poderia não lembrar de algumas coisas, mas tinha certeza de que todos os momentos com Andress Montez Deocca estavam vívidos na minha mente, cada um deles. E todos eram de muito amor e carinho. Eu amei Andress desde sempre, quando ainda éramos crianças. Graças a ele e sua mãe eu era Maria Eduarda Montez Deocca, realizada profissional e pessoalmente.
Dez dias depois, eu recebia uma roupa de Verbena para que pudesse deixar o hospital e finalmente voltar para casa, depois de quase um ano... Mais precisamente 11 meses e 21 dias.
Assim que vesti a calça jeans e camisa branca com a gola bordada, me senti como se fosse outra pessoa.
Olhei para Verbena:
— Sei que é normal eu não lembrar de nada do que aconteceu enquanto eu estava em coma... Mas é como se me fosse tirado um ano de vida. E agora eu saio daqui... Mas é como se deixasse uma Maria Eduarda neste quarto...
Verbena sorriu:
— Imagino que tenhamos agora três Marias Eduarda’s aqui... A de antes do coma, a do durante o coma e a de depois do coma.
— Espero um dia poder conectá-las... — Balancei a cabeça, confusa.
— Conseguirá. Eu sei que conseguirá!
Verbena me acompanhou pelo hospital até a saída, onde chamou um táxi para me conduzir à mansão Deocca. Assim que o motorista abriu a porta para mim, olhei carinhosamente para minha médica e até então a única pessoa que eu parecia conhecer na vida:
— Eu nunca terei palavras suficientes para agradecer, doutora.
— Verbena, por favor. Pode me chamar assim.
— Iremos nos ver novamente? — perguntei.
Ela me deu aquele sorriso que me tranquilizava de uma forma inexplicável:
— Não sei se é correto, Maria Eduarda. Acho que nossa ligação acaba por aqui. Eu consegui trazê-la de volta a vida. Agora você faz a sua parte... Que é vive-la de forma a nunca se arrepender de nada. Não deixe nada para depois. É a prova de que o amanhã pode nunca chegar. E nem todo mundo tem segundas chances.
— Obrigada pela roupa, por ter pago a conta no hospital, por ter cuidado de mim e não ter desistido, quando que me parece que o mundo todo o fez... — Sorri sem jeito. — Espero conseguir entender o que aconteceu de uma vez por todas. E poder seguir com a minha vida.
— Tenho certeza de que conseguirá, Maria Eduarda.
Dei um abraço nela, sentindo o cheiro floral que parecia me acompanhar a uma vida. Sim, porque aqueles dias que fiquei em recuperação no hospital pareceram se comparar ao um ano que estive em coma, de tanto que demoraram a passar.
— Boa-sorte, Maria Eduarda.
— Obrigada por tudo, dou... Verbena! — Corrigi-me há tempo.
Senti no banco de trás do carro e o motorista fechou a porta. Eu não tinha sequer uma mala. Tudo que me restava eram as poucas lembranças que minha mente carregava.
— Lembre-se que ela precisa ser deixada na porta de casa — Verbena advertiu o motorista. — E você só sairá de lá quando a passageira entrar na casa.
— Entendi tudo, doutora. Não se preocupe — tranquilizou.
Enquanto o motorista conduzia o carro pelas ruas de Noriah Norte, reconheci cada lugar, como se tivesse passado por ali a vida inteira. Sim, lembrava do meu carro, assim como de estar sentada às vezes no banco do carona, ao lado de Andress.
Abri levemente a janela e deixei o vento fresco entrar no interior do carro, sentindo os fios de meus cabelos bagunçarem. E aquilo me agradava e me deixava feliz.
Eu estava viva! Embora não lembrasse do momento do afogamento, era grata por ter ganhado uma segunda chance! E se Deus me deixou por um ano na cama de um hospital, certamente eu tinha uma missão ainda a cumprir.
Era noite. As ruas estavam iluminadas pelos postes de luzes amareladas. Uma névoa branda encobria algumas partes do trajeto.
Me veio à mente uma vez que eu estava também no banco de trás de um carro, com metade do vidro aberto, o vento balançando meus cabelos. E na frente Kayde dirigindo e Ashley no banco do carona. Dávamos risadas e nos divertíamos.
Me veio à mente Kayde, meu amigo, ruivo, olhos claros, bochechas salientes e cabelos sempre levemente bagunçados. Tinha um sorriso encantador e transbordava alegria e simpatia. Ashley também era divertida. E linda. Alta, magra, olhos e cabelos castanhos. Eu adorava a risada dela e brincava que parecia de bruxa. Ela e Kayde eram namorados. E naquela noite ele a pediu em casamento. E eu estava junto. Éramos grandes amigos... Desde o tempo de escola, na adolescência.