Estranho
Lívia
Bruno estaciona o carro na lateral do colégio próximo a uma das entradas, tenho uma noção completa dos vidros escuros fechados e dos dois carros que fazem a nossa segurança. Um estacionado à frente e outro atrás. Mordo a parte interna da bochecha nervosa, que tipo de jogo esse homem está fazendo?
Puxo uma respiração profunda quase gritando em frustração ao ser tomada pelo perfume amadeirado que gruda em cada pedacinho da minha mente, mas orgulhosa consigo forças o suficiente para falar.
"Não estamos na frente de ninguém Bruno,não precisa fingir." Falo apertando os dedos em volta da mochila.
"O que te faz acreditar que fico fingindo qualquer coisa com você?" A voz grave preenche o espaço pequeno.
Viro o corpo para observar suas feições com o sorriso cafajeste no canto dos lábios, os olhos verdes brilhando em um desafio silencioso.
"Como você consegue ser tão cínico?" Cruzo os braços irritada. "Já não basta ter me obrigado a assinar aquele contrato.."
"Você não foi obrigada a nada, Lívia." Sua voz me interrompe pela primeira vez com um autoritarismo pesando nela."Você se meteu nos meus negócios, criança tola agora precisa arcar com as consequências."
"E agora você quer o que com essa criança?" Questiono furiosa principalmente por ser chamada desse jeito.
Ele dá de ombros como se não fosse nada além de um momento quando a porcaria desse contrato é tudo para minhas crianças órfãs.
"Nada, na verdade já que vamos cumprir com os desejos da sua tutora então qual o problema em ter um tempo legal." Ele apoia a mão esquerda no volante finalmente voltando o corpo de lado na minha direção.
Abro a boca estupefata principalmente pela parte em que ele incluiu por um bom tempo desnecessário as exigências da Madre Magnólia.
"Eu não vou fuder com você." Rebato.
Sua sobrancelha se arqueia em curiosidade e uma pequena ruga aparece entre elas.
"Para quem vive em um orfanato ao lado de freiras você tem a boca muito sujo e uma mente pervertida." O sarcasmo na sua voz não me passa despercebido.
"E você deve imaginar que irei acreditar no papai Noel sobre a sua palavra de honra e em todas aquelas baboseiras que falou para a Madre a palavra de uma homem como você não vale nada."
Noto a maneira como o verde se apaga perdendo o brilho, a fúria queimando ao se aproximar, engulo em seco ficando assustada com seu movimento de predador é como se estivesse retomando ao mesmo homem de ontem batendo na face do amigo.
"Irei lhe dizer isso apenas uma vez e você trate de nunca mais esquecer isso." Fala em um tom mais baixo porém ameaçador. "Homens como eu, só sobrevivem com a própria palavra então, acredite no que quiser, mas irei cumprir cada detalhe do que falei."
Sinto a respiração pesada enquanto ofego, as palpitações fortes e rápidas do meu coração soando nos ouvidos. O rosto tão masculino próximo demais, desvio o olhar para os lábios preciso morder o lábio para não cair na tentação.
"Vá para a aula principessa à tarde, venho buscá-la" Ele se afasta apoiando as duas mãos no volante.
Agradeço a Deus por isso pois faz a minha sanidade retornar.
"Por que pediu a ela para vir me deixar e buscar?" Questiono curiosa demais.
"É minha esposa, por isso é o meu dever manter a sua segurança." Declara de maneira firme, mas sem olhar na minha cara.
Suspiro cansada dessa conversa e do peso das mentiras nos meus ombros, tento abrir a porta mas está trancada. Por cima do ombro o vejo tamborilar os dedos.
"Cuidado,Lívia"
Assinto com a cabeça escutando o som da porta destravando,pulo para fora do carro colocando a mochila nas costas. Confiro os lados da rua, observando outros alunos que costumam tirar sarro da minha cara encostados no muro do colégio. Abaixo a cabeça como sempre, escutando as palavras irritantes. Antes de passar pelo portão, olho para trás e vejo os carros ainda estacionados como se estivesse esperando, balanço a cabeça e entro de vez no colégio pronta para sobreviver a mais um dia.
Bruno Lafaiete
Preciso de um autocontrole enorme para não agarrar a garota dentro do meu carro, a maneira como ela se desfaz de mim é irritante do mesmo modo como desafia o meu ego.
Observo de longe enquanto alguns garotos tiram sarro dela, puxo o celular do bolso.
*Dê um jeito nesses garotos
Envio uma mensagem para Miguel, o chefe dos meus seguranças.
Bato os dedos contra o volante buscando recobrar um pouco de consciência, uma garota, Lívia é apenas uma garota.
Dou partida no carro em direção a empresa, entre uma reunião e outra recebo uma atualização do segurança que deixei para acompanhar os movimentos da garota. Preciso controlar os pensamentos sobre a boca rosada. Bato os dedos contra mesa de vidro imerso num mundo diferente, em um do qual Livia é a razão da minha dor de cabeça.
"Senhor ?"
Ergo a cabeça encontrando o olhar de Silvia, a secretária parece estar a um bom tempo parada esperando alguma resposta minha.
"O que uma mulher gosta de receber de presente?" Questiono.
Percebo a maneira como ela fica surpresa, afinal, todos os meus presentes para qualquer mulher são comprados por ela. Exceto a aliança da Lívia.
"Gostaria que comprasse algum presente? Posso fazer isso agora mesmo." Se oferece.
"Eu mesmo quero comprar." Declaro vendo que dessa vez ela não consegue esconder a surpresa.
"Uma jóia." Responde.
Lembro da maneira constrangida que a minha garota ficou diante de todos no aniversário surpresa.
"Não, ela não gosta de coisas extravagantes."
"Então, uma caixa de chocolate."
Abro um leve sorriso, pensando em qual resposta ela vai me dar ao receber um presente assim.
"Remarque a minha última reunião do dia para amanhã." Ordeno já levantando da cadeira."Na verdade Sílvia, organize os meus horários entre 8:15 e 16:30"
Ela acena em concordância enquanto saio da sala.
O caminho entre a loja e o colégio dela é rápido, porém a cena que vejo ao estacionar na entrada de algum motivo faz as minhas veias queimarem de raiva.
O rosto bonito sorrindo para um garoto magricela, torço os lábios em desgosto apertando o volante com força para não descer e bater nele. Ao ouvir o som da buzina, vejo como revira os olhos dando tchau para o rapaz.
Quando entra dentro do carro segura a caixa de chocolate com uma interrogação, mas já não estou afim de conversar.
"Está tudo bem?" Questiona enquanto dou partida no carro.
Dirijo em silêncio quase todo o caminho, até que o som de um gemido invade o espaço do SUV , pelo canto do olho vejo ela de olhos fechados saboreando o chocolate.
"Você deveria provar, estão ótimos." Ela fala.
"Talvez você queira dividir com seu amigo."
"É por isso que você está assim?" Bufa soltando o ar. "Não acredito que você quer fingir que não vai ficar com ninguém por aí, eu também…"
Antes que ela termine de falar mais uma besteira acelero o carro fazendo uma curva no meio da avenida, escuto o seu grito mas a minha visão está embaçada de raiva. Entro dentro de um beco freando com força, avanço contra a garota como o verdadeiro animal que sou.
"Pelo visto você se esqueceu da nossa conversa de manhã." Digo em um tom de voz baixo enquanto ela arregala os olhos.
"Eu sou o seu marido, e eu sou um homem de palavra, não existem outras e nem existem outros para você." Declaro com raiva.
Enfio a mão na nuca dela e a puxo, fazendo nossos lábios se chocarem com brutalidade.