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Uma carona

Lívia

Depois de ficar plantada como uma árvore no meio do pátio enquanto ele ia embora, precisei refazer cada pedacinho do aniversário mais estranho que já tive na vida. A presença de Bruno Lafaiete sendo o ápice, um bilionário sentado à mesa com várias crianças órfãs e mantendo uma conversa amena com a madre.

Na hora de dormir preciso manter a postura diante de Lia que a todo momento parece farejar as minhas mentiras e mesmo com a necessidade de desabafar sobre esse acordo achei melhor ficar calada. Agora, virando de um lado para o outro sem conseguir encontrar o sono, relembro a maneira feroz na qual seus olhos brilharam diante da voz irônica do amigo.

O autoritarismo na voz grave e os músculos tensos, totalmente diferente como se dois homens distintos habitassem o mesmo corpo, um deles na frente das pessoas e outro escondido da luz. Suspiro com as pálpebras finalmente pesando o suficiente para cair no sono cheio de sonhos com os olhos verdes analisando meu corpo fazendo minha pele esquentar.

"Lívia , vamos sua dorminhoca"

Viro o corpo na cama cobrindo a cabeça com o lençol.

"Só mais cinco minutos" peço sabendo que Lia me daria esse tempinho.

"Hoje não vai dar o seu noivo já está lá fora tomando café com a madre"

Imagino que estar sonhando com tudo isso até que a sonolência passa e a minha ficha caí, noivo, estou noiva.

Sou uma noiva de mentira

Pulo na cama ficando de joelhos sem nenhuma coordenação motora quase caio mas sou segurada por Lia que começa a rir.

"Mesmo com as minhas ressalvas sobre esse noivado, saber que ele é o melhor motivo para te fazer querer ir para a aula já o faz ganhar alguns pontos comigo"

Bufo afastando as mãos dela e curvando o corpo para pegar o lençol que caiu no chão, ajeito a cama balançando a cabeça em descrença.

"Não sei pra que ele veio tão cedo". Resmungo terminando de afofar o travesseiro.

"Talvez seja para poder passar um pouco de tempo com você." Lia suspira com um sorriso nos lábios. "Ele parece estar tão apaixonado."

Reviro os olhos de costas para ela, pegando o uniforme dentro da cômoda pequena de madeira, Bruno está mais para um ator de Hollywood.

"Você acha?" Me faço de desentendida.

"Lívia, já conversamos sobre isso,mas ainda não entendo como vocês aconteceram" Ela se posiciona a minha frente.

É difícil manter a farsa para ela, Lia é minha melhor amiga, não crescemos juntas mas quando foi transferida para servir aqui no orfanato como parte de sua admissão devocional foi como encontrar uma irmã depois de um longo tempo separadas.

"Lia.." Murmuro sem saber o que falar.

"Está tudo bem, sei que quando estiver pronta irá me contar mas até lá não pense que não estarei de olho em você e se aquele homem te magoar não existe dinheiro no mundo que o faça fugir de mim." Termina de falar colocando as mãos na cintura marcada pela roupa cinza com branco.

Solto uma risada e a abraço com força.

"Eu faria o mesmo por você". Declaro

"Não se preocupe comigo Lívia, Deus não é do tipo que mágoa sem motivos ele sempre sabe o que e melhor para nós."

"Deve ser por isso que ele colocou aquele rapaz como seu amigo." Rebato dando passos largos para a porta

Vejo como ela fica vermelha em contraste com o cinza que recobre seus cabelos deixando o rosto oval bem marcado.

"Eu não tenho interesse nele." Ela bufa cruzando os braços.

Abro a porta do banheiro pequeno a deixando encostada para que ela escute minha voz

"Não disse que era você."

Começo a rir enquanto ela murmura algo, em menos de quinze minutos estou pronta na frente do espelho, as meias pretas de três quartos cobrindo a pele das minhas pernas enquanto a saia drapeada desce até o meio das coxas. A camisa branca de botões fechada com uma gravata azul de listra dourada e o emblema do colégio no meio.

Apesar de não ter condições, Madre Magnólia sempre busca nos dar o melhor que pode e por isso me esforcei bastante estudando para realizar uma prova de admissão em um dos colégios mais ricos da cidade, as roupas usadas e de segunda mão pouco me importam. Mas o olhar de orgulho e aprovação da Madre sempre ressaltando o quanto sou estudiosa ou como conquistei com mérito a bolsa de estudos é um afago no meu coração.

Calço os sapatos de salto baixo, pego a mochila anotando mentalmente o local no qual irei precisar dar alguns pontos mais tarde. Quando finalmente chego na mesa para tomar o café da manhã o primeiro olhar que encontro é o dele.

O cabelo penteado e alinhado com gel, os olhos verdes brilhando enquanto a barba feita deixa a pele lisa a mostra, o queixo marcado e anguloso exibindo as duas covinhas enquanto sorri para algo que a Madre diz sem desviar o olhar do meu. Seus lábios finos em contraste com o nariz um pouco torto.

"Bom dia principesca" sua voz falando em italiano parece o canto de uma sereia.

Abro um sorriso um pouco forçado,lembrando o quanto preciso disso ao sentar do lado dele.

"Bom dia."

Lia aparece com a sua bolsa iniciando uma conversa amena com ele e a Madre, começo a tomar o meu café da manhã mesmo com o incomodo de sentir o toque da sua mão contra o meu ombro, a perna batendo contra a minha coxa por baixo da mesa. É como se meu corpo conversasse com o dele para estarmos próximos, mas a realidade é que tudo isso não passa de uma encenação.

Posso até jurar que o brilho de encanto que passa nas iris esverdeadas quando Lia conta sobre a faculdade de fisioterapia é real, só que outra vez a razão grita no fundo da minha mente.

Ao terminarmos o café da manhã , ele se ergue exibindo a camisa social preta que se molda perfeitamente ao torso largo e musculoso, observo cada pedaço se contraindo enquanto ele pega o blazer também preto.

Suspiro quando a mão grande volta a me tocar só que dessa vez na cintura, como um guia para o carro SUV que está do lado de fora.

"O que aconteceu com os seus brinquedos?" Acabo perguntando antes de tudo.

"Eles correm bem, mas não dão segurança a minha noiva contra paparazzis que tentam me seguir." Seu tom de voz sai ameno.

"Eu poderia ir sozinha assim, você não iria precisar mudar de carro." Abro um sorriso para ele.

Sei que Lia e Magnólia estão nos observando, mas principalmente me observando em busca de entender o que me fez querer ter um relacionamento quando sou tão contra, quando sempre deixei claro que jamais iria ficar envolvida com alguém.

"Deixar você no colégio é para fazer a minha manhã mais feliz acredite principesca, Aurora que é minha secretária irá te agradecer por isso, quanto a busca você é por querer te manter segura." Ele termina de falar depositando um beijo nos meus fios.

Engulo em seco, completamente iludida pelas atitudes dele, abro um sorriso feliz e mantenho o silêncio durante o percurso enquanto ele conversa com Lia, estou tão fora de órbita que não consigo notar quando ela desce na faculdade e ficamos os dois a sós.

Apenas quando a mão ainda marcada por alguns ferimentos puxa a minha e desce com um beijo nela é que tenho a noção do perigo que é estar sozinha com ele.

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